Liderança

Ouvir a voz interior é fundamental

Primeira mulher a presidir a Adidas Brasil e a Operação LATAM, Flávia Bittencourt agregou a intuição as suas diversas ferramentas de gestão de pessoas; ela vê a partilha de resultados como vetor de engajamento

Compartilhar:

Ela construiu um ponto de equilíbrio entre sua vida profissional e a pessoal. Corre todas as manhãs e pratica outras atividades físicas em busca de boa saúde. E procura se manter presente nos momentos que desfruta com a família. Essa escolha também pauta o dia a dia com seus colaboradores, os quais evita acionar fora do horário de trabalho. Primeira mulher e primeira brasileira a assumir a presidência da Adidas no Brasil, a engenheira química Flávia Bittencourt também é a primeira executiva nascida na região a comandar a operação da empresa na América Latina – um marco dos avanços dessa companhia com 72 anos de mercado na consolidação de maior diversidade nos seus quadros – e carrega como modo de vida dar 100% em tudo o que faz.

Nesta conversa com a diretora sênior de RH Silene Rodrigues, a CEO da Adidas fala sobre liderança, engajamento e dos desafios para o futuro. Enxergando liderança como legado pessoal, ela trabalha focada no que é relevante para o negócio, mas também no que importa para as pessoas. E conta a Silene como aprendeu a ouvir e respeitar a própria intuição.

__SILENE RODRIGUES – Existe um jeito certo e um jeito errado de liderar?__
__FLÁVIA BITTENCOURT__ – Acredito que o jeito certo de liderar depende do estágio em que o negócio está e, também, do estilo dos liderados. Mas eu penso liderança como o legado que eu quero deixar e, para isso, me preocupo com dois fatores: o que é relevante para o negócio e o que é importante para as pessoas. É fundamental construir confiança e credibilidade – com todos: acionistas, colaboradores e consumidores. E a gente faz isso através de “quick wins”, aquelas pequenas e rápidas vitórias que encantam os envolvidos e sustentam a crença de que alcançaremos os resultados esperados, sejam eles de negócio ou de carreira. A gestão ágil, na qual testamos e aprendemos rapidamente, ajuda.

__Como as prioridades estratégicas da organização são, idealmente, capturadas pela área de RH?__
A área de RH tem de assegurar que temos as pessoas certas nos lugares certos e no momento necessário. Não dá para fazer isso sem ter um excelente conhecimento do negócio e um entendimento da visão organizacional. Eu conto com o RH para liderar essa frente.

A discussão sobre isso tem que ser recorrente. Estamos vivendo uma pandemia agora, como você sabe. Quando pensamos em “Direct to Consumer”, falamos em vendas em lojas físicas e em vendas online. Parece que são coisas similares, mas não é bem assim. As habilidades para liderar e executar vendas no canal físico e no digital são completamente diferentes – difícil um único head fazer a gestão de ambos.

Melhor rever o desenho organizacional e criar áreas distintas, definindo quantas pessoas são necessárias para cada canal com base em volume de negócios ou outra medida. Depois precisa entender as competências requeridas e se já estão instaladas. A estratégia será trazer pessoal do mercado ou desenvolver quem já está conosco? O RH lidera isso.

__Como nossa empresa vê diversidade e inclusão?__
O tema é tão relevante para a Adidas, globalmente inclusive, que deixamos de chamar de D&I para chamar de DEI – Diversity, Equity and Inclusion. Isso porque vai além das métricas de diversidade e da mudança de mentalidade necessária para a inclusão, valorizamos a equidade, ou seja, a justiça na tomada de decisões. Diz respeito a oferecer aos colaboradores acesso e oportunidades baseados nas suas características e necessidades individuais.

O meu caso é um bom exemplo de como a empresa vem avançando no tema. Fui a primeira pessoa brasileira na posição de general manager da Adidas Brasil e a primeira mulher. Passados uns dois anos, tive a oportunidade de uma promoção para a posição de managing director da América Latina. É a primeira vez que uma pessoa latina assume esse papel e, em 72 anos de Adidas, a primeira mulher a dirigir uma região.

