Uncategorized

Por dentro da internet industrial da GE

Em vez de fornecer máquinas, fortalecer o negócio de serviços de receita recorrente tornando-as confiáveis; é assim que a fabricante se reinventa e pode reinventar todo o seu setor

Compartilhar:

Todos os dias, as maiores empresas ferroviárias dos estados Unidos, como Union Pacific, Norfolk Southern e BNSF, movimentam cerca de 24 mil locomotivas e 365 mil vagões por uma rede de mais de 220 mil quilômetros. A General Electric (GE) pretende melhorar a eficiência desse sistema. 

Com as locomotivas GE Evolution e seu conjunto de ferramentas de internet, ela estima proporcionar 1% de ganho em eficiência para as operadoras, o que significará US$ 2,8 bilhões. Ainda que pareça um veículo gigantesco e ultrapassado [veja foto acima], a GE Evolution é um computador cujos sensores e dispositivos de coleta de dados dão a seu grande volume uma cada vez mais impressionante agilidade digital. Conhecida fabricante de grandes máquinas para grandes empresas, a GE talvez esteja reinventando um setor. Em 2012, em uma conferência intitulada “Mentes e Máquinas”, realizada na Califórnia, seu CEO, Jeff Immelt, subiu ao palco para falar sobre gigantes como a Evolution. A expressão que ele então usou, “internet industrial”, já está virando lugar-comum nos círculos de tecnologia. Para a GE, não se trata da internet das coisas, que também ganhou fama; é a inteligência das máquinas que coletam e analisam dados. 

Como prevê Immelt, o casamento da análise de grandes massas de dados (big data) com a engenharia industrial promete aumentos de desempenho quase inimagináveis. Por exemplo, um motor a jato com uma série de sensores poderia fornecer uma quantidade surpreendente de informações à GE, que, em troca, projetaria necessidades de reparo no motor para a companhia aérea. Immelt sabia desde o início que o projeto da internet industrial era algo que poderia levar uma década para ser implementado, mas, sendo alguém que exerce também o papel de vendedor, não viu alternativa possível. “No futuro dos dispositivos inteligentes, não é que você precisará ter muitas ideias maravilhosas, ou dar um show, ou ser um vendedor excepcional. Você apenas fornecerá às pessoas as respostas que elas buscam há muito tempo. No mundo em que vivo, da manufatura, as pessoas consideram que usar análises é algo bonito, desejável e merecedor de investimentos. 

Elas compreendem as vantagens da internet industrial de imediato”, explicou o CEO. Um exemplo da inteligência envolvida na internet industrial da GE é o Trip Optimizer, um tipo de controle de velocidade hiperinteligente. Levando em conta a localização geográfica, o peso, o consumo de combustível e o terreno, o otimizador de viagem pode calcular qual a velocidade apropriada para o trem em dado momento. Pode lembrar o maquinista, por exemplo, de reduzir a aceleração a certa distância da subida e deixar que o impulso o leve para cima, em vez de forçar o motor na subida acentuada. Isso significa dezenas de milhões de dólares em diesel. 

O Trip Optimizer já está sendo implantado por empresas ferroviárias como BNSF e Norfolk Southern, mas ele é apenas uma das novidades. Nos próximos dez anos, a internet industrial permitirá à GE saber onde qualquer locomotiva está, que problemas tem, quais terá, que tipo de clima enfrenta, se está desperdiçando combustível e uma série de outros dados. Se, hoje, uma locomotiva conta com quase 11 quilômetros de cabos e 250 sensores que geram 9 milhões de pontos de dados por hora, nos próximos anos, esse volume de dados aumentará muito. Seus trens em breve conversarão uns com os outros também. “Em cinco anos, enxergaremos o potencial das ferrovias na América do Norte de modo diferente”, afirma Sham Chotai, diretor de tecnologia da divisão de transportes da GE.

**NEM SÓ LOCOMOTIVAS**

As locomotivas são apenas um exemplo da internet industrial da GE [e talvez não chamem a atenção de países em que o sistema ferroviário é menos relevante do que nos EUA]. Motores a jato, turbinas a gás, bombas de água e equipamentos para extração de petróleo e água são outros produtos que estão no mesmo compasso. Por exemplo, na nova turbina eólica, que coleta dados sobre velocidade e direção do vento e sobre pressão atmosférica, o algoritmo de um programa determina que uma das pás da turbina altere seu modo de trabalhar para melhorar seu resultado. Em alguns casos, essa turbina transmite para outras a nova orientação, de maneira que todas são otimizadas de maneira sincronizada.

O objetivo da empresa é proporcionar aos clientes economias maciças em cada produto por meio de pequenos aperfeiçoamentos constantes, em um negócio de serviços. Mesmo antes da internet industrial, a GE não fazia dinheiro somente vendendo máquinas. Ela vende o mesmo montante em serviços para essas máquinas, ou até mais, em contratos que somam cerca de US$ 180 bilhões e se estendem por 20 anos após a venda da máquina. Só que monitorar os produtos por meio da internet industrial fortalecerá isso –e expressivamente. 

