Transformação Digital, ESG

Desumanização algorítmica: qual o impacto da gestão automatizada nas mulheres que trabalham no mercado digital?

A gestão algorítmica está transformando o mundo do trabalho com o uso de algoritmos para monitorar e tomar decisões, mas levanta preocupações sobre desumanização e equidade, especialmente para as mulheres. A implementação ética e supervisão humana são essenciais para garantir justiça e dignidade no ambiente de trabalho.
*Carine Roos é pesquisadora de ética em inteligência artificial, direitos humanos, saúde emocional e gênero. A especialista possui mestrado em Gênero pela London School of Economics (LSE) e pós-graduação em Cultivando Equilíbrio Emocional pelo Santa Barbara Institute for Consciousness Studies. Fundadora e CEO da Newa, consultoria de impacto social especializada na criação de ambientes corporativos humanizados, éticos e psicologicamente seguros, tem como missão preparar e capacitar líderes de grandes empresas. Autora da newsletter The Hidden Politics of AI, que analisa o impacto das big techs na governança digital e nos direitos fundamentais, também é palestrante em eventos de inovação, LinkedIn Top Voice, e colunista em veículos como Você RH e HSM.

Compartilhar:

Conforme vamos evoluindo como sociedade, o mundo do trabalho está passando por uma transformação significativa. O avanço tecnológico e o surgimento da Inteligência Artificial (IA) estão redefinindo a forma como as empresas gerenciam seus trabalhadores e tomam decisões relacionadas ao trabalho. Em resposta a essas mudanças, muitas empresas estão adotando uma gestão algorítmica.

A gestão algorítmica refere-se ao uso de algoritmos para gerenciar trabalhadores, monitorar desempenho, atribuir tarefas e tomar decisões relacionadas ao trabalho. Esta prática tem se tornado cada vez mais comum em plataformas digitais de trabalho, como aplicativos de entrega e transporte. Embora a gestão algorítmica possa aumentar a eficiência operacional, ela também levanta sérias preocupações sobre desumanização, especialmente na ausência de supervisão significativa e automatização da gestão.

Isso porque quando as decisões de gerenciamento são totalmente automatizadas e baseadas em algoritmos, a interação humana e a supervisão direta são minimizadas ou eliminadas. Isso pode criar uma sensação de alienação entre os trabalhadores, que se veem como meros números ou componentes de um sistema, em vez de seres humanos com necessidades e direitos. A falta de supervisão humana significa que questões como justiça, contexto pessoal e ética no trabalho são muitas vezes negligenciados. Os trabalhadores podem sentir-se desumanizados quando suas circunstâncias individuais não são consideradas nos processos de gestão.

Ainda a automatização da gestão pode levar à fragmentação do trabalho, onde tarefas são divididas em partes menores e altamente específicas. Isso pode resultar em um ambiente de trabalho onde os trabalhadores têm pouca ou nenhuma visibilidade sobre o processo geral ou os objetivos da empresa. A automatização também pode significar que decisões importantes, como demissões ou avaliações de desempenho, são tomadas sem consideração por nuances humanas. Esse tipo de gestão reduz os trabalhadores a engrenagens de uma máquina, desconsiderando suas competências, aspirações e necessidades específicas.

# Impacto sobre as mulheres
As mulheres são particularmente vulneráveis a esses impactos desumanizantes por várias razões:

__1) Subrepresentação em papéis de supervisão:__ Mulheres frequentemente têm menor representação em cargos de liderança e supervisão, o que significa que a perspectiva feminina é frequentemente ausente nas decisões de gestão algorítmica. Isso pode levar a políticas que não consideram adequadamente as necessidades ou desafios específicos enfrentados pelas mulheres no local de trabalho.

__2) Segmentação em trabalhos precarizados:__ As mulheres são frequentemente empurradas para trabalhos que são mais propensos a serem controlados por algoritmos, como serviço ao cliente, cuidado e assistência, que são frequentemente mal pagos e precarizados. A gestão algorítmica nesses setores pode exacerbar a precariedade, implementando rigorosos sistemas de monitoramento e avaliação que ignoram as complexidades dos cuidados pessoais e sociais.

__3) Invisibilidade e trabalho não remunerado:__ A gestão algorítmica pode ignorar ou subvalorizar o trabalho não remunerado que muitas mulheres realizam, como cuidados domésticos, filhos, idosos, pessoas doentes ou comunitários. Isso reforça as desigualdades de gênero, já que as plataformas digitais de trabalho muitas vezes não reconhecem ou recompensam adequadamente essas contribuições.

# Supervisão humana e justiça algorítmica
Alguns caminhos para promover uma maior humanização do trabalho no contexto de gestão alogorítmica são:

__1) Desenvolvimento de algoritmos éticos:__ as empresas devem garantir que os algoritmos sejam desenvolvidos com princípios éticos que considerem a dignidade humana, justiça e igualdade. Isso inclui incorporar análises de impacto de gênero e outras interseccionalidades para garantir que as decisões automatizadas não perpetuem discriminações ou desigualdades.

__2) Transparência nos critérios de automatização:__ as empresas devem ser transparentes sobre como os algoritmos são usados e quais critérios são considerados nas decisões automatizadas. É essencial que os trabalhadores compreendam como suas performances são avaliadas e tenham acesso a explicações claras e compreensíveis sobre como os algoritmos funcionam.

