Uncategorized

Cadê as inovações da água?

A Califórnia, que é o centro nervoso da economia globalizada, também vive uma crise de falta de água; trata-se de um problema mundial. O estado investe em dessalinização, mas feita de modo antiquado; os inovadores não desenvolvem novas tecnologias
A reportagem é de Jon Gertner, colaborador da revista Fast Company.

Compartilhar:

> **Vale a leitura porque…**
>
> … mostra que o problema da falta de água não é exclusividade brasileira e pode ser visto como uma confirmação da mudança climática. … explica que não há soluções revolucionárias em desenvolvimento no mundo; a maioria das tecnologias ainda é de dessalinização. … evidencia que os empreendedores e investidores não se interessam pela área. … deixa claro, pela comparação internacional, que o Brasil tenta resolver seus problemas de água de forma tímida.

Na Califórnia, a preocupação com a água talvez tenha começado em janeiro de 2014, quando o governador Jerry Brown disse: “Ou cortamos o consumo de água em 20% ou enfrentaremos consequências terríveis”. Ou quem sabe foi em agosto, quando a cidade californiana de East Porterville literalmente secou, forçando o estado a levar água em caminhões aos moradores para que pudessem ter água na descarga de seus vasos sanitários. 

Também pode ter sido em setembro, quando um estudo científico observou que o pior ainda estava por vir: uma seca épica que, disse um pesquisador, poderia ser “pior do que qualquer coisa vista nos últimos 2 mil anos” da humanidade. [E ainda pode ser citado um fato de março de 2015, quando o cientista sênior do laboratório de propulsão a jato da Nasa Jay Famiglietti, especializado em água, divulgou publicamente que, desde 2011, a Califórnia perdeu algo como 14,8 trilhões de litros de água estocada por ano, todos os anos, e tem apenas mais 12 meses de água em seus reservatórios.]

Qualquer que seja o início escolhido para esta história, há uma unanimidade: a água pôs a saúde da Califórnia em risco. A incensada cultura tecnológica do estado é capaz de muita coisa, assim como sua população socialmente engajada, mas eles ainda não conseguem fazer chover. A pergunta é: com esse estímulo atual, a Califórnia não poderia inovar e resolver o problema da água para o mundo [incluindo o Brasil]?

**ÁGUA DO MAR, MAS…**

A Califórnia está tentando inovar e o ponto de partida escolhido para isso é aproveitar a água do mar, que cobre 97% do planeta. Está em construção, ao norte de San Diego, uma gigantesca usina de dessalinização. Trata-se de uma estrutura que puxará a água do oceano Pacífico, retirará seu sal por filtração e depois bombeará a água limpa resultante pelos canos municipais para uso dos moradores. A usina de Carlsbad, como é conhecida, custará US$ 1 bilhão e já teve suas obras aceleradas ante as informações sobre a seca; prevê-se que esteja pronta no final deste ano. Demorou, é fato. 

Seu (alto) custo foi debatido durante dez anos, assim como seu (grande) consumo de energia e seu impacto ambiental (potencialmente elevado). Mas, quando finalmente estiver funcionando, Carlsbad produzirá 189 milhões de litros de água limpa por dia, a maior usina de dessalinização da América do Norte. Mais ainda, Carlsbad vai demonstrar algo de vital importância não só para toda a Califórnia, como para norte-americanos do Sul e do Sudoeste, que também estão sofrendo com secas devastadoras: pela primeira vez em décadas, uma substancial nova fonte de água potável será adicionada a um sistema que se esvazia a cada ano que passa. Só que Carlsbad não chegará nem perto de matar a sede dos californianos, não enquanto a mudança climática continuar a ameaçar secar seus reservatórios de água. A projeção de a usina abastecer cerca de 7% da água potável de San Diego equivale a algumas gotas no balde –e gotas bem caras. Isso põe uma mosca atrás da orelha dos californianos: com tanta água oceânica em volta, por que não há melhores tecnologias para resolver o problema?

**TECNOLOGIAS SUPERADAS**

Existem duas tecnologias consagradas de dessalinização. Uma é copiada do planeta Terra, que funciona como uma grande usina de dessalinização: a água doce evapora dos oceanos, o vapor se reúne nas nuvens e cai como chuva ou neve, que são coletadas em reservatórios ou voltam para o mar. (Os oceanos são salgados, na verdade, porque a água da chuva se combinou com minerais da terra e caiu sobre o mar por centenas de milhões de anos.) Durante décadas, engenheiros construíram usinas capazes de aquecer grandes piscinas de água salgada para que a água doce evaporasse e fosse direcionada a um reservatório central. Muitas dessas usinas ainda existem, especialmente no Oriente Médio, que se valeu da dessalinização por bastante tempo. 