> **A Herança de Immelt não é tão verde**
>
> Até recentemente, a conquista que definia Jeff immelt, cEo da GE na era pós-Jack Welch, eram seus esforços em tornar a empresa mais verde. sob seu comando, a GE ergueu um grande negócio de energia eólica e empreendeu outras ações voltadas para o meio ambiente. No entanto, a companhia é verde só até certo ponto. como ela existe para construir ou aperfeiçoar infraestrutura para o mundo contemporâneo, seja ele dependente de energia limpa ou de petróleo, também aproveitou o boom em equipamentos para extração de petróleo e gás e vem lucrando com a forte demanda por locomotivas a diesel para clientes que precisam levar carvão pelos Estados Unidos. Ainda que tenha o mérito de ter desenvolvido locomotivas híbridas e movidas a gás natural, mais limpas, a GE não pode ser um sinônimo do que é ambientalmente correto. Em vez de um legado verde, immelt provavelmente deixará os benefícios da internet industrial –que até poderão ser ecológicos, dependendo do uso, mas não necessariamente.

**O PASSADO RECENTE**

“A empresa vinha se concentrando em menos negócios, de mais alta tecnologia e mais industriais; a palavra ‘industrial’ passou a defini-la”, afirma Beth Comstock, diretora de marketing da GE. Por esse motivo, vendeu sua parcela na NBC/Universal para a Comcast e encolheu radicalmente seu braço de serviços financeiros. Os negócios-chave da GE são, do maior para o menor: energia e água, aviação, saúde, petróleo e gás, transportes. Todos são industriais. O negócio de utilidades domésticas, que ela não conse

guiu vender em 2008, responde por pequena parte do resultado da empresa, e o mesmo vale para iluminação. Seus principais clientes são grandes organizações, operadoras de serviços públicos, governos e hospitais, distribuídos em 170 países. Com essa manobra, Immelt queria fazer subir o preço da ação da empresa, que despencou desde que ele assumiu, nas vésperas do atentado de 11 de setembro de 2001. O plano funcionou em certa medida, porque o preço da ação avançou constantemente nos últimos cinco anos, mas ainda está bem abaixo do que costumava ser na época do antecessor de Immelt, Jack Welch.

> **A GE  no Brasil**
>
> Nos anos 1980, as locomotivas para carajás produzidas pela GE em campinas (sp) já contavam com inovações que permitiam ao maquinista trocar cartões de circuito impresso em plena selva para manter o transporte de carga. o cEo Jack Welch inovava então, dando à empresa a vontade de ser “a melhor entre as melhores nas décadas seguintes”. seu sucessor, Jeff immelt, segue a trilha. Agora, aposta na estratégia de monetização da empresa com a internet industrial, oferecendo um serviço que gera receita recorrente baseado em inteligência analítica para autodiagnóstico e autocorreção. só em suas turbinas de avião, isso eliminou um desperdício anual de Us$ 284 bilhões causado por ineficiência de combustível, manutenção não programada e atrasos em voos. 
>
> Nosso país será beneficiado pela era da internet industrial que a GE inicia. talvez demoremos mais tempo até ajustarmos nossa realidade econômica e cultural a essa nova produtividade, mas é bom sinal que sediemos um dos cinco centros de inovação da empresa no mundo, na ilha do Fundão (rJ), com investimentos previstos em r$ 500 milhões entre 2011 e 2014, em bioenergia, integração de sistemas, sistemas inteligentes e submarinos. 
>
> Por Claudiney Fullmann, professor da hsM, consultor e sócio-fundador da Educador.  Foi vp e gerente- -geral da GE no Brasil, divisão de equipamentos pesados, e um dos 400 homens da equipe mundial de Jack Welch.

**O FUTURO DA TERCEIRA ONDA**

Para a ação voltar a valorizar-se, a grande aposta é levar as máquinas à era do big data por meio da internet industrial, o que é reforçado pelo desenvolvimento de um relacionamento bem mais próximo com os clientes. Segundo a diretora Comstock, a primeira fase dessa relação foi “Se quebrou, nós consertamos”, nos anos 1960 e 1970. A segunda foi marcada pelos contratos de serviços, nas décadas de 1980 e 1990, que incluíam manutenção e um nível pré-acordado de desempenho. 

E a terceira onda, que se aproxima viabilizada pelos dados e análises, faz algo novo: gera acordos entre a GE e os clientes por tipo de resultado, em vez de por tipo de funcionalidade. O que significa isso? Não se trata de medir se um motor está trabalhando dentro das especificações, mas de entregar a quantidade combinada de tempo operacional máximo. “Estamos chegando ao ponto de vender confiança, e não motores”, diz Brad Surak, gerente de software da GE. “Significa que vendemos locomoção, não locomotivas, e que garantimos isso ao cliente. Se um motor a jato falhar e for preciso esvaziar a aeronave e alterar a rota do voo, pagamos multas por isso”, completa.

