Uncategorized

O aprendizado como prática do negócio

Segundo a especialista Ângela Fleury, cinco forças impulsionam a necessidade de os gestores aprenderem de modo permanente, e cabe ao provedor de educação executiva criar e gerenciar uma arquitetura que responda a cada uma delas, atuando como parceiro da empresa
Angela Fleury é diretora de educação executiva da hsm.

Compartilhar:

> Como posso construir aqui na minha empresa uma fábrica de excelentes executivos? Preciso urgentemente dessa transformação  para meu negócio poder crescer” 
>
> -CEO brasileiro 

Essa pergunta nos é feita rotineiramente por CEOs e líderes de recursos humanos e resume bem o desafio da educação executiva de hoje: para muitas empresas, o que é ensinado parece ser sempre insuficiente. Como respondemos a essa pergunta? Eu particularmente gosto de contar uma história: a das “corporações de ofício”, guildas ou associações que começaram a surgir no século 12 para regulamentar a produção (então artesanal) das cidades europeias que possuíam mais de 10 mil habitantes. Elas nos chamam a atenção por dois fatores: 1. Quem executava uma tarefa conhecia bem o produto, o mercado, o cliente e os fornecedores, ou seja, todo indivíduo dominava a equação inteira de tarefa-processo-resultado. 2. O negócio se perpetuava porque o aprendizado do ofício era diário e permanente; o pai ensinava e o filho aprendia, e vice-versa, de modo experiencial, direto e profundo, abrangendo tanto os pontos-chave da atividade como seus detalhes. 

Depois vieram a Revolução Industrial e, mais tarde, a gestão por funções e, embora tenham ampliado muitas vezes a escala de produção, tiraram do indivíduo a visão sistêmica que o profissional da corporação de ofício possuía na Idade Média. 

A busca da excelência de pessoas e processos, com programas de treinamento e desenvolvimento, contribuiu parcialmente para reduzir essa alienação, nas décadas de 1950 e 1960, entregando conteúdos necessários mediante a crença de que isso traria o resultado esperado. Mas a ilusão existente naqueles “anos dourados” de que racionalidade, linearidade e simplicidade eram possíveis nas empresas hoje morreu e já foi enterrada. 

Ocorre que a demanda continuou a crescer e com ela veio o caos. Organizações de todos os tamanhos foram varridas do mapa e as que sobraram criaram os ambientes malucos que vemos hoje, com exigências de curtíssimo prazo e com “mudança” como palavra de ordem absoluta. Roland Deiser deixa o caos evidente em seu livro Organizações Inteligentes, quando aponta as cinco forças que obrigam as empresas de hoje ao aprendizado diário e permanente:

**1.  Mudança radical do mundo dos negócios.**

**2. Organização baseada em conhecimento.**

**3.  Estratégia baseada em competências.**

**4.  Maior relevância da periferia organizacional.**

**5. Transformação das organizações hierárquicas autossuficientes em redes globais e horizontais apoiadas na criação colaborativa.**

A única maneira de lidar com isso é ter mais gestores similares aos trabalhadores das corporações de ofício medievais no que diz respeito ao aprendizado diário e permanente, que alimenta a visão sistêmica do negócio e permite a adaptação constante ao contexto. (Note que falamos em aprendizado, e não em ensino, como o dos programas de treinamento e desenvolvimento da década de 1950.) 

E eis que surge uma primeira resposta para a inquietação da maioria dos CEOs e líderes de RH atuais. Como a educação executiva pode retomar esse espírito de aprendizado? E qual o papel dos provedores de educação executiva, como escolas de negócios e universidades corporativas?

> **ESCOLAS PARCEIRAS**
>
> As instituições provedoras de educação executiva precisam tornar-se parceiras solidárias das empresas em seus processos de aprender e também nos de gerar resultados, reinventar-se, evoluir

