Cultura organizacional, compliance, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho, Liderança
5 minutos min de leitura

Quando o colaborador é o problema

Ambientes tóxicos nem sempre vêm da cultura - às vezes, vêm de uma única pessoa. Entenda como identificar e conter comportamentos silenciosos que desestabilizam equipes e ameaçam a saúde organizacional.
Fundadora e CEO da Vittude, referência no desenvolvimento e gestão estratégica de programas de saúde mental para empresas. Engenheira civil de formação, possui MBA Executivo pelo Insper e especialização em Empreendedorismo Social pelo Insead, escola francesa de negócios. Empreendedora, palestrante, TEDx Speaker e produtora de conteúdo sobre saúde mental e bem-estar, foi reconhecida em 2023 como LinkedIn Top Voice e, em 2024, como uma das 500 pessoas mais influentes da América Latina pela Bloomberg Linea.

Compartilhar:

“Quando eu morrer, enterra minha cabeça pra fora do caixão – porque eu vou morrer e não vou ter visto tudo.”

Essa foi a frase que repeti, mais uma vez, depois de ouvir um dos relatos mais inacreditáveis que já chegaram até mim. Em 25 anos de carreira – entre multinacionais, consultorias e como CEO da Vittude – escuto histórias todos os dias, vindas de clientes, colegas e parceiros. Algumas inspiram. Outras chocam. Esta pertence ao segundo grupo.


A toxicidade que vem de dentro

A história envolve uma liderança recém-contratada, com menos de seis meses de casa. Bem articulada, comunicativa, vista inicialmente como promissora. Mas bastaram algumas semanas para os primeiros sinais de disfunção emergirem, sempre de forma sutil, mas calculada.

A pessoa começou a se aproximar de colaboradores de outras áreas, fazendo desabafos informais, sempre em tom de “amizade”. Criticava a empresa, insinuava problemas graves de gestão, questionava decisões estratégicas. Plantava desconfiança.

Em um episódio emblemático, reuniu seu time direto, compartilhou a tela com o site Glassdoor aberto e perguntou: “Vocês chegaram a ler os comentários sobre a empresa antes de aceitar a vaga?”.

O impacto foi imediato: ansiedade, desmotivação e insegurança psicológica se espalharam no time. Ao mesmo tempo, a pessoa dizia, nos bastidores, que havia pedido demissão e estava de saída, mas nunca formalizou qualquer solicitação.

Ao contrário: permaneceu internamente, seguia plantando informações falsas, incentivando outras pessoas a deixarem a empresa, criando rumores sobre uma suposta crise, espalhando medo.

O desfecho veio com uma queixa formal. Uma pessoa que se sentiu emocionalmente impactada decidiu não se calar. Apresentou evidências, testemunhos e registros. A empresa agiu com rapidez e responsabilidade e a liderança em questão foi desligada.


Nem toda dor é organizacional

Nos últimos anos, felizmente, falamos mais sobre saúde mental no trabalho, esgotamento  e ambientes tóxicos. Mas também precisamos olhar para outro lado da moeda: há comportamentos que não nascem da cultura da empresa – nascem da conduta de indivíduos.

Nem toda queixa é legítima. Nem toda vítima é real. Nem toda liderança merece confiança. Existe, sim, colaborador tóxico. Existe quem adoece o ambiente com manipulação, desinformação e estratégias de divisão. E, muitas vezes, isso não é visível à primeira vista.


Como as empresas podem se proteger?

A toxicidade silenciosa é um risco psicossocial real. E ignorá-la pode custar a confiança, o clima e até a reputação de uma organização. Aqui vão algumas lições aprendidas com esse e outros casos:


1. Mapeie riscos psicossociais com regularidade

Não basta acreditar que “está tudo bem”. A ergonomia cognitiva, as relações de poder, a cultura de recompensa e os níveis de sobrecarga devem ser monitorados com dados.  Um mapeamento bem conduzido ajuda a diferenciar um problema sistêmico de uma disfunção individual.

Neste caso, por exemplo, o diagnóstico técnico revelou que o ambiente estava saudável, sem desequilíbrios de jornada ou pressão excessiva. A toxicidade não estava na estrutura, mas no comportamento de uma pessoa. Ter esse respaldo é fundamental para proteger a empresa diante de acusações distorcidas.


2. Observe o histórico com atenção

Currículos com passagens curtas em série, lacunas mal explicadas ou ausência de referências sólidas devem acender um sinal de alerta. Mas os riscos nem sempre são visíveis à primeira vista.

Cada vez mais, empresas relatam casos de candidatos que afirmam estar empregados quando já foram desligados, mantendo o status ativo no LinkedIn e até simulando prazos de transição para “cumprir aviso prévio”. Essa estratégia costuma ser usada para evitar o estigma do ‘open to work’, se proteger de perguntas difíceis sobre o tempo curto na última empresa ou impedir uma checagem espontânea de referências.

