Empreendedorismo
0 min de leitura

Como fugir das armadilhas do pensamento reducionista nas organizações?

Macro ou micro reducionismo? O verdadeiro desafio das organizações está em equilibrar análise sistêmica e ação concreta – nem tudo se explica só pela cultura da empresa ou por comportamentos individuais
É Chief Scientific Officer na The Cynefin Co. Brazil e possui uma trajetória de pioneirismo com agilidade e complexidade. Teve trabalhos de grande destaque envolvendo a disciplina Agile Coaching, como a publicação do livro The Agile Coaching DNA, e introduzindo o conceito de plasticidade organizacional para comunidades e organizações. Na Austrália, esteve envolvido em iniciativas de transformação nas áreas financeira e de segurança civil, onde utilizou complexidade aplicada como base do seu trabalho. Mais recentemente foi Diretor de Business Agility para Americas da consultoria alemã GFT.

Compartilhar:

Resiliência, Calma felicidade

Quantas vezes você já ouviu frases como: “o problema é a nossa cultura aqui na empresa” ou “O nosso problema de performance é causado pelos comportamentos X e Y de Fulano e de Beltrano”?  Em ambos os casos, caímos nas tentadoras e perigosas heurísticas do macro e do micro reducionismo. Análises que levam a abstrações muito altas ou para aspectos muito específicos podem ser nocivos para a efetividade de ações voltadas à melhoria organizacional.

Em uma perspectiva geral, o reducionismo é uma abordagem focada na ideia de que as propriedades de um todo podem ser explicadas inteiramente a partir das propriedades de suas partes constituintes. Esse princípio implica na simplificação de fenômenos complexos ao reduzi-los a seus elementos fundamentais, seja em teorias científicas, análises conceituais, explicações sobre o mundo natural ou interpretações de significados e objetos. Embora útil em diversas disciplinas, o reducionismo pode, em alguns casos, ignorar aspectos emergentes que só se manifestam na interação entre as partes, limitando a compreensão da realidade.

A partir desse conceito base, podemos agora analisar as implicações do macro e do micro reducionismo nas organizações.

A luta entre o macro e o micro na forma como agimos

O macro reducionismo dentro das organizações refere-se a uma forma de pensar e agir que atribui os desafios, sucessos e falhas empresariais exclusivamente a fatores estruturais, ambientais ou institucionais, desconsiderando as dinâmicas internas, as interações entre indivíduos e a complexidade emergente do ambiente organizacional. Esse tipo de pensamento tende a adotar explicações deterministas e generalistas, ignorando que as organizações são sistemas adaptativos compostos por múltiplos níveis de interação.

Líderes com uma visão macro reducionista frequentemente atribuem seu desempenho a fatores externos, como condições econômicas, mudanças regulatórias ou tendências do setor. Essa abordagem impacta diretamente a tomada de decisão, a cultura organizacional, a gestão de pessoas e a capacidade de inovação, pois leva os gestores a enxergarem a empresa como um reflexo passivo de forças externas, em vez de um agente ativo capaz de moldar seu próprio ambiente.

Já o micro reducionismo dentro das organizações refere-se a uma abordagem que explica o funcionamento da empresa exclusivamente a partir de elementos individuais e muito particulares, como comportamentos de colaboradores, ações específicas de gestores ou decisões isoladas, sem considerar o impacto de fatores estruturais, culturais e sistêmicos. Esse pensamento fragmentado desconsidera a complexidade das interações organizacionais e a influência de elementos macroestruturais, levando a diagnósticos simplistas e estratégias ineficazes.

Enquanto o macro reducionismo foca excessivamente no ambiente externo, vendo a organização como um reflexo passivo de forças estruturais, o micro reducionismo enxerga a organização como um conjunto de ações individuais, ignorando como essas ações são influenciadas por sistemas mais amplos. Líderes com uma lente micro reducionista frequentemente explicam bons ou maus desempenhos focando exclusivamente em indivíduos específicos, sem considerar fatores organizacionais mais sistêmicos.

Nas organizações, trabalhar na granularidade adequada é essencial para que as ações sejam suficientemente tangíveis para gerar impacto, sem perder a visão sistêmica necessária para a transformação organizacional. Se a granularidade for excessiva (muito detalhada), a organização pode cair no micro reducionismo, focando em elementos isolados sem perceber padrões mais amplos. Se for insuficiente (muito abstrata), há o risco de macro reducionismo, onde decisões são baseadas em tendências superficiais e generalizações que ignoram as especificidades do contexto organizacional.

A origem do macro e do micro na forma como pensamos

Adotar um olhar macro ou micro reducionista não é fruto de um mero desleixo ou preferência intelectual. Trata-se de um fenômeno mais profundo e tem relação com como a informação é percebida e interpretada nas organizações. 

