Artigo

O jogo de minerar o propósito organizacional

Cada vez mais demandado pelos diferentes stakeholders o propósito serve como um guia para a tomada de decisão da empresa. Se não há uma definição universalmente aceita para ele, as formas de acessá-lo são mais claras. Conheça o “Purpose Mining Game”, um modelo gamificado para estruturar a declaração do propósito a partir dos pressupostos culturais
Jomara Fernandes é presidente da Purpose Mining, consultoria de capacitação profissional. Criou os jogos Purpose Mining Game e Purpose Mining Pocket. É comunicóloga formada na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e especialista em gerenciamento de projetos e processos.

Compartilhar:

Diversos fatores, como o envelhecimento da população, a hiperconectividade e o aumento do número de doenças emocionais, estão impulsionando mudanças de paradigmas da humanidade. Entre eles, uma necessidade crescente de indivíduos ou grupos (inclusive as organizações) terem um propósito que oriente seu papel no mundo.

Não há, porém, uma definição concreta do que é propósito em uma organização. Isso levou ao surgimento de uma pluralidade de definições, aplicações e formas de identificá-lo no mercado. Algumas perguntas podem orientar uma reflexão inicial sobre o propósito {veja quadro abaixo}, mas, em geral, há duas abordagens principais: ou olham de fora para dentro, a partir das necessidades externas alinhadas à organização, ou de dentro para fora, a partir de história, valores e características da organização. A segunda é nossa abordagem.

Níveis de maturidade da cultura focada em propósito
Uma escada em direção à plena consciência do papel de uma organização

Os dois primeiros níveis, descoberta e alinhamento, são degraus de aprendizagem, de inserção de elementos culturais. No terceiro, o propósito passa a ser considerado como fundamento básico para a tomada de quaisquer decisões. Esse é um nível delicado, porque pode dar a falsa impressão de que o propósito já está totalmente inserido, de forma consciente, na cultura da organização. Então, pode haver um relaxamento no trabalho. Já no quarto nível, o propósito está bem estabelecido nos pressupostos básicos da organização e é inclusive repassado para os novos membros do grupo. Por fim, o quinto nível, muito raro, ocorre quando as empresas se percebem como parte de um propósito evolutivo e aprendem a escutá-lo e segui-lo.

![059-061 – ilustra1](//images.ctfassets.net/ucp6tw9r5u7d/5LYqnNxuCo9DpQMcZFPmtZ/9c8e02a660334adaf86da8593f7e8298/059-061_-_ilustra1.png)

Propósito e cultura parecem, no entanto, elementos muito difíceis de mover, por mais estruturado que seja o processo para fazê-lo. Mas… e se eles participassem de um jogo? Foi o que fizemos ao criar o Purpose Mining Game, que é apresentado neste artigo.

O que fizemos basicamente foi implementar um espaço lúdico no qual máscaras e camadas defensivas do ego não se sustentam, e o participante se engaja mais facilmente no processo de reflexão. De modo voluntário e livre, as pessoas se conectam com seu avatar e, envolvidas por uma narrativa com tempo para começar e para terminar, compartilham um espaço lúdico em que é possível atravessar as camadas culturais para se chegar ao que é essencial.

Ao longo da experiência, vêm a tona pensamentos e sentimentos cada vez mais profundos, reais e consistentes, que contam a história e a verdade do grupo, tornando possível acessar os aspectos profundos da cultura organizacional. E quando eles emergem para a consciência, os membros sentem-se confortáveis, pois se reconhecem ali.

Para criar esse jogo, incluímos teorias sobre cultura organizacional; processos interpessoais e grupais; conceitos de aprendizagem organizacional e de criação coletiva através do campo e do diálogo profundo; visão sistêmica e integral; valores e estágios da consciência; estudo dos símbolos e arquétipos, entre outros.

7 perguntas fundamentais

Elas vêm da metodologia “purpose mining” para encontrar o propósito organizacional

– Como sua empresa se identifica? Como quer se apresentar? Como quer ser reconhecida?
– De que forma sua empresa pratica o bem, o bom e o belo?
– Qual o principal valor de sua empresa? O que pauta as suas decisões e as suas ações?
– O que você entrega? Que necessidade você está suprindo? Quem tem essa necessidade?
– Qual a principal competência necessária para melhor entregar o que você entrega?
– Que comportamento é necessário para melhor entregar o que você entrega?
– Qual é a problemática que a sua entrega resolve ou quer resolver?

E, como todo jogo precisa de uma narrativa, encontramos a nossa: está no conceito de data mining ou mineração de dados, que é a busca de padrões ocultos e válidos, dispersos no meio de grandes e complexos volumes de dados, que podem se transformar em informações úteis.

## Sessão de três horas
O Purpose Mining Game tem como objetivo buscar nas camadas profundas da cultura o que há de mais valioso no grupo organizacional. Ele estrutura um mapa e atividades que incluem pesquisa (desenho do projeto e escolha dos participantes), exploração (o que é vivenciado e acessado durante o jogo), lavra ou extração (o mapa que cada participante extrai do jogo), trazendo para a superfície material para ser beneficiado e, assim, mostrar todo o seu valor.O jogo ainda tem dado, pinos, 345 cartas de investigação e de recursos e um tabuleiro em forma de mandala com cinco camadas distintas: vegetação, solo, subsolo, água e rocha, cujo acesso aprofunda a mineração.

Na escavação do propósito organizacional, os jogadores assumem um avatar que tem visão e percepção do todo, o que leva a um olhar sistêmico, multi e transtemporal. Ao longo da mineração, surgem espaços de escuta que deixam emergir o que está subjacente ao grupo de forma explícita, leve e divertida. Esse conteúdo é estruturado em forma de mapa, base para a próxima fase: a sessão de consolidação e declaração do propósito.Essa sessão dura três horas.