Por isso, quando houver sinais de inconsistência, vale buscar contatos laterais, referências cruzadas ou até acionar conexões comuns no LinkedIn para entender melhor o contexto da saída. É possível investigar com ética, sem quebrar confidencialidade – e ainda assim se proteger.


3. Investigue com método e celeridade

Toda denúncia deve ser acolhida com seriedade. Mas uma denúncia bem fundamentada, acompanhada de evidências, deve disparar um processo estruturado de apuração.

Tempo é fator de proteção. Quanto mais rápido a empresa apura, mais rápido consegue interromper os danos e restabelecer a confiança do time.  Investigar com método, imparcialidade e cuidado jurídico evita ruídos e protege todos os envolvidos.


4. Comunique com maturidade

Nem sempre será possível dar todos os detalhes. Mas o silêncio absoluto também gera insegurança e alimenta boatos.

A comunicação deve ser feita com transparência proporcional ao impacto, reconhecendo que houve um problema, que medidas foram tomadas e que a organização permanece comprometida com um ambiente ético e saudável. É uma forma de blindar a cultura e de sinalizar valores.


5. Crie mecanismos de escuta e monitoramento

Ambientes tóxicos não nascem da noite para o dia, mas dão sinais.  Por isso, é essencial construir uma cultura de escuta contínua:

  • Pesquisas de pulso frequentes;
  • Avaliações 360 para lideranças;
  • Canais anônimos de denúncia com retorno efetivo;
  • Monitoramento de indicadores como presenteísmo, absenteísmo, rotatividade e engajamento.

Esses mecanismos funcionam como sensores: identificam ruídos antes que se tornem crises.


Cuidar é também conter

As empresas têm, sim, o dever de cuidar da saúde mental dos seus colaboradores. Mas precisam entender que cuidado não é passividade. É responsabilidade. E isso inclui agir diante de comportamentos prejudiciais ao coletivo.

Uma única pessoa, com intenção errada e liberdade para agir, pode desestruturar um time inteiro.  O dano é real, emocional e muitas vezes invisível. Cuidar da cultura organizacional também é saber delimitar. Saber dizer: aqui, não. Aqui, não passa.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Quando o colaborador é o problema

Ambientes tóxicos nem sempre vêm da cultura – às vezes, vêm de uma única pessoa. Entenda como identificar e conter comportamentos silenciosos que desestabilizam equipes e ameaçam a saúde organizacional.

Até quando o benchmark é bom?

Inspirar ou limitar? O benchmark pode ser útil – até o momento em que te afasta da sua singularidade. Descubra quando olhar para fora deixa de fazer sentido.

Tecnologias exponenciais
Já notou que estamos tendo estas sensações, mesmo no aumento da produção?

Leandro Mattos

7 min de leitura
Empreendedorismo
Fragilidades de gestão às vezes ficam silenciosas durante crescimentos, mas acabam impedindo um potencial escondido.

Bruno Padredi

5 min de leitura
Empreendedorismo
51,5% da população, só 18% dos negócios. Como as mulheres periféricas estão virando esse jogo?

Ana Fontes

5 min de leitura
Tecnologias exponenciais
A inteligência artificial está reconfigurando decisões empresariais e estruturas de poder. Sem governança estratégica, essa tecnologia pode colidir com os compromissos ambientais, sociais e éticos das organizações. Liderar com consciência é a nova fronteira da sustentabilidade corporativa.

Marcelo Murilo

7 min de leitura
ESG
Projeto de mentoria de inclusão tem colaborado com o desenvolvimento da carreira de pessoas com deficiência na Eurofarma

Carolina Ignarra

6 min de leitura
Saúde mental, Gestão de pessoas
Como as empresas podem usar inteligência artificial e dados para se enquadrar na NR-1, aproveitando o adiamento das punições para 2026
0 min de leitura
ESG
Construímos um universo de possibilidades. Mas a pergunta é: a vida humana está realmente melhor hoje do que 30 anos atrás? Enquanto brasileiros — e guardiões de um dos maiores biomas preservados do planeta — somos chamados a desafiar as retóricas de crescimento e consumo atuais. Se bem endereçados, tais desafios podem nos representar uma vantagem competitiva e um fôlego para o planeta

Filippe Moura

6 min de leitura
Carreira, Diversidade
Ninguém fala disso, mas muitos profissionais mais velhos estão discriminando a si mesmos com a tecnofobia. Eles precisam compreender que a revolução digital não é exclusividade dos jovens

Ricardo Pessoa

4 min de leitura
ESG
Entenda viagens de incentivo só funcionam quando deixam de ser prêmios e viram experiências únicas

Gian Farinelli

6 min de leitura
Liderança
Transições de liderança tem muito mais relação com a cultura e cultura organizacional do que apenas a referência da pessoa naquela função. Como estão estas questões na sua empresa?

Roberto Nascimento

6 min de leitura