A granularidade da informação, que influencia a maneira como estratégias e ações organizacionais são implementadas, está diretamente ligada aos níveis de codificação e abstração de conhecimentos.

Codificação refere-se ao grau em que a informação pode ser estruturada, formalizada e representada de maneira sistemática. Informações altamente codificadas são padronizadas e fáceis de transmitir, enquanto informações pouco codificadas exigem experiência tácita para serem compreendidas.

Abstração diz respeito ao nível de generalização da informação. Informações abstratas são amplas, aplicáveis a múltiplos contextos, mas podem perder detalhes importantes. Já informações concretas são específicas, mas limitadas a um contexto particular. 

Ambos os níveis são importantes e necessários. O problema são os extremos: abstração excessiva pode gerar macro reducionismos pouco acionáveis, enquanto codificações exageradas podem levar à micro reducionismos pouco reutilizáveis e escaláveis.

Ajustar corretamente esses dois aspectos permite encontrar o nível ideal de granularidade para a tomada de decisão, evitando tanto o excesso de detalhe (micro reducionismo) quanto a excessiva generalização (macro reducionismo) das ações de gestores e líderes nas organizações.

Como resolver esse desafio?

A gestão da tensão entre abstração e codificação não é trivial. Assim como a vida está em constante transformação, uma organização, enquanto sistema vivo, está continuamente evoluindo. Dessa forma, as fronteiras entre o macro e o micro nem sempre são claras ou estáticas, pois o que é considerado um nível macro ou micro é altamente contextual dentro de uma organização. Nenhuma informação existe de forma isolada. Cada fragmento de conhecimento está interconectado com múltiplos outros elementos, tanto de maneira explícita quanto implícita. Como resultado, o significado de qualquer unidade de informação depende essencialmente do contexto ao qual está inserida.

Diante disso, a construção coletiva de significados, como proposta pela técnica de sense-making (ler mais detalhes nesse artigo),  torna-se um processo essencial para que uma a organização compreenda como utilizar os diferentes níveis de informação disponíveis.  Isso ocorre porque a fragmentação do conhecimento em pedaços menores ou a identificação de padrões e temas emergentes a partir de porções menores de informação é uma característica natural em processos de significação coletiva.

O nível adequado de granularidade se mostra quando há consenso sobre o que de fato é o problema e como podemos melhor agir de acordo com as informações disponíveis (leia mais sobre isso no artigo sobre affordances). Apenas por meio desse entendimento compartilhado é possível tomar decisões estratégicas e operacionais de forma eficaz, garantindo que a organização atue de maneira coerente e adaptável ao ambiente em que está inserida.

O que levamos disso para o nosso dia a dia nas empresas?

A alocação eficiente de recursos é crucial para organizações. Se um problema for analisado com granularidade excessiva, há um risco de consumir tempo e energia desnecessários em detalhes pouco impactantes. Se a abordagem for superficial, soluções ineficazes podem ser implementadas, gerando retrabalho e volatilidade das ações.

Mudanças organizacionais bem-sucedidas exigem que as soluções sejam práticas e escaláveis. Uma granularidade excessiva pode dificultar a implementação, pois exige ajustes constantes em pequenos detalhes. Já uma abordagem muito ampla pode gerar mudanças desconectadas da realidade operacional. Ajustar a granularidade conforme o problema permite priorizar esforços onde eles são mais necessários.

O nível adequado de granularidade também permite que mudanças sejam absorvidas progressivamente e sustentadas naturalmente ao longo do tempo. Por essa razão, atuar com a granularidade adequada de problemas e ações permite que as organizações equilibrem visão estratégica e execução tática, otimizem energia, adaptem-se à complexidade dos desafios e melhorem a tomada de decisão em seu cotidiano.

Compartilhar:

É Chief Scientific Officer na The Cynefin Co. Brazil e possui uma trajetória de pioneirismo com agilidade e complexidade. Teve trabalhos de grande destaque envolvendo a disciplina Agile Coaching, como a publicação do livro The Agile Coaching DNA, e introduzindo o conceito de plasticidade organizacional para comunidades e organizações. Na Austrália, esteve envolvido em iniciativas de transformação nas áreas financeira e de segurança civil, onde utilizou complexidade aplicada como base do seu trabalho. Mais recentemente foi Diretor de Business Agility para Americas da consultoria alemã GFT.

Artigos relacionados

Reputação sólida, ética líquida: o desafio da integridade no mundo corporativo

No mundo corporativo, reputação se constrói com narrativas, mas se sustenta com integridade real – e é justamente aí que muitas empresas tropeçam. É o momento de encarar os dilemas éticos que atravessam culturas organizacionais, revelando os riscos de valores líquidos e o custo invisível da incoerência entre discurso e prática.