O comitê de DEI do Brasil tem feito um trabalho intenso, com uma declaração muito forte e legítima de que nossa organização apoia todo tipo de diversidade e não tolera qualquer tipo de discriminação, com campanhas e palestras. Sempre temos plateia cheia em nossos dias de reflexão, quando trazemos convidados que nos ensinam a lidar melhor com o tema. Queremos ter trabalhando conosco a representação da população brasileira, que é, talvez, uma das mais diversas do mundo, e estamos trabalhando muito para isso.

__Como distinguir a pessoa engajada e a desengajada? Há mesmo relação entre engajamento e sucesso?__
Na Adidas temos a “Pesquisa Global de Engajamento”, que nos dá uma visão do quanto as pessoas estão engajadas e quais as áreas de oportunidades que temos. Para mim, entretanto, o mais importante é o olho no olho, são as perguntas que os colaboradores fazem quando estamos em uma reunião, é a reação de cada um quando anunciamos uma nova estratégia. Para mim, o relacionamento é, sem dúvida, a melhor ferramenta para saber qual o nível de engajamento dos colaboradores e oferece uma métrica mais efetiva.

Por isso, no início da pandemia tive uma certa dificuldade de identificar se todos continuavam engajados, se continuavam conosco. Foi preciso algum tempo para que todos nos adaptássemos a um mundo totalmente virtual. Cumplicidade é fundamental para o sucesso de qualquer negócio; não há estratégia que resista sem a cumplicidade dos envolvidos.

__Que boas práticas devemos nutrir para engajar?__
Garantir que todos compartilhem da visão é, talvez, a coisa mais importante, e isso, claro, é uma bola dividida entre empresa e colaborador. A empresa tem que dar a direção, comunicar a estratégia, assegurar o foco, facilitar o entendimento de todos e redirecionar o caminho sempre que necessário. O colaborador tem que se interessar pela empresa, se identificar com o propósito dela, buscar saber das novidades. Numa empresa em que trabalhei, eu pedi demissão logo após o CEO anunciar a nova visão– não fazia sentido para mim.

__E nossa agenda ESG? Temos visto que empresas conscientes têm mais capacidade de inovar.__
A Adidas tem uma grande preocupação com o meio ambiente e, embora estejamos nesse jogo há muito tempo, continuamos aprendendo e melhorando nossos esforços de sustentabilidade – como, por exemplo, a substituição de matérias-primas e a redução de carbono. Respeitamos os direitos humanos e fazemos contribuições para que o mundo seja mais tolerante e inclusivo. Também fomentamos o voluntariado.

__E se inicia 2022: qual deve ser nosso maior desafio?__
Mais do que nunca, o consumidor tem que estar no centro de tudo que pensamos e fazemos. Isso significa que é esse consumidor que decide onde, como e quando vai comprar e como quer receber o produto. Ou seja, aprofundamos o digital. Do ponto de vista da gestão de talentos, parece que um grande desafio será o retorno ao escritório. Estamos trabalhando num plano de transição, planejando atividades que gerem nas pessoas a necessidade de retornar ao escritório. O trabalho remoto não vai desaparecer, mas o contato físico é muito benéfico para a cultura organizacional.

__Sobre o profissional do futuro, o que você pensa?__
Que, como o profissional do presente, tem que ser apaixonado pelo que faz. Fora isso, resiliência, curiosidade, habilidade de aprender com os erros são e serão características críticas para o sucesso – e também “não aceitar o não como resposta”. É preciso esgotar tudo antes de dizer “não é possível”.

__O que o RH deve parar de fazer, na sua visão?__
Deve parar de focar somente as políticas e procedimentos, porque isso o faz esquecer que o mundo está em constante transformação e que o que dava muito certo antes pode ser um fracasso agora ou no futuro. E acho importante parar de se conformar com a sensibilização quanto a diversidade e a inclusão; o RH precisa partir para a ação nessa área.