## Sessão extra
O processo é fechado com uma sessão extra para consolidação e declaração de propósito Após o jogo, é preciso consolidar várias percepções (materializadas nos mapas de propósitos de cada jogador) de forma a chegar em um único mapa, uma única declaração e uma única frase. Se no início os dados eram desestruturados, presentes e não conscientes, após o jogo eles ainda estão desestruturados e presentes, mas conscientes e explícitos. É preciso consolidar tudo em uma expressão da singularidade, que depois vai estar no centro da estratégia corporativa, unificando todas as práticas {veja figura abaixo}.

Como isso é feito? Há a análise e a consolidação dos dados presentes nos mapas de propósito a partir da identificação de padrões. É um processo em camadas, como uma decantação que separa o que é essencial do que é acessório, feita por representantes do grupo original – voluntários e escolhidos democra-
ticamente por seus pares. Para tal, usamos uma abordagem sociocrática, de decisões tomadas por consentimento.

O desenvolvimento do propósito corporativo é um projeto que, necessariamente, vai esbarrar e requerer ajustes na cultura organizacional em uma evolução de maturidade de consciência, como mostra o quadro à esquerda.

![059-061 – ilustra2](//images.ctfassets.net/ucp6tw9r5u7d/5xJq8FP4UwZyIDEBxJ5n7P/6c350517ea308406d0ef8fcad26e8b64/059-061_-_ilustra2.png)

Artigo publicado na HSM Management nº 156.

Compartilhar:

Artigos relacionados

A aposta calculada que levou o Boticário a ser premiado no iF Awards

Enquanto concorrentes correm para lançar coleções sazonais inspiradas em tendências efêmeras, o Boticário demonstra que compreende um princípio fundamental: o verdadeiro valor do design não está na estética superficial, mas em sua capacidade de gerar impacto social e econômico simultaneamente. A linha Make B., vencedora do iF Design Award 2025, não é um produto de beleza – é um manifesto estratégico.

Quando o colaborador é o problema

Ambientes tóxicos nem sempre vêm da cultura – às vezes, vêm de uma única pessoa. Entenda como identificar e conter comportamentos silenciosos que desestabilizam equipes e ameaçam a saúde organizacional.

Inovação
16 de setembro de 2025
Enquanto concorrentes correm para lançar coleções sazonais inspiradas em tendências efêmeras, o Boticário demonstra que compreende um princípio fundamental: o verdadeiro valor do design não está na estética superficial, mas em sua capacidade de gerar impacto social e econômico simultaneamente. A linha Make B., vencedora do iF Design Award 2025, não é um produto de beleza – é um manifesto estratégico.

Magnago

4 minutos min de leitura
Cultura organizacional, Bem-estar & saúde, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
15 de setembro de 2025
O luto não pede licença - e também acontece dentro das empresas. Falar sobre dor é parte de construir uma cultura organizacional verdadeiramente humana e segura.

Virginia Planet - Sócia e consultora da House of Feelings

2 minutos min de leitura
Marketing & growth, Inovação & estratégia, Tecnologia & inteligencia artificial
12 de setembro de 2025
O futuro do varejo já está digitando na sua tela. O WhatsApp virou canal de vendas, atendimento e fidelização - e está redefinindo a experiência do consumidor brasileiro.

Leonardo Bruno Melo - Global head of sales da Connectly

4 minutos min de leitura
Liderança, Cultura organizacional, Inovação & estratégia, Tecnologia & inteligencia artificial
11 de setembro de 2025
Agilidade não é sobre seguir frameworks - é sobre gerar valor. Veja como OKRs e Team Topologies podem impulsionar times de produto sem virar mais uma camada de burocracia.

João Zanocelo - VP de Produto e Marketing e cofundador da BossaBox

3 minutos min de leitura
Cultura organizacional, compliance, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho, Liderança
10 de setembro de 2025
Ambientes tóxicos nem sempre vêm da cultura - às vezes, vêm de uma única pessoa. Entenda como identificar e conter comportamentos silenciosos que desestabilizam equipes e ameaçam a saúde organizacional.

Tatiana Pimenta - CEO da Vittude

5 minutos min de leitura
Cultura organizacional, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho, Inovação & estratégia
9 de setembro de 2025
Experiência também é capital. O ROEx propõe uma nova métrica para valorizar o repertório acumulado de profissionais em times multigeracionais - e transforma diversidade etária em vantagem estratégica.

Fran Winandy e Martin Henkel

10 minutos min de leitura
Inovação
8 de setembro de 2025
No segundo episódio da série de entrevistas sobre o iF Awards, Clarissa Biolchini, Head de Design & Consumer Insights da Electrolux nos conta a estratégia por trás de produtos que vendem, encantam e reinventam o cuidado doméstico.

Rodrigo Magnago

2 minutos min de leitura
Tecnologia & inteligencia artificial, Cultura organizacional, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
5 de setembro de 2025
O maior desafio profissional hoje não é a tecnologia - é o tempo. Descubra como processos claros, IA consciente e disciplina podem transformar sobrecarga em produtividade real.

Diego Nogare

6 minutos min de leitura
Marketing & growth, Cultura organizacional, Inovação & estratégia, Liderança
4 de setembro de 2025
Inspirar ou limitar? O benchmark pode ser útil - até o momento em que te afasta da sua singularidade. Descubra quando olhar para fora deixa de fazer sentido.

Bruna Lopes de Barros

3 minutos min de leitura
Inovação
Em entrevista com Rodrigo Magnago, Fernando Gama nos conta como a Docol tem despontado unindo a cultura do design na organização

Rodrigo Magnago

4 min de leitura