> **APRENDER O QUÊ?  PARA QUÊ?**
>
> _Os grandes desafios das empresas atuais só podem ser enfrentados satisfatoriamente se o aprendizado receber, na empresa, a mesma ênfase que a área de marketing ou logística. O aprendizado deve ser visto como prática de negócio, como parte do DNA empresarial, e mudar a percepção em relação a ele pode ser um desafio particular no Brasil, onde muitos executivos ainda parecem ver a educação continuada como um modismo_
>
> **1º desafio (vem do passado).** ter qualidade e inovação (incremental ou radical)continuam a desafiar as empresas e condicionar sua sobrevivência; dependem majoritariamente do aprendizado dos gestores individualmente e em conjunto. Para o provedor de educação executiva, o desafio está em adaptar conteúdos, processos e habilidades do tema para que sejam aplicáveis à realidade de cada empresa. Isso faz com que as atividades de educação corporativa devam ter o mesmo patamar estratégico das atividades de finanças, marketing e logística.
>
> **2º desafio (vem do presente).** Os desafios atuais e urgentes das empresas consistem em dar respostas ao mundo novo que se configura, dinamizando suas estratégias, agarrando as oportunidades que a globalização oferece com a interdependência econômica cada vez maior dos países. Isso requer um aprendizado que desenvolva a capacidade de fazer conexões ágeis e em tempo real nos gestores, para que reajam com agilidade e tenham resiliência em meio ao caos. O desafio do provedor de educação executiva é construir esse aprendizado de maneira contínua e em ambientes de incertezas e ambiguidade. 
>
> **3º desafio (vem do futuro).** lidar com estruturas complexas de pensamento, para construir, coletivamente, um mundo novo, é o desafio reservado às empresas de amanhã. Grupos se empenharão em criar um algoritmo que mude toda a história da humanidade; comunidades imaginarão, no limite do impossível, algo como um LED azul, o GPS cerebral, o microscópio com visão nano. Isso, dentro de um caos de variedades de sons, de tons, de imagens, de números, de ideias…. O desafio do provedor de educação executiva, nesse caso, não é exatamente o de ensinar o que ainda está por ser criado e as competências ainda não definidas, mas o de mobilizar uma espécie de estrutura que viabilize o repensar dos negócios, das artes, dos produtos, da conectividade entre os povos, da economia, da qualidade de vida, das ciências –enfim, de tudo o que a imaginação alcance.

> **E APRENDER  COMO?**
>
> _Segundo as pesquisas mais recentes, a forma de aprendizado híbrida e personalizada é a tendência dominante. Nela se destacam os ambientes colaborativos e as aulas online (inclusive em dispositivos móveis) e os encontros presenciais posicionam-se  como oportunidades de socialização e de desenvolvimento socioemocional. Também predominam o uso de mídias sociais, de realidade aumentada, de ferramentas analíticas, de bancos de dados e os conteúdos abertos_
>
> **Personalização do ensino.** Os alunos da educação executiva, chamados de participantes, são seus cocriadores, convidados a modelar seu aprendizado com ou sem o apoio de um tutor pessoal (o que se vem chamando de “curador de percursos de aprendizagem”). esses participantes:
>
> •  definem o tempo e a dedicação diária/semanal em que integralizarão o estudo de um tema/problema/oportunidade; 
>
> •  escolhem a metodologia mais adequada a seu perfil ou ao assunto, seja o PBL (sigla em inglês de aprendizado baseado em problema), o work based learning (aprendizado baseado no trabalho), o action learning (aprendizado em que primeiro se age e depois se reflete sobre a ação) etc.
>
> **Uso de tecnologias.** três tipos de tecnologias contribuem para o aprendizado:
>
> **• Informativas (“um para muitos”):** um professor se dirige a muitos participantes, selecionando e disponibilizando conteúdos e atividades. O foco é no repertório. Há monitoramento sistêmico das realizações e conquistas individuais, e as avaliações envolvem questões operacionais e mensuráveis.
>
> **• Interativas (“um para um”):** os participantes constituem comunidades e interagem uns com os outros em chats, fóruns, redes sociais. Inclui o formato informativo com vistas a garantir a qualidade dos conteúdos e atividades. O foco é nos relacionamentos e na proatividade. Prevê monitoramento de atitudes (capturando características comportamentais individuais, como persistência, resiliência, disciplina, interesses, criatividade individual etc.) e baseia-se na autoavaliação.
>
> **• Colaborativas (“muitos para muitos”):** participantes ambiciosos em relação ao próprio desenvolvimento e, ao mesmo tempo, generosos e confiantes a ponto de contribuir para o crescimento de outros criam um grupo usando a criatividade coletiva disponível em qualquer lugar do mundo e acessando qualquer recurso de conhecimento e criação que os leve a aprender a resolver seus desafios. As avaliações são processos de autorreconhecimento e de apreciação de produtos finais, estando sempre no controle do próprio grupo.

**RETOMADA**

De maneira simplificada, podemos dizer que a educação executiva precisa enfrentar as cinco forças descritas por Deiser. Vejamos como:

**1. Mudança radical do mundo dos negócios.** A mudança envolve: aceleração tecnológica, em especial a digital; globalização e a consequente interculturalidade; os evidentes desafios ecológicos; o encurtamento dos ciclos das crises financeiras; a descontinuidade dos padrões conhecidos de comportamento do mercado surpreendendo e impactando todos os setores. 

