Durante décadas, o regime CLT foi o alicerce do trabalho no Brasil. Para os profissionais: garantia e segurança. Para as empresas, oferecia previsibilidade. Mas, o que antes era estabilidade, hoje pode ser rigidez. À medida que atravessamos transformações simultâneas – automação acelerada, envelhecimento populacional e ciclos econômicos mais curtos – torna-se urgente rever não apenas as formas de contratação, mas a própria lógica com que estruturamos pessoas dentro das organizações.
A pergunta que se impõe já não é mais “CLT ou PJ?”, mas sim: qual arquitetura de talento é necessária para este exato momento do ciclo organizacional? Termo que substitui a ideia ultrapassada de alocar indivíduos em cargos por uma visão sistêmica de orquestração de capacidades. Uma empresa pronta para o futuro é aquela que sabe desenhar, com inteligência, com estratégia, a composição dos seus talentos – considerando resultados, sustentabilidade e diversidade geracional.
A metáfora da arquitetura é mais do que didática – ela é transformadora. Assim como um arquiteto projeta espaços pensando em fluxo, ergonomia, iluminação e funcionalidade, organizações precisam planejar sua força de trabalho com base em competências críticas, orçamento, prazos, riscos reputacionais e impactos sociais.
Nesse novo cenário, o RH se torna um arquiteto organizacional, capaz de combinar, com propósito e estratégia, diferentes tipos de vínculo profissional:
- Profissionais CLT, que oferecem continuidade, acúmulo de conhecimento institucional e construção de cultura;
- Talentos sob demanda (TaaS – Talent as a Service), acionados para desafios pontuais de alta complexidade, com foco em entrega;
- Consultorias independentes, que trazem metodologias, neutralidade política e visão externa;
- Freelancers, ideais para demandas ágeis e pontuais;
Cada modelo tem seu valor, sua função e sua melhor aplicação. A ineficiência não está no formato em si, mas na incapacidade de compor soluções integradas, alinhadas ao contexto da empresa. Por isso enxergo o fim do “modelo único” como padrão
Existe um equívoco recorrente nos discursos sobre o futuro do trabalho: a ideia de que a CLT está ultrapassada. Nada mais distante da realidade. O modelo celetista segue essencial em inúmeros contextos – especialmente quando há intenção de formar cultura, fortalecer vínculos e assegurar segurança jurídica.
Por outro lado, aplicar a CLT onde o desafio exige mobilidade, agilidade e foco temporário é como construir uma cobertura de concreto sobre um deck de madeira. Não se trata de eliminar modelos, mas de sofisticar composições.
Empresas maduras preservam o celetista onde ele é necessário, mas não hesitam em acionar uma consultoria quando precisam de imparcialidade ou contratar um talento sênior via TaaS quando a entrega exige experiência rara e resultado imediato.
Sob a ótica da trabalhabilidade 50+ – campo ao qual me dedico como pesquisadora e estrategista – a Arquitetura de talento tem um papel ainda mais decisivo: destravar o acesso de profissionais com mais de 50 anos aos novos modelos de trabalho. Hoje, boa parte desses profissionais enfrenta uma dupla exclusão: são rejeitados em processos seletivos formais por causa da idade e, ao mesmo tempo, não são preparados para atuar com autonomia em formatos como TaaS ou consultorias. O resultado é um desperdício silencioso de inteligência organizacional. Um apagão de talentos experientes, qualificados e disponíveis, mas invisíveis às estruturas convencionais de recrutamento.
A ‘Arquitetura de Talento’, quando aplicada com intencionalidade, é uma resposta potente a esse cenário. Ela amplia a noção de capital humano, abrindo espaço para composições mais diversas – em idade, origem, trajetória, estilo de aprendizagem e formato de contribuição.
Mais do que uma mudança contratual, estamos diante de um novo pacto simbólico: o que define o valor de um talento não é mais apenas o tempo de casa, o vínculo jurídico ou o crachá, mas a sua capacidade de gerar impacto com ética, autonomia e colaboração.
O futuro do trabalho será construído por empresas que entendem que inteligência não é apenas artificial – ela é intergeracional. E que inovação não é só tecnologia – é também repensar modelos, integrar saberes e redesenhar vínculos.
A Era da “Arquitetura de Talento” já começou e as organizações que aprenderem a compor suas forças com agilidade, propósito e inclusão serão aquelas que, de fato, construirão o amanhã.