__Qual foi o maior erro que você cometeu na carreira e o que essa situação te trouxe de aprendizados?__
O maior erro que já cometi foi aceitar uma proposta de trabalho quando tudo indicava que não seria bacana. Não dei ouvidos ao meu instinto. Ouvir a voz interior é fundamental.

__Que tipo de aprendiz você é? __
Do tipo curiosa, faço muitas perguntas e me desafio.

__Qual é a sua definição de sucesso?__
É atingir o meu potencial máximo. Eu realmente não busco títulos e nem poder.

__FLÁVIA BITTENCOURT__
Corre todos os dias, faz academia, joga tênis. Atividade física é uma paixão sua.

__SILENE RODRIGUES__
Foi comparada ao Grilo Falante por sua CEO anterior, na Sephora do Brasil.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Bem-estar & saúde
4 de novembro de 2025

Tatiana Pimenta - Fundadora e CEO da Vittude

3 minutos min de leitura
Liderança
3 de novembro de 2025
Em um mundo cada vez mais automatizado, liderar com empatia, propósito e presença é o diferencial que transforma equipes, fortalece culturas e impulsiona resultados sustentáveis.

Carlos Alberto Matrone - Consultor de Projetos e Autor

7 minutos min de leitura
Tecnologia & inteligencia artificial
1º de novembro de 2025
Aqueles que ignoram os “Agentes de IA” podem descobrir em breve que não foram passivos demais, só despreparados demais.

Atila Persici Filho - COO da Bolder

8 minutos min de leitura
Tecnologia & inteligencia artificial
31 de outubro de 2025
Entenda como ataques silenciosos, como o ‘data poisoning’, podem comprometer sistemas de IA com apenas alguns dados contaminados - e por que a governança tecnológica precisa estar no centro das decisões de negócios.

Rodrigo Pereira - CEO da A3Data

6 minutos min de leitura
Inovação & estratégia, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
30 de ouutubro de 2025
Abandonando o papel de “caçador de bugs” e se tornando um “arquiteto de testes”: o teste como uma função estratégica que molda o futuro do software

Eric Araújo - QA Engineer do CESAR

7 minutos min de leitura
Liderança
29 de outubro de 2025
O futuro da liderança não está no controle, mas na coragem de se autoconhecer - porque liderar os outros começa por liderar a si mesmo.

José Ricardo Claro Miranda - Diretor de Operações da Paschoalotto

2 minutos min de leitura
Inovação & estratégia
28 de outubro 2025
A verdadeira virada digital não começa com tecnologia, mas com a coragem de abandonar velhos modelos mentais e repensar o papel das empresas como orquestradoras de ecossistemas.

Lilian Cruz - Fundadora da Zero Gravity Thinking

4 minutos min de leitura
Inovação & estratégia
27 de outubro de 2025
Programas corporativos de idiomas oferecem alto valor percebido com baixo custo real - uma estratégia inteligente que impulsiona engajamento, reduz turnover e acelera resultados.

Diogo Aguilar - Fundador e Diretor Executivo da Fluencypass

4 minutos min de leitura
Cultura organizacional, Inovação & estratégia
25 de outubro de 2025
Em empresas de capital intensivo, inovar exige mais do que orçamento - exige uma cultura que valorize a ambidestria e desafie o culto ao curto prazo.

Atila Persici Filho e Tabatha Fonseca

17 minutos min de leitura
Inovação & estratégia
24 de outubro de 2025
Grandes ideias não falham por falta de potencial - falham por falta de método. Inovar é transformar o acaso em oportunidade com observação, ação e escala.

Priscila Alcântara e Diego Souza

6 minutos min de leitura

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #169

TECNOLOGIAS MADE IN BRASIL

Não perdemos todos os bondes; saiba onde, como e por que temos grandes oportunidades de sucesso (se soubermos gerenciar)

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #169

TECNOLOGIAS MADE IN BRASIL

Não perdemos todos os bondes; saiba onde, como e por que temos grandes oportunidades de sucesso (se soubermos gerenciar)