Bem-estar & saúde, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
4 minutos min de leitura

A nova Era da saúde mental

Como a evolução regulatória pode redefinir a gestão de pessoas no Brasil
Fundadora e CEO da Vittude, referência no desenvolvimento e gestão estratégica de programas de saúde mental para empresas. Engenheira civil de formação, possui MBA Executivo pelo Insper e especialização em Empreendedorismo Social pelo Insead, escola francesa de negócios. Empreendedora, palestrante, TEDx Speaker e produtora de conteúdo sobre saúde mental e bem-estar, foi reconhecida em 2023 como LinkedIn Top Voice e, em 2024, como uma das 500 pessoas mais influentes da América Latina pela Bloomberg Linea.

Compartilhar:


Nos últimos anos, o Brasil tem assistido ao crescimento silencioso de uma epidemia de adoecimento mental relacionada, direta ou indiretamente, ao trabalho. Em 2024, mais de 472 mil pessoas foram afastadas por transtornos psicológicos e comportamentais. Esse é o maior número já registrado na série histórica da Previdência Social. O custo humano é imenso, e o custo organizacional também.

Mas é importante dizer: o problema não começa nas empresas. Vivemos em um país profundamente desigual, violento e instável. O Brasil lidera há mais de uma década os rankings de transtornos mentais no mundo. Somos o país mais ansioso do planeta, o quinto mais depressivo e o segundo com maior prevalência de estresse crônico, segundo a OMS. 

Esses números não se explicam apenas pela cultura corporativa. Eles são reflexo do tecido social. E é justamente por isso que o cuidado com a saúde mental no ambiente de trabalho exige um novo olhar: mais amplo, mais responsável, mais estruturado.

Toda empresa no Brasil, ao contratar um colaborador, também contrata uma parte da sua história, muitas vezes marcada por traumas, violências, privações e contextos difíceis. É por isso que não faz mais sentido perguntar se o trabalho “causou” o sofrimento. O ponto é que o trabalho pode agravar, aliviar ou transformar esse sofrimento.

E, diante de um cenário tão desafiador, o papel das empresas evolui. A atualização da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1) em 2024, marca essa virada: ela exige que organizações de todos os portes identifiquem, avaliem e gerenciem riscos psicossociais no ambiente de trabalho — de forma planejada, contínua e baseada em evidências.

A norma reconhece que fatores como sobrecarga, metas abusivas, assédio, insegurança, baixa segurança psicológica, falta de reconhecimento e estilos de liderança tóxicos são detonadores de adoecimento mental. E cuidar disso não é apenas boa prática, é uma obrigação legal.

Essa mudança não é isolada. Ela vem acompanhada de uma série de avanços legislativos e institucionais que reforçam a importância do tema. A própria Lei 14.831/24, que criou o selo de Empresa Promotora da Saúde Mental, aponta na mesma direção: empresas não podem mais ser neutras quando se trata da saúde emocional de seus times.

Do ponto de vista econômico, os impactos são expressivos. Dados da Vittude, baseados em mais de 100 mil respondentes, mostram que 42% dos trabalhadores apresentam sofrimento mental moderado ou severo. Isso se traduz em mais absenteísmo, maior rotatividade, queda de produtividade e uso intensivo do plano de saúde, nem sempre com diagnósticos claros.

O sofrimento raramente chega com um atestado psiquiátrico. Ele aparece, muitas vezes, travestido de gastrite, crises de pânico, dores crônicas, doenças autoimunes, dermatites ou até mesmo paralisias faciais. E é aí que mora o custo invisível do presenteísmo: colaboradores que estão fisicamente presentes, mas com sua capacidade produtiva comprometida.

Dados do Censo de Saúde Mental da Vittude apontam que até 31% do tempo pago pelas empresas pode estar sendo desperdiçado por pessoas em sofrimento emocional. É como se fosse necessário manter 10 pessoas na folha para realizar o trabalho de 7. O presenteísmo é, provavelmente, o maior desperdício silencioso do mundo corporativo, e uma das métricas menos monitoradas.

A boa notícia é que tudo isso pode ser diferente. Empresas que adotam programas estruturados de saúde mental, com diagnóstico, plano de ação, metas e capacitação de lideranças, conseguem reduzir significativamente os índices de adoecimento, afastamento e turnover. 

Cuidar das pessoas melhora os resultados. Isso já está comprovado por dados, benchmarks e cases de sucesso em todo o país.

