Uncategorized

O que aprendemos com a gestão de crise da Samarco

Não estar preparada para cisnes negros, ter a arrogância do controle, não transmitir arrependimento e humildade na comunicação e a indecisão do CEO podem ter sido os principais erros da empresa, que custarão caro a sua reputação
é consultor em projetos de construção de imagem, credibilidade e reputação e professor de gestão de crise no MBA em gestão da comunicação empresarial da Aberje. Tem 30 anos de experiência em crises corporativas.

Compartilhar:

É inevitável discutir a maior tragédia ambiental e social causada por uma empresa no País: o caso da Samarco e o estouro de sua barragem na região de Mariana, Minas Gerais, em 2015, que matou 18 pessoas e deixou um rastro de lama inesquecível sobre sua reputação, embora comentar crises em que não estive envolvido diretamente seja algo que reluto em fazer. 

De acordo com o Relatório de Sustentabilidade da Samarco de 2014, a empresa tomava as medidas preventivas corretas: promoveu mais de 30 seminários de avaliação de riscos, mapeando 24 riscos considerados materiais e 48 não materiais, para os quais foram enumeradas mais de 500 iniciativas para tratamento. 

Na esteira disso, implantou um sistema de prevenção e gestão de crise e realizou exercícios de simulação para examinar sua capacidade de resposta em situações de emergência. Então, como explicar o fato de ser pega de surpresa? Há duas hipóteses: ou estava só parcialmente preparada (não para “o pior”), ou superestimou sua capacidade – ou ambas as coisas. 

No primeiro caso, é preciso entender que eventos imprevisíveis e impactantes, como o rompimento da barragem, acontecem dentro da lógica do cisne negro ensinada por Nassim Taleb e precisam ser levados em consideração em quaisquer programas de prevenção e gestão de crise de imagem. Os cisnes negros aparentemente não estavam nesses planos da Samarco. 

O segundo caso é o de excesso de confiança da empresa, aquele tipo de postura que faz a organização se sentir no pedestal da glória e incapaz de considerar o inesperado.  A declaração do então presidente da Samarco após a tragédia é reveladora: “A barragem de Fundão era operada por especialistas, monitorada pelo estado da arte de instrumentação em barragem. Ela era visitada por técnicos do mundo todo, que vinham somente para olhar o que estávamos fazendo aqui. A governança dos nossos sistemas é tida como exemplar”. 

A comparação que faço com essa postura é a do pugilista peso-pesado que se movimenta no ringue como se não houvesse adversário, com a sensação de ser inatingível. De repente, toma um soco arrasador na ponta do queixo que o deixa atordoado, sem conseguir acreditar no que está acontecendo. 

Só devo dizer que esse comportamento não é exclusividade da Samarco ou de seus gestores: ele se observa com frequência em várias organizações. É inegável que a Samarco está fazendo um grande esforço de comunicação, com imprensa, mídias sociais e até publicidade em horário nobre no Jornal Nacional, mas tenho dúvidas se isso está gerando alguma percepção positiva. Por quê? Não me parece que a comunicação passa tristeza, arrependimento e humildade, apesar de o acidente ter causado um estrago monumental. 

Salvo engano, a Samarco o tempo todo ressaltou a segurança de sua barragem, o que é correto, mas se esqueceu de enfatizar que aproveitaria a tragédia para melhorar seus sistemas. Mesmo um dos pontos altos do esforço de gestão de crise – a comovida coletiva de imprensa de Andrew Mackenzie, CEO da acionista BHP, em Minas Gerais – foi minimizado por esse esquecimento. Suas palavras pareceram sinceras: “A devastação que testemunhamos no local e na comunidade nesta manhã nos deixou inconsoláveis. 