É tanta coisa mudando que as únicas respostas possíveis são a reinvenção constante da empresa e a redefinição de paradigmas de negócios que reconfigure mercados. O modo de fazer isso hoje parece ser construir parcerias que deem à empresas conhecimentos complementares aos seus –em processos, produtos, serviços, formas de relacionamento com clientes, sociedade, governo etc. À educação executiva cabe, portanto, fazer com que as pessoas e as empresas aprendam juntas para que possam reinventar-se e redefinir paradigmas.

**2. Organização baseada em conhecimento.** A ascensão do conhecimento como recurso estratégico essencial leva as empresas a uma série de indagações: “Qual é nosso conhecimento-chave?”, “O que precisamos aprender imediatamente sobre o mercado?”, “Que competências nossos executivos têm de desenvolver para entregar a proposta de valor prometida?”, “Quais são os mecanismos e políticas apropriados para aquisição, agregação e uso desse conhecimento relevante?”, “Como fazer a gestão eficaz desse conhecimento?”, “Como produzir esse conhecimento?”. 

Responder a essas questões, dando significado ao conhecimento da organização e tornando-o útil, exige enorme esforço de aprendizado, que o provedor de educação executiva deve ser capaz de orquestrar. Vale observar que esse aprendizado envolve pessoas de múltiplas áreas, expertises e competências e, assim, exige um ambiente de menor cultivo a egos e maior foco em ideias criadas coletivamente. 

 Gerar tal ambiente –que requer mudança de atitudes, tolerância a erros honestos e resiliência– também é missão do provedor de educação executiva.

**3. Estratégia baseada em competências.** As competências essenciais descritas por C.K. Prahalad e Gary Hamel constituem uma das principais fontes da vantagem estratégica das organizações. Compreender, desenvolver e promover essas competências é algo que requer: 

a) um aprendizado organizacional complexo; 

b) um design inteligente de estruturas e mecanismos que lhe ofereça suporte; 

c) conteúdos que abordem, em uma perspectiva estratégica, as dinâmicas de mercado, as habilidades fundamentais da empresa e as oportunidades de negócios. 

Acrescente-se que há competências complexas, porque fluidas, adaptativas, imaginativas, que incluem múltiplos olhares sobre a realidade e múltiplas possibilidades de solução para os desafios. Assim, para que empresas e pessoas aprendam as competências essenciais, devem ser criados mecanismos internos que possibilitem conexões, especialmente nas interfaces entre áreas funcionais e processos. O que faz o provedor de educação executiva para desenvolver essas competências? 

Primeiro, é necessário que identifique, constantemente, as competências dos colaboradores e suas lacunas de conhecimentos técnicos, gerenciais ou conceituais, em face dos resultados empresariais desejados. É o que permitirá ver as oportunidades emergentes de aprender, testar e praticar novos conhecimentos, habilidades, atitudes –e de desaprender também o que não mais é adequado à entrega da proposta de valor. Em segundo lugar, a educação executiva deve apoiar a organização na construção de contextos capacitantes, como são chamados os mecanismos institucionalizados para que as pessoas possam ter e discutir ideias malucas, fomentando o necessário caos criativo. 

**4. Maior relevância da periferia organizacional.** Dar voz a essa periferia, composta de stakeholders diversos, é um imenso desafio de aprendizado para o gestores, porque demanda um redesenho de seus mapas cognitivos. Para a periferia poder ser empoderada, os líderes devem tornar-se referência da identidade, guardiães dos valores e inspiração dos compromissos estratégicos da organização, o que requer formá-los para ter uma satisfatória interlocução com os mais distintos stakeholders. A educação executiva entra nessa seara estruturando experiências diferentes para esses gestores, como visitas técnicas, estágios em organizações não governamentais (ONGs), trabalho voluntário em órgãos de governo e tudo o mais que contribua para ampliar o nível de entendimento dos repertórios dos variados atores sociais. Isso aproximará valores e facilitará a colaboração e a construção de bons resultados pelo duo empresa-sociedade.

**5. Transformação das organizações hierárquicas autossuficientes em redes globais e horizontais apoiadas na criação colaborativa.** O relacionamento entre participantes dessas redes precisará de coordenação horizontal, liderança distribuída e sólida arquitetura colaborativa do tipo ganha-ganha. Isso requer abrir mão de controles e enfatizar o desenvolvimento de competências sociais e políticas, o que gera mais um grande esforço de aprendizado. Um dos aprendizados-chave é o de novos modelos de negociação, nos quais transparência e empatia são os ingredientes principais.