A outra tecnologia de dessalinização remonta ao início dos anos 1960, quando alguns cientistas da University of California em Los Angeles (Ucla) criaram um tipo de filtro –ou membrana, como é conhecido no mercado– que viabiliza um novo processo de dessalinização: a osmose reversa, ou OR para abreviar. Com a OR, essencialmente, a água do mar passou a ser bombeada através da membrana a uma pressão em torno de 15 vezes maior do que sai da torneira de sua casa. O que passa para o outro lado é água doce; o que não passa é o sal, que é desviado e reencaminhado ao oceano. Nos últimos 50 anos, sistemas de OR se tornaram peça-chave do negócio da água. Eles estão sendo usados em grandes usinas de água salgada do tipo Carlsbad –e também em usinas convencionais de tratamento de água, em iates e submarinos. Têm sido fundamentais para setores que exigem  água excepcionalmente pura para o processo produtivo, como o farmacêutico e o de alta tecnologia. 

> **NO BRASIL, AS INDÚSTRIAS LIDERAM OS AVANÇOS**
>
> Dessalinizar a água do mar, um processo caro, não passa pela cabeça dos brasileiros. Afinal, o Brasil compartilha, com Argentina, Uruguai e Paraguai, o maior reservatório subterrâneo de água doce do mundo, o Aquífero Guarani, descoberto nos anos 1950. Com um volume de água superior ao de todos os rios do planeta somados, esse aquífero seria suficiente para abastecer a população mundial inteira por dez anos. Ele ainda é virtualmente inexplorado, contudo, e, assim, não impediu que a seca afetasse severamente o estado mais rico do Brasil, São Paulo. 
>
> O problema começa a ser atacado, por enquanto, não com inovações tecnológicas na “produção” de água, mas com medidas de consumo –tanto o uso eficiente do recurso como seu reúso. E as empresas têm papel fundamental nisso. Elas respondem por 94% do consumo da água brasileira (22% pelas indústrias e 72% pela irrigação do agronegócio); só 6% cabem às pessoas. 
>
> As indústrias estão mais adiantadas, buscando eficiência no uso da água na produção. Um dos setores que se destacam no País nessa questão de eficiência é, sem dúvida, o de bebidas. A Coca-Cola Brasil, por exemplo, investiu em tecnologias que lhe permitiram reduzir o volume da água consumida na fabricação dos produtos. Hoje, a companhia gasta 1,9 litro de água para cada litro de refrigerante ou suco produzido, menos da metade do que era há dez anos, e a meta é chegar a 1,5 litro. Outro caso é o da Ambev. 
>
> Enquanto a média mundial das cervejarias é de 5 litros de água para produzir 1 litro de cerveja, o índice da empresa é de 3,34 litros de água para 1 litro da bebida. Empresas industriais também vêm dando atenção ao monitoramento da qualidade dos efluentes produzidos para dar condições para o reúso da água. 
>
> Afinal, essa é a principal ferramenta utilizada pelas empresas para minimizar o consumo. Uma terceira iniciativa observada nas companhias tem sido a de contribuir para conservar nossas bacias hidrográficas a fim de manter a qualidade da água disponível. “Com a preservação da bacia, é possível tratar a água a baixo custo. É o uso do ‘software’ da natureza para fazer o sistema funcionar com água bruta de boa qualidade, mantendo as áreas alagadas e também a vegetação”, diz José Galizia Tundisi, presidente do Instituto Internacional de Ecologia e especialista em água. 
>
> “É do interesse das empresas a gestão da água; nela há componentes econômicos cruciais para o desempenho”, comenta. Ao menos em termos de reúso, as empresas estão muito mais à frente do que o poder público, segundo Edson Nour, professor da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O especialista explica que muitas já levam em conta as bacias hidrográfica antes de estabelecer suas plantas industriais em uma região. Exemplo disso, conforme ele, é a Refinaria de Paulínia, que avalia o caminho que a água percorre no processo produtivo para não coletar líquido além do necessário. O professor da Unicamp cita também a Astra, empresa de materiais de construção de Jundiaí (SP), cuja planta industrial foi planejada para coletar água de chuva, reservá-la, tratá-la e usá-la na produção, minimizando o consumo da rede concessionária. “Nas plantas novas, as empresas já fazem isso”, ressalta Nour. Na opinião do especialista, o reúso só não é mais avançado entre as indústrias por falta de legislação, o que as obriga a criar padrões internos para cada processo que instalarem. No entanto, ele alerta que, na gestão dos recursos hídricos e nos programas de combate ao desperdício, as empresas poderiam investir bem mais. 
>
> Por Christye Cantero, colaboradora de HSM Management