Nossos pensamentos e orações estão com todos os envolvidos neste período incerto e angustiante”. Mas ele não fez menção alguma a um esforço da BHP para aperfeiçoar processos ou, eventualmente, admitir e corrigir falhas. A Samarco também errou ao desperdiçar as oportunidades que surgiram, como a entrevista do presidente à revista Época Negócios. Ao ser indagado sobre como lidava com a situação, a resposta foi:  “Quando eu recebi a notícia, gelei…”. 

Não passou a mensagem de que, mesmo em um episódio inesperado, estava preparado para reagir com a firmeza e a determinação que se esperam de um CEO em situações críticas. A tragédia de Mariana foi, ainda, o primeiro grande desastre ambiental no Brasil sob o reino das mídias sociais (o primeiro globalmente foi o acidente da BP no Golfo do México, em 2010).  A empresa incluiu mídias sociais em sua estratégia, explorando principalmente o Facebook com um vídeo do presidente falando sobre o acidente, o que foi correto estrategicamente. O erro, nesse caso, foi o conteúdo: o vídeo não sensibilizou, não gerou empatia. 

Resultado: o porta-voz e a marca ficaram banalizados. O vídeo criou oportunidades para críticas que parodiavam a fala do presidente no Facebook. Pareceu que a preocupação da empresa era com curtidas e compartilhamentos, não com o teor da mensagem, quando, nesses casos, o fundamental são as mensagens capazes de gerar empatia. 

> Perguntas-chave de um gestor de crise
>
> • Qual a percepção geral sobre nossa estratégia de resposta? 
>
> • Qual a aderência entre percepção e realidade? 
>
> • Esta é mesmo a melhor estratégia? 
>
> • A mensagem está correta? 
>
> • O meio de entregá-la é o mais adequado? 
>
> • O porta-voz é adequado? 
>
> • Como isso vai impactar cada um dos stakeholders e qual a provável reação deles?
>
> • Qual o efeito sobre a opinião pública?

É particularmente difícil criar uma percepção positiva no caso da Samarco, porque a sensação de impunidade é grande, pelo fato de não ter havido, até onde sei, operação da Polícia Federal contra a empresa. Mas ela tornou tudo mais difícil ao, por exemplo, mostrar-se reticente para pagar as indenizações. Questiono-me até se fez as perguntas-chave em relação a suas ações. 

Muitos gestores nessas condições reclamam que ficam de mãos amarradas pelo departamento jurídico, que os impede de assumirem a culpa, mas sou testemunha de uma grande evolução da visão jurídica em relação à gestão de crise nos últimos anos. Além disso, se os advogados se sobrepõem à área de relações públicas em um comitê de crise, imobilizando gestores e resultando em ações que afetam a imagem da organização, isso é culpa da liderança da empresa e não do departamento jurídico. Cabe ao CEO ouvir, avaliar e decidir conforme seu discernimento ou valores da companhia. Em 2008, a canadense The Maple Leaf Foods foi responsável por um surto de listeriose que matou 23 pessoas, incluindo idosos e crianças, que tinham consumido frios produzidos em uma fábrica de Toronto onde a falta de sanitização adequada provocou a proliferação de bactérias. 

Mesmo sujeito a pesadas condenações em tribunais, o CEO Michael McCain, que até hoje comanda a empresa, tomou a iniciativa de pedir desculpas publicamente. E, em uma coletiva de imprensa, chegou a dizer:  “As últimas pessoas que eu estou ouvindo são advogados e contadores”.  Voluntariamente a organização fechou a fábrica e fez o recall de 191 produtos, embora houvesse apenas um contaminado. A Maple Leaf optou pela “coisa certa a fazer”, como disse seu CEO na época, mesmo sob críticas aos custos envolvidos. Não foram maiores do que a crise no Golfo do México custou à imagem da BP:  US$ 18 bilhões. Quanto custará Mariana à Samarco?