**UM NOVO PAPEL**

O desafio da educação executiva não é mais de conteúdo; é de metodologia. As cinco forças que impulsionam o aprendizado dos gestores desafiam as escolas de negócios a se abrir para as novas metodologias de aprendizado e incorporar um novo papel. As escolas precisam tornar-se parceiras solidárias das empresas em seus processos de aprender –e também nos de gerar resultados, de reinventar-se, de evoluir. Podem oferecer às empresas soluções educacionais que promovam aprendizados múltiplos, com uma arquitetura inteligente que faça a conexão entre as pessoas certas, em ambientes que favoreçam essa conexão e com uma infraestrutura física e tecnológica que sustente ambientes assim. 

Para educadores, como eu, é magnífico viver neste tempo em que a educação, em especial o aprendizado, pode oferecer tantas e tão múltiplas oportunidades para as pessoas, o que é prenúncio de uma era de sabedoria para a humanidade. Falando especificamente em educação executiva, os provedores têm tudo para realizar o sonho mais recorrente dos CEOs e diretores de RH: criar uma fábrica de executivos excelentes, capacitados a levar as empresas a crescer –mesmo em cenários turbulentos.

Compartilhar:

Artigos relacionados

O que move as mulheres da Geração Z a empreender?

A Geração Z está redefinindo o que significa trabalhar e empreender. Por isso é importante refletir sobre como propósito, impacto social e autonomia estão moldando novas trajetórias profissionais – e por que entender esse movimento é essencial para quem quer acompanhar o futuro do trabalho.

O fim dos chatbots? O próximo passo no futuro conversacional 

O futuro chegou – e está sendo conversado. Como a conversa, uma das tecnologias mais antigas da humanidade, está se reinventando como interface inteligente, inclusiva e estratégica. Enquanto algumas marcas ainda decidem se vão aderir, os consumidores já estão falando. Literalmente.

Como o fetiche geracional domina a agenda dos relatórios de tendência

Relatórios de tendências ajudam, mas não explicam tudo. Por exemplo, quando o assunto é comportamento jovem, não dá pra confiar só em categorias genéricas – como “Geração Z”. Por isso, vale refletir sobre como o fetiche geracional pode distorcer decisões estratégicas – e por que entender contextos reais é o que realmente gera valor.

Processo seletivo é a porta de entrada da inclusão

Ainda estamos contratando pessoas com deficiência da mesma forma que há décadas – e isso precisa mudar. Inclusão começa no processo seletivo, e ignorar essa etapa é excluir talentos. Ações afirmativas e comunicação acessível podem transformar sua empresa em um espaço realmente inclusivo.

User Experience, UX
Na era da indústria 5.0, priorizar as necessidades das pessoas aos objetivos do negócio ganha ainda mais relevância

GEP Worldwide - Manoella Oliveira

9 min de leitura
Tecnologia e inovação, Empreendedorismo
Esse fio tem a ver com a combinação de ciências e humanidades, que aumenta nossa capacidade de compreender o mundo e de resolver os grandes desafios que ele nos impõe

CESAR - Eduardo Peixoto

6 min de leitura
Inovação
Cinco etapas, passo a passo, ajudam você a conseguir o capital para levar seu sonho adiante

Eline Casasola

4 min de leitura
Transformação Digital, Inteligência artificial e gestão
Foco no resultado na era da IA: agilidade como alavanca para a estratégia do negócio acelerada pelo uso da inteligência artificial.

Rafael Ferrari

12 min de leitura
Negociação
Em tempos de transformação acelerada, onde cenários mudam mais rápido do que as estratégias conseguem acompanhar, a negociação se tornou muito mais do que uma habilidade tática. Negociar, hoje, é um ato de consciência.

Angelina Bejgrowicz

6 min de leitura
Inclusão
Imagine estar ao lado de fora de uma casa com dezenas de portas, mas todas trancadas. Você tem as chaves certas — seu talento, sua formação, sua vontade de crescer — mas do outro lado, ninguém gira a maçaneta. É assim que muitas pessoas com deficiência se sentem ao tentar acessar o mercado de trabalho.

Carolina Ignarra

4 min de leitura
Saúde Mental
Desenvolver lideranças e ter ferramentas de suporte são dois dos melhores para caminhos para as empresas lidarem com o desafio que, agora, é também uma obrigação legal

Natalia Ubilla

4 min min de leitura
Carreira, Cultura organizacional, Gestão de pessoas
Cris Sabbag, COO da Talento Sênior, e Marcos Inocêncio, então vice-presidente da epharma, discutem o modelo de contratação “talent as a service”, que permite às empresas aproveitar as habilidades de gestores experientes

Coluna Talento Sênior

4 min de leitura
Uncategorized, Inteligência Artificial

Coluna GEP

5 min de leitura
Cobertura de evento
Cobertura HSM Management do “evento de eventos” mostra como o tempo de conexão pode ser mais bem investido para alavancar o aprendizado

Redação HSM Management

2 min de leitura