Liderança

O que processos seletivos diversos e algoritmos têm em comum?

Essa é uma conversa que pode soar desconfortável, mas você, RH, tem em mãos a chance de levar novas histórias e promover a diversidade em sua empresa
Carolina Utimura é CEO da Eureca.

Compartilhar:

Você sabe como funciona um algoritmo? De forma bem simplista: um algoritmo, na matemática, é um conjunto de regras e raciocínios para se chegar em um determinado resultado. Para a tecnologia, eles são a base do trabalho em machine learning e inteligência artificial.

O algoritmo nos traz o resultado com base nas variáveis que um ser humano insere, logo, existe um grande debate sobre a ética nessas novas tecnologias, visto que podem carregar um forte viés de quem o programa. Como nos [casos icônicos, de fatores raciais, de gênero ou localização geográfica](https://www.revistahsm.com.br/post/como-nao-criar-uma-inteligencia-artificial-racista) terem desdobramento para aprovação de crédito, sistemas de saúde ou ações prisionais. 

Se formos olhar em grosso modo, um processo seletivo é como um algoritmo. Temos em mente um resultado esperado, inserimos uma sequência de regras, raciocínios e parâmetros (pré-requisitos, testes, perguntas etc.), inserimos uma variável (o candidato) para o algoritmo processar e *voilà*: temos a nossa nova pessoa da empresa!

Mas, quem “programou” esse algoritmo? O que tomou como base para as premissas e regras de contratação para o processo? Vamos fazer, então, a engenharia reversa…

## O espelho do líder

Quando olhamos as principais lideranças de uma companhia hipotética, o que todas elas têm em comum? Vemos que elas têm uma alta capacidade de pensar estrategicamente, olhando de forma holística os problemas e trazendo soluções. Elas estudaram nas “melhores faculdades” do país, as grandes privadas, federais ou estaduais.

Agem de forma autônoma, persistindo e tendo uma visão de dono sobre o negócio. Fizeram intercâmbio, o que ajudou a serem mais independentes. Conseguiram assim seu primeiro emprego, com menos de 20 anos, como estagiários em grandes organizações. Falam inglês fluente e tem familiaridade com as novas tecnologias.

Quando um algoritmo roda, ele traz a seguinte estrutura: 

Se , então .

Senão

Então, vamos programar um processo de trainee:

Se , então .

Para captar essas informações, o [processo da companhia](https://www.revistahsm.com.br/post/qual-e-o-segredo-de-uma-boa-estrategia-de-employer-branding) coloca requisitos como a faculdade e experiência em multinacionais, insere um teste de inglês fluente e o entrevistador fica maravilhado em saber que a Marina fez seu ensino médio no Canadá. Que incrível, parece com a trajetória dele! Afinal, é a realidade que ele conhece e como classifica “talento”. 

## A exclusão na pele

A outra candidata era a Deise, ela é uma mulher negra, da periferia e vem de uma família na qual sua mãe concentrou todas as responsabilidades de criar e sustentar seus filhos. Deise ralou muito para terminar o ensino médio público, depois disso, teve que trabalhar fazendo de um todo: do caixa do mercado ao telemarketing. Ali teve que ter contato direto com os clientes, solucionando problemas sob pressão.

Conseguiu juntar uma grana e se matriculou na faculdade mais acessível da cidade, já perto dos seus 30 anos de idade. Trabalhava como assistente em uma empresa familiar de dia e à noite, depois de três conduções, ia para a faculdade. Ouviu diversos nãos, teve que alisar seu cabelo porque seu chefe pediu e, constantemente, ajuda financeiramente sua família. Deise pega um trem e dois ônibus para fazer a entrevista, nem sabendo direito como vai pagar as passagens de volta e chega lá no prédio imponente e espelhado na Faria Lima, onde todos a sua volta parecem tão diferentes.

Então, rodamos o algoritmo na Deise: E se, então… reprovada. 

## Uma reflexão urgente

É claro que não quero falar que um processo seletivo é tão simples assim, sabemos o grande desafio em selecionar as melhores pessoas. Porém, quais as réguas que estamos aplicando para abrir as portas das nossas empresas a um arquétipo de talento que não temos na liderança da companhia e, ainda mais, que não temos no nosso convívio social?

Será que o nosso processo permite que a Deise possa contar a sua história de vida? De todos os momentos que ela lidou com a pressão e resolveu problemas com maestria? Do seu nível de resiliência e persistência em buscar o que quer?

E como avaliamos o “gabarito” da Deise? Quem entrevista imagina qual arquétipo de candidato? Está na busca de um “control c + control v” de si próprio? Talvez a Deise não tenha todo o traquejo corporativo e seu inglês ainda é básico, mas essas são competências que acredito que a empresa pode desenvolver.

Não sei se, na mesma medida, é tão prático ensinar a Marina sobre ser resiliente quando recebe nãos, a ser persistente em querer mudar os costumes da companhia e ter a empatia de saber o que o consumidor final, o verdadeiro brasileiro, precisa. 