A membrana OR é agora uma commodity que custa cerca de 1 dólar por cerca de 30 centímetros. “Ela retira 99,8% do sal da água marinha e dura cinco anos ou, em alguns casos, dez”, diz Tom Pankratz, veterano do setor e analista de dessalinização. “Deve haver algumas pequenas melhorias a caminho, mas não vamos conseguir baratear muito, em minha opinião.” Essa nada mais é do que uma forma suave de dizer que a OR é uma “tecnologia madura”. E “madura” é um adjetivo que funciona como repelente para empreendedores e investidores de risco da Califórnia. 

**DESINTERESSE EM INOVAR**

Recentemente, jornais da Califórnia desafiaram empreendedores como Elon Musk a investir no jogo da dessalinização. No entanto, a água parece ser uma tecnologia especializada que não desperta o interesse da maioria desses rebeldes ricos. Eles preferem se concentrar 

na perspectiva inebriante de uma startup que melhore a tecnologia existente em, digamos, dez vezes. Tom Davis, que administra o Center for Inland Desalination Systems na University of Texas de El Paso, diz que a tendência agora é criar filtros de grafeno, um novo material maravilhosamente rígido [veja HSM Management 

 nº 106]. Entretanto, ele argumenta que isso não é tão revolucionário como deveria. A explicação para não ser? Melhorar sistemas de água, assim como substituir energias ou sistemas de transporte, é difícil porque as tecnologias existentes estão bem estabelecidas demais, o que torna antieconômico lançar algo novo ou arriscado. 

**INICIATIVAS EM CURSO**

Uma nova ideia no negócio da água, na abordagem de dessalinização, é a osmose avançada. Várias startups dos EUA, mais notavelmente a Oasys Water, de Boston, e a californiana Trevi Systems, estão na vanguarda dessa tecnologia. Em vez de fazer a água salgada passar por uma membrana, ela permite que as propriedades físicas naturais da água separem seus sais sem que haja um processo de alta pressão. A vantagem desse processo é que ele usaria menos energia e seria mais barato. Há dois problemas, porém. 

A osmose avançada ainda está sendo ajustada em usinas pequenas e experimentais, como aquela em que a Trevi está envolvida nos Emirados Árabes Unidos. Então, mesmo que funcione, poderá levar anos antes de ser implementada amplamente. E um estudo recente do Massachusetts Institute of Technology (MIT) colocou em dúvida a questão da economia de energia. A revolução pode vir também de mudanças nos componentes internos dos sistemas de dessalinização e não só no processo em si. Uma companhia dinamarquesa, a Aquaporin, começou a fabricar membranas que imitam a função do rim humano, com resultados empolgantes. 

Localizada em um edifício novo e reluzente ao lado da University of Copenhagen, a empresa foi criada em 2005, liderada pelo jovem cientista dinamarquês Peter Holme Jensen. Essas membranas parecem finas folhas de papel branco, com cobertura brilhante, e podem ser usadas em sistemas que usam tanto a osmose reversa convencional como a avançada. 

Segundo Jensen, uma pessoa pode urinar pela membrana e beber o que sai do outro lado sem medo. (As membranas serão testadas pela Nasa como forma de reciclar a água utilizada no espaço.) Talvez os custos da dessalinização sejam reduzidos em 15% com as novas membranas. Isso seria transformador em um setor tão pouco afeito a mudanças. Como diz Jensen, se a indústria da água fosse a indústria farmacêutica, é como se ela não tivesse lançado nenhum remédio novo em 30 anos. E, dado o conservadorismo geral, pode levar anos até que essa tecnologia tenha grande impacto, o que não resolveria os problemas imediatos de água da Califórnia [ou de São Paulo]. 

**CONTRA A DESSALINIZAÇÃO**

Nem todos creem que a dessalinização seja a melhor solução para as regiões que estão “secando”. Por exemplo, Heather Cooley, do Pacific Institute, com sede em Oakland, crê que usinas desse tipo são caras e podem rapidamente perder importância se as situações de seca abrandarem ou as pessoas se habituarem a consumir muito menos. “Tende a haver um risco na construção de usinas de dessalinização”, explica ele, acrescentando que  problemas de capacidade ociosa já aconteceram ao menos na Flórida e na Austrália. Existe também a possibilidade de os canos que sugam a água, ou a descarga supersalgada resultante do processo de dessalinização, impactarem significativamente populações de peixes. Por enquanto, contudo, não há outras perspectivas à vista na Califórnia. Especialistas como Pankratz veem a dessalinização como o caminho inevitável. 