Vivemos a reinvenção do CEO?

Está na hora de entender como o papel de CEO deixou de ser sinônimo de comando isolado para se tornar o epicentro de uma liderança adaptativa, colaborativa e guiada por propósito. A era do “chefão” dá lugar ao maestro estratégico que rege talentos diversos em um cenário de mudanças constantes.

Preparando-se para a liderança na Era da personalização

Liderar hoje exige muito mais do que seguir um currículo pré-formatado. O que faz sentido para um executivo pode não ressoar em nada para outro. A forma como aprendemos precisa acompanhar a velocidade das mudanças, os contextos individuais e a maturidade de cada trajetória profissional. Chegou a hora de parar de esperar por soluções genéricas – e começar a desenhar, com propósito, o que realmente nos prepara para liderar.

Cultura organizacional, ESG, Gestão de pessoas, Liderança, Marketing
5 de agosto de 2025
No mundo corporativo, reputação se constrói com narrativas, mas se sustenta com integridade real - e é justamente aí que muitas empresas tropeçam. É o momento de encarar os dilemas éticos que atravessam culturas organizacionais, revelando os riscos de valores líquidos e o custo invisível da incoerência entre discurso e prática.

Cristiano Zanetta

6 minutos min de leitura
Inteligência artificial e gestão, Estratégia e Execução, Transformação Digital, Gestão de pessoas
29 de julho de 2025
Adotar IA deixou de ser uma aposta e se tornou urgência competitiva - mas transformar intenção em prática exige bem mais do que ambição.

Vitor Maciel

3 minutos min de leitura
Carreira, Aprendizado, Desenvolvimento pessoal, Lifelong learning, Pessoas, Sociedade
27 de julho de 2025
"Tudo parecia perfeito… até que deixou de ser."

Lilian Cruz

5 minutos min de leitura
Inteligência Artificial, Gestão de pessoas, Tecnologia e inovação
28 de julho de 2025
A ascensão dos conselheiros de IA levanta uma pergunta incômoda: quem de fato está tomando as decisões?

Marcelo Murilo

8 minutos min de leitura
Liderança, Cultura organizacional, Liderança
25 de julho de 2025
Está na hora de entender como o papel de CEO deixou de ser sinônimo de comando isolado para se tornar o epicentro de uma liderança adaptativa, colaborativa e guiada por propósito. A era do “chefão” dá lugar ao maestro estratégico que rege talentos diversos em um cenário de mudanças constantes.

Bruno Padredi

2 minutos min de leitura
Desenvolvimento pessoal, Carreira, Carreira, Desenvolvimento pessoal
23 de julho de 2025
Liderar hoje exige muito mais do que seguir um currículo pré-formatado. O que faz sentido para um executivo pode não ressoar em nada para outro. A forma como aprendemos precisa acompanhar a velocidade das mudanças, os contextos individuais e a maturidade de cada trajetória profissional. Chegou a hora de parar de esperar por soluções genéricas - e começar a desenhar, com propósito, o que realmente nos prepara para liderar.

Rubens Pimentel

4 minutos min de leitura
Pessoas, Cultura organizacional, Gestão de pessoas, Liderança, times e cultura, Liderança, Gestão de Pessoas
23 de julho de 2025
Entre idades, estilos e velocidades, o que parece distância pode virar aprendizado. Quando escuta substitui julgamento e curiosidade toma o lugar da resistência, as gerações não competem - colaboram. É nessa troca sincera que nasce o que importa: respeito, inovação e crescimento mútuo.

Ricardo Pessoa

5 minutos min de leitura
Liderança, Marketing e vendas
22 de julho de 2025
Em um mercado saturado de soluções, o que diferencia é a história que você conta - e vive. Quando marcas e líderes investem em narrativas genuínas, construídas com propósito e coerência, não só geram valor: criam conexões reais. E nesse jogo, reputação vale mais que visibilidade.

Anna Luísa Beserra

5 minutos min de leitura
Tecnologia e inovação
15 de julho 2025
Em tempos de aceleração digital e inteligência artificial, este artigo propõe a literacia histórica como chave estratégica para líderes e organizações: compreender o passado torna-se essencial para interpretar o presente e construir futuros com profundidade, propósito e memória.

Anna Flávia Ribeiro

17 min de leitura
Inovação
15 de julho de 2025
Olhar para um MBA como perda de tempo é um ponto cego que tem gerado bastante eco ultimamente. Precisamos entender que, num mundo complexo, cada estudo constrói nossas perspectivas para os desafios cotidianos.

Frederike Mette e Paulo Robilloti

6 min de leitura