Semana passada, a Nasdaq, uma das maiores bolsas de valores do mundo, trouxe [novas regras para que suas empresas listadas sejam mais diversas](https://amp-cnn-com.cdn.ampproject.org/c/s/amp.cnn.com/cnn/2020/12/01/investing/nasdaq-rule-board-of-directors-diversity/index.html). Elas deverão publicar seus números de diversidade e ter, no mínimo, uma posição de direção assumida por um grupo minorizado. Países como Noruega, Espanha, França e Islândia possuem a exigência que mulheres representem pelo menos 40% dos conselhos de empresas de capital aberto. Esse movimento só tem um caminho: seguir em frente!

Essa é uma conversa que pode soar desconfortável, cheia de “mas, é que aqui…” e de mudar o que sempre foi assim. Porém, esse é o [momento que você, RH](https://www.revistahsm.com.br/post/qual-e-o-papel-do-rh-nas-organizacoes), precisa levar ao board do negócio. Você tem em mãos a força de mudar esses “algoritmos”, de salvar o futuro da sua empresa e mais do que isso: deixar a Deise contar a sua história e alterá-la para sempre. 

Nos próximos meses, quero te ajudar a iniciar essa conversa, vamos juntos e seguindo em frente!

Compartilhar:

Artigos relacionados

Homo confusus no trabalho: Liderança, negociação e comunicação em tempos de incerteza

Em um mundo sem mapas claros, o profissional do século 21 não precisa ter todas as respostas – mas sim coragem para sustentar as perguntas certas.
Neste artigo, exploramos o surgimento do homo confusus, o novo ser humano do trabalho, e como habilidades como liderança, negociação e comunicação intercultural se tornam condições de sobrevivência em tempos de ambiguidade, sobrecarga informacional e transformações profundas nas relações profissionais.

Liderança
5 de novembro de 2025
Em um mundo sem mapas claros, o profissional do século 21 não precisa ter todas as respostas - mas sim coragem para sustentar as perguntas certas. Neste artigo, exploramos o surgimento do homo confusus, o novo ser humano do trabalho, e como habilidades como liderança, negociação e comunicação intercultural se tornam condições de sobrevivência em tempos de ambiguidade, sobrecarga informacional e transformações profundas nas relações profissionais.

Angelina Bejgrowicz - Fundadora e CEO da AB – Global Connections

12 minutos min de leitura
Bem-estar & saúde
4 de novembro de 2025

Tatiana Pimenta - Fundadora e CEO da Vittude

3 minutos min de leitura
Liderança
3 de novembro de 2025
Em um mundo cada vez mais automatizado, liderar com empatia, propósito e presença é o diferencial que transforma equipes, fortalece culturas e impulsiona resultados sustentáveis.

Carlos Alberto Matrone - Consultor de Projetos e Autor

7 minutos min de leitura
Tecnologia & inteligencia artificial
1º de novembro de 2025
Aqueles que ignoram os “Agentes de IA” podem descobrir em breve que não foram passivos demais, só despreparados demais.

Atila Persici Filho - COO da Bolder

8 minutos min de leitura
Tecnologia & inteligencia artificial
31 de outubro de 2025
Entenda como ataques silenciosos, como o ‘data poisoning’, podem comprometer sistemas de IA com apenas alguns dados contaminados - e por que a governança tecnológica precisa estar no centro das decisões de negócios.

Rodrigo Pereira - CEO da A3Data

6 minutos min de leitura
Inovação & estratégia, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
30 de ouutubro de 2025
Abandonando o papel de “caçador de bugs” e se tornando um “arquiteto de testes”: o teste como uma função estratégica que molda o futuro do software

Eric Araújo - QA Engineer do CESAR

7 minutos min de leitura
Liderança
29 de outubro de 2025
O futuro da liderança não está no controle, mas na coragem de se autoconhecer - porque liderar os outros começa por liderar a si mesmo.

José Ricardo Claro Miranda - Diretor de Operações da Paschoalotto

2 minutos min de leitura
Inovação & estratégia
28 de outubro 2025
A verdadeira virada digital não começa com tecnologia, mas com a coragem de abandonar velhos modelos mentais e repensar o papel das empresas como orquestradoras de ecossistemas.

Lilian Cruz - Fundadora da Zero Gravity Thinking

4 minutos min de leitura
Inovação & estratégia
27 de outubro de 2025
Programas corporativos de idiomas oferecem alto valor percebido com baixo custo real - uma estratégia inteligente que impulsiona engajamento, reduz turnover e acelera resultados.

Diogo Aguilar - Fundador e Diretor Executivo da Fluencypass

4 minutos min de leitura
Cultura organizacional, Inovação & estratégia
25 de outubro de 2025
Em empresas de capital intensivo, inovar exige mais do que orçamento - exige uma cultura que valorize a ambidestria e desafie o culto ao curto prazo.

Atila Persici Filho e Tabatha Fonseca

17 minutos min de leitura

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #169

TECNOLOGIAS MADE IN BRASIL

Não perdemos todos os bondes; saiba onde, como e por que temos grandes oportunidades de sucesso (se soubermos gerenciar)

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #169

TECNOLOGIAS MADE IN BRASIL

Não perdemos todos os bondes; saiba onde, como e por que temos grandes oportunidades de sucesso (se soubermos gerenciar)