A NR-1 chega, portanto, como um catalisador de maturidade organizacional. Ela convida as empresas a saírem do improviso, da ação pontual, da campanha de setembro, e assumirem um papel mais estratégico, constante e preventivo.

Esse novo capítulo exige liderança. Exige coragem para rever processos, práticas e culturas. E exige comprometimento, não só com os indicadores de negócio, mas com a construção de um futuro de trabalho mais saudável, humano e sustentável.

A nova era da saúde mental nas empresas já começou. E como toda mudança estrutural, ela pode ser enfrentada com resistência ou com protagonismo. Quem escolher o segundo caminho não apenas estará em conformidade com a lei, estará também construindo vantagem competitiva.

Porque empresas saudáveis são feitas por pessoas saudáveis.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Tecnologia & inteligencia artificial
24 de setembro de 2025
A IA na educação já é realidade - e seu verdadeiro valor surge quando é usada com intencionalidade para transformar práticas pedagógicas e ampliar o potencial de aprendizagem.

Rafael Ferreira Mello - Pesquisador Sênior no CESAR

5 minutos min de leitura
Inovação
23 de setembro de 2025
Em um mercado onde donos centralizam decisões de P&D sem métricas críveis e diretores ignoram o design como ferramenta estratégica, Leme revela o paradoxo que trava nosso potencial: executivos querem inovar, mas faltam-lhes os frameworks mínimos para transformar criatividade em riqueza. Sua fala é um alerta para quem acredita que prêmios de design são conquistas isoladas – na verdade, eles são sintomas de ecossistemas maduros de inovação, nos quais o Brasil ainda patina.

Rodrigo Magnago

5 min de leitura
Inovação & estratégia, Liderança
22 de setembro de 2025
Engajar grandes líderes começa pela experiência: não é sobre o que sua marca oferece, mas sobre como ela faz cada cliente se sentir - com propósito, valor e conexão real.

Bruno Padredi - CEP da B2B Match

3 minutos min de leitura
Cultura organizacional, Liderança
19 de setembro de 2025
Descubra como uma gestão menos hierárquica e mais humanizada pode transformar a cultura organizacional.

Cristiano Zanetta - Empresário, palestrante TED e filantropo

0 min de leitura
Tecnologia & inteligencia artificial, Inovação & estratégia
19 de setembro de 2025
Sem engajamento real, a IA vira promessa não cumprida. A adoção eficaz começa quando as pessoas entendem, usam e confiam na tecnologia.

Leandro Mattos - Expert em neurociência da Singularity Brazil

3 minutos min de leitura
Cultura organizacional, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
17 de setembro de 2025
Ignorar o talento sênior não é só um erro cultural - é uma falha estratégica que pode custar caro em inovação, reputação e resultados.

João Roncati - Diretor da People + Strategy

3 minutos min de leitura
Inovação
16 de setembro de 2025
Enquanto concorrentes correm para lançar coleções sazonais inspiradas em tendências efêmeras, o Boticário demonstra que compreende um princípio fundamental: o verdadeiro valor do design não está na estética superficial, mas em sua capacidade de gerar impacto social e econômico simultaneamente. A linha Make B., vencedora do iF Design Award 2025, não é um produto de beleza – é um manifesto estratégico.

Magnago

4 minutos min de leitura
Cultura organizacional, Bem-estar & saúde, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
15 de setembro de 2025
O luto não pede licença - e também acontece dentro das empresas. Falar sobre dor é parte de construir uma cultura organizacional verdadeiramente humana e segura.

Virginia Planet - Sócia e consultora da House of Feelings

2 minutos min de leitura
Marketing & growth, Inovação & estratégia, Tecnologia & inteligencia artificial
12 de setembro de 2025
O futuro do varejo já está digitando na sua tela. O WhatsApp virou canal de vendas, atendimento e fidelização - e está redefinindo a experiência do consumidor brasileiro.

Leonardo Bruno Melo - Global head of sales da Connectly

4 minutos min de leitura
Liderança, Cultura organizacional, Inovação & estratégia, Tecnologia & inteligencia artificial
11 de setembro de 2025
Agilidade não é sobre seguir frameworks - é sobre gerar valor. Veja como OKRs e Team Topologies podem impulsionar times de produto sem virar mais uma camada de burocracia.

João Zanocelo - VP de Produto e Marketing e cofundador da BossaBox

3 minutos min de leitura