> **Você aplica quando…**
>
> … muda seus padrões de planejamento estratégico de longo prazo para esse recurso. … pratica gestão de recursos hídricos. … reduz o desperdício.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Os sete desafios das equipes inclusivas

Inclusão não acontece com ações pontuais nem apenas com RH preparado. Sem letramento coletivo e combate ao capacitismo em todos os níveis, empresas seguem excluindo – mesmo acreditando que estão incluindo.

Reaprender virou a palavra da vez

Reaprender não é um luxo – é sobrevivência. Em um mundo que muda mais rápido do que nossas certezas, quem não reorganiza seus próprios circuitos mentais fica preso ao passado. A neurociência explica por que essa habilidade é a verdadeira vantagem competitiva do futuro.

Bem-estar & saúde
20 de outubro de 2025
Nenhuma equipe se torna de alta performance sem segurança psicológica. Por isso, estabelecer segurança psicológica não significa evitar conflitos ou suavizar conversas difíceis, mas sim criar uma cultura em que o debate seja aberto e respeitoso.

Marília Tosetto - Diretora de Talent Management na Blip

4 minutos min de leitura
Inovação & estratégia, Marketing & growth
17 de outubro de 2025
No Brasil, quem não regionaliza a inovação está falando com o país certo na língua errada - e perdendo mercado para quem entende o jogo das parcerias.

Rafael Silva - Head de Parcerias e Alianças na Lecom

3 minutos min de leitura
Bem-estar & saúde, Tecnologia & inteligencia artificial
16 de outubro de 2025
A saúde corporativa está em colapso silencioso - e quem não usar dados para antecipar vai continuar apagando incêndios.

Murilo Wadt - Cofundador e diretor geral da HealthBit

3 minutos min de leitura
Bem-estar & saúde
15 de outubro de 2025
Cuidar da saúde mental virou pauta urgente - nas empresas, nas escolas, nas nossas casas. Em um mundo acelerado e hiperexposto, desacelerar virou ato de coragem.

Viviane Mansi - Conselheira de empresas, mentora e professora

3 minutos min de leitura
Marketing & growth
14 de outubro de 2025
Se 90% da decisão de compra acontece antes do primeiro contato, por que seu time ainda espera o cliente bater na porta?

Mari Genovez - CEO da Matchez

3 minutos min de leitura
ESG
13 de outubro de 2025
ESG não é tendência nem filantropia - é estratégia de negócios. E quando o impacto social é parte da cultura, empresas crescem junto com a sociedade.

Ana Fontes - Empreendeedora social, fundadora da Rede Mulher Empreendedora (RME) e do Instituto RME

3 minutos min de leitura
Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho, Estratégia
10 de outubro de 2025
Com mais de um século de história, a Drogaria Araujo mostra que longevidade empresarial se constrói com visão estratégica, cultura forte e design como motor de inovação.

Rodrigo Magnago

6 minutos min de leitura
Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho, Liderança
9 de outubro de 2025
Em tempos de alta performance e tecnologia, o verdadeiro diferencial está na empatia: um ativo invisível que transforma vínculos em resultados.

Laís Macedo, Presidente do Future is Now

3 minutos min de leitura
Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho, Bem-estar & saúde, Finanças
8 de outubro de 2025
Aos 40, a estabilidade virou exceção - mas também pode ser o início de um novo roteiro, mais consciente, humano e possível.

Lisia Prado, sócia da House of Feelings

5 minutos min de leitura
Cultura organizacional, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
7 de outubro de 2025
O trabalho flexível deixou de ser tendência - é uma estratégia de RH para atrair talentos, fortalecer a cultura e impulsionar o desempenho em um mundo que já mudou.

Natalia Ubilla, Diretora de RH no iFood Pago e iFood Benefícios

7 minutos min de leitura

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #170

O que ficou e o que está mudando na gangorra da gestão

Esta edição especial, que foi inspirada no HSM+2025, ajuda você a entender o sobe-e-desce de conhecimentos e habilidades gerenciais no século 21 para alcançar a sabedoria da liderança

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #170

O que ficou e o que está mudando na gangorra da gestão

Esta edição especial, que foi inspirada no HSM+2025, ajuda você a entender o sobe-e-desce de conhecimentos e habilidades gerenciais no século 21 para alcançar a sabedoria da liderança