**O MERCADO DA CONFIANÇA**

Vender confiança é a melhor justificativa para a internet industrial da GE. A empresa não poderia oferecer tal garantia sem uma abordagem que ajudasse a entender padrões de desempenho capazes de evitar, por exemplo, o cancelamento de um voo de uma companhia aérea cliente. No melhor cenário, dados preditivos se traduzem em melhores produtos, maiores vendas, clientes mais felizes, melhores acordos de serviços, maiores lucros e relacionamentos longos gerando receita. Há, contudo, um pior cenário: se outra empresa, talvez uma startup, descobrir como fazer as análises sobre os equipamentos industriais da GE antes dela, essa gigante talvez constate que seu negócio de serviços pode ser ameaçado.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Reputação sólida, ética líquida: o desafio da integridade no mundo corporativo

No mundo corporativo, reputação se constrói com narrativas, mas se sustenta com integridade real – e é justamente aí que muitas empresas tropeçam. É o momento de encarar os dilemas éticos que atravessam culturas organizacionais, revelando os riscos de valores líquidos e o custo invisível da incoerência entre discurso e prática.

Vivemos a reinvenção do CEO?

Está na hora de entender como o papel de CEO deixou de ser sinônimo de comando isolado para se tornar o epicentro de uma liderança adaptativa, colaborativa e guiada por propósito. A era do “chefão” dá lugar ao maestro estratégico que rege talentos diversos em um cenário de mudanças constantes.

ESG, Cultura organizacional, Inovação
6 de agosto de 2025
Inovar exige enxergar além do óbvio - e é aí que a diversidade se torna protagonista. A B&Partners.co transformou esse conceito em estratégia, conectando inclusão, cultura organizacional e metas globais e impactou 17 empresas da network!

Dilma Campos, Gisele Rosa e Gustavo Alonso Pereira

9 minutos min de leitura
Cultura organizacional, ESG, Gestão de pessoas, Liderança, Marketing
5 de agosto de 2025
No mundo corporativo, reputação se constrói com narrativas, mas se sustenta com integridade real - e é justamente aí que muitas empresas tropeçam. É o momento de encarar os dilemas éticos que atravessam culturas organizacionais, revelando os riscos de valores líquidos e o custo invisível da incoerência entre discurso e prática.

Cristiano Zanetta

6 minutos min de leitura
Inteligência artificial e gestão, Estratégia e Execução, Transformação Digital, Gestão de pessoas
29 de julho de 2025
Adotar IA deixou de ser uma aposta e se tornou urgência competitiva - mas transformar intenção em prática exige bem mais do que ambição.

Vitor Maciel

3 minutos min de leitura
Carreira, Aprendizado, Desenvolvimento pessoal, Lifelong learning, Pessoas, Sociedade
27 de julho de 2025
"Tudo parecia perfeito… até que deixou de ser."

Lilian Cruz

5 minutos min de leitura
Inteligência Artificial, Gestão de pessoas, Tecnologia e inovação
28 de julho de 2025
A ascensão dos conselheiros de IA levanta uma pergunta incômoda: quem de fato está tomando as decisões?

Marcelo Murilo

8 minutos min de leitura
Liderança, Cultura organizacional, Liderança
25 de julho de 2025
Está na hora de entender como o papel de CEO deixou de ser sinônimo de comando isolado para se tornar o epicentro de uma liderança adaptativa, colaborativa e guiada por propósito. A era do “chefão” dá lugar ao maestro estratégico que rege talentos diversos em um cenário de mudanças constantes.

Bruno Padredi

2 minutos min de leitura
Desenvolvimento pessoal, Carreira, Carreira, Desenvolvimento pessoal
23 de julho de 2025
Liderar hoje exige muito mais do que seguir um currículo pré-formatado. O que faz sentido para um executivo pode não ressoar em nada para outro. A forma como aprendemos precisa acompanhar a velocidade das mudanças, os contextos individuais e a maturidade de cada trajetória profissional. Chegou a hora de parar de esperar por soluções genéricas - e começar a desenhar, com propósito, o que realmente nos prepara para liderar.

Rubens Pimentel

4 minutos min de leitura
Pessoas, Cultura organizacional, Gestão de pessoas, Liderança, times e cultura, Liderança, Gestão de Pessoas
23 de julho de 2025
Entre idades, estilos e velocidades, o que parece distância pode virar aprendizado. Quando escuta substitui julgamento e curiosidade toma o lugar da resistência, as gerações não competem - colaboram. É nessa troca sincera que nasce o que importa: respeito, inovação e crescimento mútuo.

Ricardo Pessoa

5 minutos min de leitura
Liderança, Marketing e vendas
22 de julho de 2025
Em um mercado saturado de soluções, o que diferencia é a história que você conta - e vive. Quando marcas e líderes investem em narrativas genuínas, construídas com propósito e coerência, não só geram valor: criam conexões reais. E nesse jogo, reputação vale mais que visibilidade.

Anna Luísa Beserra

5 minutos min de leitura
Tecnologia e inovação
15 de julho 2025
Em tempos de aceleração digital e inteligência artificial, este artigo propõe a literacia histórica como chave estratégica para líderes e organizações: compreender o passado torna-se essencial para interpretar o presente e construir futuros com profundidade, propósito e memória.

Anna Flávia Ribeiro

17 min de leitura