Gestão de Pessoas

Uma demissão causa mais demissões? A ciência sugere que sim

Demissões de todos os tipos – voluntárias e involuntárias – também causam impactos em quem não é demitido. Um estudo recente indica que a forma que a demissão acontece e quem é demitido fazem muita diferença
Atua como consultora em projetos de comunicação, employer branding e gestão da mudança pela Smart Comms, empresa que fundou em 2016. Pós-graduada em marketing (FGV), graduada em comunicação (Cásper Líbero) e mestranda em psicologia organizacional (University of London), atuou por 13 anos nas áreas de comunicação e marca em empresas como Johnson&Johnson, Unilever, Touch Branding e Votorantim Cimentos. É professora do curso livre de employer branding da Faculdade Cásper Líbero, um dos primeiros do Brasil, autora de artigos sobre o tema em publicações brasileiras e internacionais e co-autora do livro Employer Branding: conceitos, modelos e prática.

Compartilhar:

Employer branding (EB), se entendido como o trabalho de gestão de marca empregadora, é altamente dependente de contexto. Enquanto a base de identidade de uma marca – a proposta de valor ao talento – tende a ser mais estável, a forma como ela é gerida e ativada deve ser sensível ao que acontece no entorno.

Digo isso porque há um bom tempo vivemos um cenário mais tenso que o habitual no mundo do trabalho, com demissões em massa praticadas com uma frequência assustadora; equipes cada vez mais enxutas e, consequentemente, cada vez mais exaustas, e um sentimento geral sobre o trabalho tomando contornos menos romantizados, pelo menos pela ótica do talento. Ainda que haja muitos discursos exageradamente carismáticos em EB (muitas vezes exigidos pelas organizações que ainda não perceberam – ou aceitaram – esse cenário), o talento me parece cada vez mais cético diante desse tipo de posicionamento “100% luz e 0% sombra”.

Com isso em mente e lembrando que employer branding é mais do que atração, não tem como não olhar com cuidado para os impactos desse contexto no nosso trabalho.

## Demissões: os impactos em quem fica
A partir daqui vou estreitar o olhar para o fator específico das demissões e o efeito delas em quem fica nas empresas. Muitos estudos já abordaram os impactos desses eventos. A *Talent Management & RH*, por exemplo, sugeriu, em uma pesquisa feita em 2022, que 74% de “sobreviventes” de layoffs reportam produtividade e energia reduzidos durante três a seis meses após o evento.

Um [trabalho acadêmico](https://www.alanmbenson.com/research) recente, publicado em janeiro de 2023, foi mais específico ao perguntar: será que uma demissão, em qualquer formato, faz mais gente da mesma empresa pedir demissão logo depois?

Conduzido por pesquisadores da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos, e da Universidade de British Columbia, no Canadá, o trabalho investigou os efeitos do que chamam de “eventos de saída” – demissões involuntárias pontuais, demissões involuntárias em massa e pedidos voluntários de demissão – sobre a rotatividade voluntária posterior a esses eventos.

Os autores estudaram 1.620 lojas de varejo durante 22 meses e sugerem que modelar eventos de saída como sistemas dinâmicos e interdependentes pode ajudar organizações a prever consequências relacionadas a eventos de demissão. A pesquisa utiliza um modelo teórico que combina a teoria de eventos traumáticos (TET) com estudos anteriores sobre os efeitos de eventos de saída em quem fica na organização, além de incluir a análise de dados prévios aos eventos para avaliar o turnover voluntário padrão nessas lojas antes de tais eventos.

Uma outra variável considerada no estudo foi o que se chamou de “qualidade dos trabalhadores”, com o intuito de avaliar se os eventos de saída tinham efeitos diferentes quando atingiam trabalhadores considerados de alto ou de baixo desempenho.

## Como e quem: principais impactos em quem fica
O estudo sugere que diferentes formatos de demissão têm efeitos distintos na permanência de outras pessoas na empresa:

– Demissões involuntárias pontuais tiveram o menor efeito em saídas voluntárias subsequentes.
– Demissões em massa tiveram o efeito mais forte e imediato em saídas voluntárias subsequentes.
– Pedidos voluntários de demissão tiveram efeitos moderados, mas duradouros em saídas voluntárias subsequentes.

Os resultados também sugerem que o perfil de quem é demitido – mais especificamente, como o demitido é percebido em termos de desempenho – também tem efeitos significativos nos pedidos de demissão que acontecem em seguida.

Quando um trabalhador de alta performance é demitido, há mais pedidos de demissão de outros trabalhadores de alta performance e uma pequena redução nos pedidos de demissão entre os trabalhadores de baixo desempenho. Da mesma forma, a saída de um trabalhador de baixo desempenho resulta em um aumento na rotatividade voluntária de outros trabalhadores de baixo desempenho e uma pequena redução nos pedidos de demissão entre os trabalhadores de alto desempenho. Além disso, os resultados indicam que, como um todo, a saída de um trabalhador de alta performance tem um efeito mais significativo nos pedidos de demissão subsequentes do que a saída de um trabalhador de baixa performance.

