Em 1907, a humanidade vivia a efervescência da Segunda Revolução Industrial. O mundo urbano se iluminava com eletricidade, os automóveis começavam a dominar as ruas, e novos materiais químicos alimentavam a crença de que o progresso não teria limites. No Brasil, o Rio de Janeiro ainda era a capital em transformação sob Pereira Passos, num contexto em que modernidade significava avanço inevitável.
Foi nesse cenário que o químico belga Leo Baekeland apresentou ao mundo a baquelite, o primeiro plástico totalmente sintético. Sua intenção era pragmática: substituir a cara e limitada goma-laca usada como isolante elétrico. Mas, ao reagir fenol e formaldeído sob aquecimento, inaugurou algo muito maior do que esperava – um material duro, resistente ao calor e à eletricidade, mas moldável no início do processo. A baquelite marcou o início da era dos plásticos e se tornou rapidamente símbolo de modernidade.
Antes disso, os plásticos eram adaptações de materiais naturais. O celuloide, em 1860, feito de celulose, já tinha aplicações práticas, mas não resolvia a equação da durabilidade e do custo. A invenção de Baekeland abriu a porta para o que o sociólogo Ulrich Beck chamaria mais tarde de sociedade de risco: o avanço científico resolve problemas imediatos, mas cria novos dilemas globais a longo prazo.
A partir da década de 1950, os plásticos invadiram todos os espaços da vida cotidiana. De sacolas de supermercado a peças industriais, de brinquedos a garrafas PET, o mundo parecia ter finalmente encontrado um material “eterno”, capaz de democratizar consumo e acessibilidade.
Mas é justamente nesse ponto que nasce o paradoxo. O que antes era visto como revolução se tornaria um dos maiores desafios ambientais da história contemporânea.
O paradoxo da eternidade
A durabilidade, que parecia virtude absoluta, se converteu em ameaça. Estudos apontam que uma sacola plástica pode persistir mais de 400 anos no ambiente. Fragmentada, não desaparece: se transforma em microplásticos, partículas invisíveis que já foram detectadas em oceanos, alimentos, água potável, no sal de cozinha, no ar que respiramos e até no corpo humano.
Essa onipresença confirma o que Hannah Arendt já sinalizava sobre as consequências imprevisíveis da ação humana: a técnica, quando descolada de reflexão ética, pode transformar soluções em novos problemas.
Hoje, não basta esperar por inovações tecnológicas. Precisamos repensar modelos econômicos, regulatórios e culturais. O debate passa por três dimensões fundamentais:
- Regulação rigorosa: estabelecer limites claros para o uso de descartáveis e exigir metas de redução de produção.
- Negócios de impacto e inovação: apoiar startups e empresas que trabalham com materiais biodegradáveis, logística reversa e novos padrões de consumo.
- Economia circular real: como defende Ellen MacArthur, é preciso garantir que o plástico já produzido retorne ao ciclo produtivo, evitando o colapso dos ecossistemas.
- Redução da dependência fóssil: repensar o uso do petróleo como base da produção plástica, reconhecendo que cada novo polímero é também combustível para perpetuar a indústria fóssil.
O plástico transformou radicalmente a sociedade: da medicina ao transporte, da conservação de alimentos à comunicação. Não é possível simplesmente eliminá-lo da equação contemporânea. Mas é urgente reaprender a viver sem o excesso.
Leo Baekeland, em 1907, talvez tenha se sentido herói da modernidade. Mais de um século depois, nós carregamos o peso de sua invenção e precisamos responder a uma pergunta desconfortável:
Seremos lembrados como a geração que deixou o planeta afundar em plástico – ou como aquela que teve coragem de reinventar sua relação com ele?