Compartilhar:

Artigos relacionados

Homo confusus no trabalho: Liderança, negociação e comunicação em tempos de incerteza

Em um mundo sem mapas claros, o profissional do século 21 não precisa ter todas as respostas – mas sim coragem para sustentar as perguntas certas.
Neste artigo, exploramos o surgimento do homo confusus, o novo ser humano do trabalho, e como habilidades como liderança, negociação e comunicação intercultural se tornam condições de sobrevivência em tempos de ambiguidade, sobrecarga informacional e transformações profundas nas relações profissionais.

Inovação & estratégia
24 de outubro de 2025
Grandes ideias não falham por falta de potencial - falham por falta de método. Inovar é transformar o acaso em oportunidade com observação, ação e escala.

Priscila Alcântara e Diego Souza

6 minutos min de leitura
Cultura organizacional, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
23 de outubro de 2025
Alta performance não nasce do excesso - nasce do equilíbrio entre metas desafiadoras e respeito à saúde de quem entrega os resultados.

Rennan Vilar - Diretor de Pessoas e Cultura do Grupo TODOS Internacional.

4 minutos min de leitura
Uncategorized
22 de outubro de 2025
No setor de telecom, crescer sozinho tem limite - o futuro está nas parcerias que respeitam o legado e ampliam o potencial dos empreendedores locais.

Ana Flavia Martins - Diretora executiva de franquias da Algar

4 minutos min de leitura
Marketing & growth
21 de outubro de 2025
O maior risco do seu negócio pode estar no preço que você mesmo definiu. E copiar o preço do concorrente pode ser o atalho mais rápido para o prejuízo.

Alexandre Costa - Fundador do grupo Attitude Pricing (Comunidade Brasileira de Profissionais de Pricing)

5 minutos min de leitura
Bem-estar & saúde
20 de outubro de 2025
Nenhuma equipe se torna de alta performance sem segurança psicológica. Por isso, estabelecer segurança psicológica não significa evitar conflitos ou suavizar conversas difíceis, mas sim criar uma cultura em que o debate seja aberto e respeitoso.

Marília Tosetto - Diretora de Talent Management na Blip

4 minutos min de leitura
Inovação & estratégia, Marketing & growth
17 de outubro de 2025
No Brasil, quem não regionaliza a inovação está falando com o país certo na língua errada - e perdendo mercado para quem entende o jogo das parcerias.

Rafael Silva - Head de Parcerias e Alianças na Lecom

3 minutos min de leitura
Bem-estar & saúde, Tecnologia & inteligencia artificial
16 de outubro de 2025
A saúde corporativa está em colapso silencioso - e quem não usar dados para antecipar vai continuar apagando incêndios.

Murilo Wadt - Cofundador e diretor geral da HealthBit

3 minutos min de leitura
Bem-estar & saúde
15 de outubro de 2025
Cuidar da saúde mental virou pauta urgente - nas empresas, nas escolas, nas nossas casas. Em um mundo acelerado e hiperexposto, desacelerar virou ato de coragem.

Viviane Mansi - Conselheira de empresas, mentora e professora

3 minutos min de leitura
Marketing & growth
14 de outubro de 2025
Se 90% da decisão de compra acontece antes do primeiro contato, por que seu time ainda espera o cliente bater na porta?

Mari Genovez - CEO da Matchez

3 minutos min de leitura
ESG
13 de outubro de 2025
ESG não é tendência nem filantropia - é estratégia de negócios. E quando o impacto social é parte da cultura, empresas crescem junto com a sociedade.

Ana Fontes - Empreendeedora social, fundadora da Rede Mulher Empreendedora (RME) e do Instituto RME

3 minutos min de leitura

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #169

TECNOLOGIAS MADE IN BRASIL

Não perdemos todos os bondes; saiba onde, como e por que temos grandes oportunidades de sucesso (se soubermos gerenciar)

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #169

TECNOLOGIAS MADE IN BRASIL

Não perdemos todos os bondes; saiba onde, como e por que temos grandes oportunidades de sucesso (se soubermos gerenciar)