Os resultados do estudo também sugerem a existência de um efeito de contágio na rotatividade, em que a saída de trabalhadores semelhantes em termos de desempenho pode influenciar a decisão de outros trabalhadores em deixarem a organização.
O que tudo isso tem a ver com employer branding?

Se EB for (infelizmente) entendido como algo ligado apenas a recrutamento e seleção, pode parecer que tem pouco a ver. Mas atenção: qualquer informação pública sobre demissões em massa ou demissões individuais traumáticas impactará a percepção do talento externo sobre a organização. Resumindo, esse tema impacta uma força direcionadora de qualquer trabalho em EB, que é a pergunta: devo entrar nessa organização?

Se EB for (tomara) entendido como algo maior, construído a partir do que a organização tem a oferecer e que é percebido em tudo que se vive ali dentro, tem muito a ver: afinal, quem escolho demitir e como escolho demitir é uma parte importante da resposta ao outra força direcionadora do trabalho em EB, que é a pergunta: devo ficar nessa organização?

Digo que employer branding em “tempos bicudos” pede o que chamo de três Ts (tato, transparência e timing). O que estamos vivendo no mercado e o que a ciência tem dito sobre demissões pede também que a gente considere com cuidado não só as contratações, mas também as demissões, nos nossos trabalhos de marca empregadora.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Relacionamentos geram resultados

Em tempos de alta performance e tecnologia, o verdadeiro diferencial está na empatia: um ativo invisível que transforma vínculos em resultados.

Tecnologia & inteligencia artificial, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
3 de outubro de 2025
A IA está redefinindo o trabalho - e cabe ao RH liderar a jornada que equilibra eficiência tecnológica com desenvolvimento humano e cultura organizacional.

Michelle Cascardo, Latam Sr Sales Manager na Deel

5 minutos min de leitura
Inovação & estratégia, Tecnologia & inteligencia artificial
2 de outubro de 2025
Na indústria automotiva, a IA Generativa não é mais tendência - é o motor da próxima revolução em eficiência, personalização e experiência do cliente.

Lorena França - Hub Mobilidade do Learning Village

3 minutos min de leitura
Cultura organizacional, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho, Inovação & estratégia
1º de outubro de 2025
No mundo pós-IA, profissionais 50+ são mais que relevantes - são pontes vivas entre gerações, capazes de transformar conhecimento em vantagem competitiva.

Cris Sabbag - COO da Talento Sênior

4 minutos min de leitura
Inovação
30 de setembro
O Brasil tem talento reconhecido no design - mas sem políticas públicas e apoio estratégico, seguimos premiando ideias sem transformar setores.

Rodrigo Magnago

6 minutos min de leitura
Liderança
29 de setembro de 2025
No topo da liderança, o maior desafio pode ser a solidão - e a resposta está na força do aprendizado entre pares.

Rubens Pimentel - CEO da Trajeto Desenvolvimento Empresarial

4 minutos min de leitura
ESG, Empreendedorismo
29 de setembro de 2025
No Dia Internacional de Conscientização sobre Perdas e Desperdício de Alimentos, conheça negócios de impacto que estão transformando excedentes em soluções reais - gerando valor econômico, social e ambiental.

Priscila Socoloski CEO da Connecting Food e Lucas Infante, CEO da Food To Save

2 minutos min de leitura
Cultura organizacional
25 de setembro de 2025
Transformar uma organização exige mais do que mudar processos - é preciso decifrar os símbolos, narrativas e relações que sustentam sua cultura.

Manoel Pimentel

10 minutos min de leitura
Uncategorized
25 de setembro de 2025
Feedback não é um discurso final - é uma construção contínua que exige escuta, contexto e vínculo para gerar evolução real.

Jacqueline Resch e Vivian Cristina Rio Stella

4 minutos min de leitura
Tecnologia & inteligencia artificial
24 de setembro de 2025
A IA na educação já é realidade - e seu verdadeiro valor surge quando é usada com intencionalidade para transformar práticas pedagógicas e ampliar o potencial de aprendizagem.

Rafael Ferreira Mello - Pesquisador Sênior no CESAR

5 minutos min de leitura
Inovação
23 de setembro de 2025
Em um mercado onde donos centralizam decisões de P&D sem métricas críveis e diretores ignoram o design como ferramenta estratégica, Leme revela o paradoxo que trava nosso potencial: executivos querem inovar, mas faltam-lhes os frameworks mínimos para transformar criatividade em riqueza. Sua fala é um alerta para quem acredita que prêmios de design são conquistas isoladas – na verdade, eles são sintomas de ecossistemas maduros de inovação, nos quais o Brasil ainda patina.

Rodrigo Magnago

5 min de leitura