Dos congestionamentos da Filadélfia à cultura de consumo global
O termo “Black Friday” surgiu nos anos 1960, na Filadélfia, para descrever o caos no trânsito após o feriado de Ação de Graças. Com o tempo, o termo passou a designar o dia em que as lojas “saíam do vermelho” e “entravam no preto”, ou seja, voltavam a lucrar. Nos Estados Unidos, a Black Friday deixou de ser uma liquidação e tornou-se uma tradição cultural.
Em 2024, as vendas online superaram US$ 10,8 bilhões, segundo a Adobe Analytics. Hoje, o evento movimenta todo o ecossistema de consumo, do varejo físico aos marketplaces, passando por programas de fidelidade e até o setor automotivo.
O fenômeno que deixou de ser importado no Brasil
Há quinze anos, a Black Friday desembarcou no Brasil como uma curiosidade do varejo americano. O que começou com desconfiança e denúncias de “metade do dobro” virou um costume de consumo que movimenta bilhões e dita o ritmo de campanhas, estoques e margens.
Em 2024, o evento gerou R$ 9,4 bilhões em vendas, segundo o E-Commerce Brasil, e as projeções para 2025 ultrapassam R$ 13,6 bilhões.
A trajetória brasileira, porém, foi de aprendizado. Nos primeiros anos, o entusiasmo conviveu com preços maquiados, sites instáveis e atrasos. Em 2014, o termo “Black Fraude” viralizou e expôs a falta de maturidade comercial. Desde então, o país evoluiu: 89% dos consumidores conhecem a data, 82% pesquisam antes de comprar e 67% já realizaram compras. O brasileiro aprendeu a comparar, e os buscadores de histórico de preços viraram símbolos de cidadania econômica.
Hoje, o consumidor não é mais refém do desconto, é o auditor do preço.
Grandes varejistas criaram as chamadas Black Fridays de data cheia, 1/1, 2/2, 3/3, 4/4 ou 11/11 e 12/12, mini edições mensais que mantêm o engajamento e giram estoque. A Black Friday tornou-se um selo emocional de vantagem, um código cultural que reflete um país que incorporou a promoção à sua identidade de consumo.
Empresas brasileiras que tratam a Black Friday com o mesmo rigor estratégico aplicado às demais datas sazonais, usando técnicas de precificação e gestão de margem, já se consolidaram como líderes em receita e presença de marca nessa data emblemática, hoje parte definitiva do calendário promocional brasileiro.
Para avançar, as empresas precisam aplicar à Black Friday o mesmo rigor técnico e disciplina de margem usados na precificação de outras datas sazonais já consolidadas no calendário promocional.
Black Friday no contexto das indústrias: quando o desconto vira estratégia
As indústrias também precisam participar das dinâmicas promocionais da Black Friday e atuar em parceria com o varejo, especialmente por meio de planos conjuntos (Joint Business Plans – JBP).
Com uma abordagem simples e estruturada, é possível obter resultados sólidos:
• Mix promocional restrito, com itens de alto giro e margem previsível;
• Descontos sustentáveis, definidos por elasticidade e contribuição marginal;
• Duração controlada, evitando erosão de preço e canibalização de vendas futuras.
O resultado é maior penetração em canais estratégicos e fortalecimento de marca no segmento.
A principal lição é clara: a Black Friday não ameaça a rentabilidade, ela premia quem planeja.
Brasil x Estados Unidos: maturidade em escalas diferentes
Nos Estados Unidos, a Black Friday é um ecossistema maduro, com previsibilidade, controle de margem e estratégia omnichannel integrada. No Brasil, estamos em transição para esse estágio. Já há governança em grandes redes e visão de ciclo de vida de preço, mas ainda falta maturidade no médio varejo e na indústria.
Essa diferença, porém, é positiva, o Brasil vive um momento fértil, um ponto de virada entre improviso e inteligência. Estamos aprendendo que desconto não é remédio para o estoque, mas ferramenta de posicionamento, e que o preço, quando bem administrado, é uma das expressões mais sofisticadas da cultura corporativa.
Lições práticas para líderes e executivos decisores
1. Planeje o mix antes do desconto. Produtos de margem financiam produtos de atração.
2. Simule margens e elasticidades. Desconto exige base técnica, não euforia.
3. Defina tempo e propósito. Quanto mais longa a promoção, menor o valor percebido.
4. Monitore a recuperação pós-Black. Voltar ao preço cheio mantém credibilidade.
5. Use dados como defesa. O histórico de preço é o novo compliance.
6. Preserve reputação. O preço errado hoje custa mais do que uma venda perdida, custa confiança.
De volta para o futuro da Black Friday
A Black Friday brasileira amadureceu, e amadureceu rápido. Deixou de ser um experimento importado e se transformou em um laboratório de estratégia, onde transparência, inteligência e cultura de valor se encontram.
No fim, a data fala mais sobre o futuro da precificação do que sobre o passado. Quem aprende a precificar bem um único dia de desconto, aprende também a gerar valor em todos os outros dias do ano