__3) Supervisão humana:__ manter elementos humanos na supervisão dos processos algorítmicos é crucial. Supervisores humanos devem ter o poder de revisar e, se necessário, contestar decisões automatizadas que possam ser injustas ou inadequadas. Isso ajuda a garantir que as nuances e contextos individuais dos trabalhadores sejam considerados.

__4) Participação dos trabalhadores:__ incluir trabalhadores no processo de desenvolvimento e implementação de sistemas de gestão algorítmica pode ajudar a identificar e corrigir potenciais problemas antes que eles ocorram. Isso também empodera os trabalhadores, permitindo-lhes influenciar diretamente as políticas que afetam seu trabalho diário.

__5) Revisão e avaliação contínua:__ as empresas devem realizar revisões periódicas dos sistemas de gestão algorítmica para identificar possíveis falhas ou efeitos adversos. Essas avaliações devem incluir análises de impacto social e de gênero para garantir que os sistemas estejam funcionando de maneira justa e equitativa.

__6) Políticas de diversidade e inclusão:__ implementar políticas robustas de diversidade e inclusão pode ajudar a garantir que as decisões algorítmicas não excluam ou marginalizem grupos específicos, como mulheres. Isso inclui promover a equidade de gênero em todos os níveis da organização e garantir que os algoritmos não reforcem estereótipos ou vieses.

Ao adotar essas estratégias, as empresas podem mitigar os efeitos desumanizantes da gestão algorítmica e criar um ambiente de trabalho mais justo e humano para todos os trabalhadores, com atenção especial às necessidades e desafios específicos enfrentados pelas mulheres.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Homo confusus no trabalho: Liderança, negociação e comunicação em tempos de incerteza

Em um mundo sem mapas claros, o profissional do século 21 não precisa ter todas as respostas – mas sim coragem para sustentar as perguntas certas.
Neste artigo, exploramos o surgimento do homo confusus, o novo ser humano do trabalho, e como habilidades como liderança, negociação e comunicação intercultural se tornam condições de sobrevivência em tempos de ambiguidade, sobrecarga informacional e transformações profundas nas relações profissionais.

Inovação & estratégia
27 de outubro de 2025
Programas corporativos de idiomas oferecem alto valor percebido com baixo custo real - uma estratégia inteligente que impulsiona engajamento, reduz turnover e acelera resultados.

Diogo Aguilar - Fundador e Diretor Executivo da Fluencypass

4 minutos min de leitura
Cultura organizacional, Inovação & estratégia
25 de outubro de 2025
Em empresas de capital intensivo, inovar exige mais do que orçamento - exige uma cultura que valorize a ambidestria e desafie o culto ao curto prazo.

Atila Persici Filho e Tabatha Fonseca

17 minutos min de leitura
Inovação & estratégia
24 de outubro de 2025
Grandes ideias não falham por falta de potencial - falham por falta de método. Inovar é transformar o acaso em oportunidade com observação, ação e escala.

Priscila Alcântara e Diego Souza

6 minutos min de leitura
Cultura organizacional, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
23 de outubro de 2025
Alta performance não nasce do excesso - nasce do equilíbrio entre metas desafiadoras e respeito à saúde de quem entrega os resultados.

Rennan Vilar - Diretor de Pessoas e Cultura do Grupo TODOS Internacional.

4 minutos min de leitura
Uncategorized
22 de outubro de 2025
No setor de telecom, crescer sozinho tem limite - o futuro está nas parcerias que respeitam o legado e ampliam o potencial dos empreendedores locais.

Ana Flavia Martins - Diretora executiva de franquias da Algar

4 minutos min de leitura
Marketing & growth
21 de outubro de 2025
O maior risco do seu negócio pode estar no preço que você mesmo definiu. E copiar o preço do concorrente pode ser o atalho mais rápido para o prejuízo.

Alexandre Costa - Fundador do grupo Attitude Pricing (Comunidade Brasileira de Profissionais de Pricing)

5 minutos min de leitura
Bem-estar & saúde
20 de outubro de 2025
Nenhuma equipe se torna de alta performance sem segurança psicológica. Por isso, estabelecer segurança psicológica não significa evitar conflitos ou suavizar conversas difíceis, mas sim criar uma cultura em que o debate seja aberto e respeitoso.

Marília Tosetto - Diretora de Talent Management na Blip

4 minutos min de leitura
Inovação & estratégia, Marketing & growth
17 de outubro de 2025
No Brasil, quem não regionaliza a inovação está falando com o país certo na língua errada - e perdendo mercado para quem entende o jogo das parcerias.

Rafael Silva - Head de Parcerias e Alianças na Lecom

3 minutos min de leitura
Bem-estar & saúde, Tecnologia & inteligencia artificial
16 de outubro de 2025
A saúde corporativa está em colapso silencioso - e quem não usar dados para antecipar vai continuar apagando incêndios.

Murilo Wadt - Cofundador e diretor geral da HealthBit

3 minutos min de leitura
Bem-estar & saúde
15 de outubro de 2025
Cuidar da saúde mental virou pauta urgente - nas empresas, nas escolas, nas nossas casas. Em um mundo acelerado e hiperexposto, desacelerar virou ato de coragem.

Viviane Mansi - Conselheira de empresas, mentora e professora

3 minutos min de leitura

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #169

TECNOLOGIAS MADE IN BRASIL

Não perdemos todos os bondes; saiba onde, como e por que temos grandes oportunidades de sucesso (se soubermos gerenciar)

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #169

TECNOLOGIAS MADE IN BRASIL

Não perdemos todos os bondes; saiba onde, como e por que temos grandes oportunidades de sucesso (se soubermos gerenciar)