Dossiê HSM

Coragem para gerir pessoas

Com mais ofertas de valor, tangíveis e intangíveis, as empresas passam a reconhecer as pessoas como um dos seus principais diferenciais estratégicos de negócio

Compartilhar:

Se o objetivo de uma empresa é que a coragem esteja presente na cultura, certamente a área de recursos humanos – ou gestão de pessoas – terá intensa participação nessa tarefa. Por mais que os leitores de __HSM Management__ estejam cientes de que essa é uma área essencial dentro da estratégia das organizações, a realidade mostra que muitos RHs ainda cuidam de processos operacionais. Como as lideranças da área podem mudar e assumir seu papel de protagonistas na gestão de pessoas, apoiando a estratégia e a entrega de valor ao cliente?

Em busca de respostas, ouvimos dois profissionais reconhecidos do setor que, ao longo de suas carreiras, demonstraram coragem em diversos momentos: Andrea Oliveira, head Latam de RH da Sumitomo Chemical, e André Souza, CEO da consultoria Futuro S/A. Para ambos, falar sobre coragem nas organizações significa olhar para vários aspectos. Fizemos as mesmas perguntas aos dois; as respostas se complementam e trazem sugestões para os vários desafios que as áreas de gestão de pessoas enfrentam.

### No universo dos negócios, é comum ouvir histórias em que alguém precisou tomar uma atitude ousada para obter sucesso,mas esse tipo de coragem é incentivado nas empresas?
__Andrea Oliveira:__ Para mim, incentivar a ousadia sempre foi fundamental. Tive um chefe que reclamava: “ouvimos cada absurdo, não deveríamos deixar isso acontecer”, mas sempre fui muito aberta e criar esse espaço é importantíssimo.
Respondo a presidentes há muito tempo e sei que é importante chamar as lideranças para conversar. Claro que há líderes menos maduros que outros, mas prefiro dar esse espaço e desenvolver a liderança para que esteja mais preparada para ouvir.

__André Souza:__ Depende do perfil da empresa, aquelas que atuam em mercados ultradinâmicos, como em tecnologia, lidam com muita inovação e não têm para onde fugir senão contar com a colaboração de muita gente para dar ideias; as iniciativas não podem estar centradas em apenas um lugar.

As empresas tradicionais que se acostumaram com um modelo mais estável estão enfrentando desafios porque a coragem não era praticada, ela encontra resistência.

## O que os departamentos de RH devem fazer para incentivar a coragem nas empresas?
__Andrea Oliveira:__ A principal forma de incentivar qualquer coisa é dar o exemplo. Sempre dei espaço para os colaboradores e acabo sendo exemplo nesse sentido, este é o primeiro passo.

Além disso, nosso papel no RH é muito importante junto aos líderes para que entendam que, se não há espaço para conversar com as pessoas, eles nunca saberão o que está acontecendo nas áreas delas. É importante apresentar a eles os benefícios de um ambiente de escuta.

Outra forma é trabalhar na consolidação da cultura. Compramos uma outra empresa, maior que a nossa, há dois anos e precisamos construir uma relação de confiança mesmo sem a convivência, por causa da pandemia de covid-19. O jeito foi ouvir as pessoas por meio de pesquisas e de conversas.

Elegemos embaixadores da cultura – pessoas que os outros colaboradores podem procurar – que não são do RH nem gestores diretos. Apesar de as lideranças estarem disponíveis, é preciso oferecer canais alternativos porque isso vai fazer a pessoa perceber que realmente pode falar.

__André Souza:__ Do ponto de vista organizacional, é preciso conectar a estratégia ao que a empresa precisa. Se a estratégia do negócio precisa de inovação, é uma oportunidade gigante para criar um ambiente onde se pode arriscar e expor ideias.

O RH tem ótimos mecanismos para criar esses ambientes. É preciso pensar se a gestão de performance está valorizando e reconhecendo pessoas e comportamentos corajosos, dando autonomia para tomar decisões e arriscar.

Outro ponto é: estou considerando pessoas que promovam a coragem para que assumam posições de liderança? Estou recrutando quem tem esse DNA para trazer essa característica para a empresa?

Do ponto de vista individual, é preciso lembrar que nas organizações onde a coragem não foi praticada, as pessoas não sabem trabalhar de maneira ousada. O líder não sabe trabalhar com pessoas que desafiam o status quo, questionam o que não faz sentido e sugerem soluções.

### A abordagem com C-levels é diferente?
__Andrea Oliveira:__ Ela exige coragem de mim e dos meus colegas. O RH precisa estar muito junto da liderança para poder dizer que algo não foi legal e que algum tipo de comentário pode fechar canais com os colaboradores. É preciso falar de uma forma que faça sentido para a outra pessoa.

Vamos criar um ambiente melhor com essas conversas, com mais resultados para a organização. Toda vez que dou algum toque é com o objetivo de fazer algo funcionar melhor. Já aconteceu de a pessoa não achar que seria o melhor, e está tudo bem.

Prefiro ser desligada por falar algo que a pessoa não gostou do que me omitir e não falar. É claro que devemos aprender a fazer isso, falando no lugar certo e da maneira correta para não correr o risco de deixar de influenciar aquela pessoa.

__André Souza:__ Sempre há um interesse quando vamos abordar um profissional. CEOs, por exemplo, estão mais preocupados com o impacto na organização como um todo, enquanto um diretor se preocupa com sua área e os colaboradores do departamento se preocupam mais com suas posições do que com a empresa como um todo. É preciso saber trabalhar com esses interesses.

### Como fazer feedback e qual a importância dessa ferramenta em uma empresa que quer ter a coragem como parte de sua cultura?
__Andrea Oliveira:__ Esse é o calcanhar de Aquiles em gestão de pessoas, mas na Sumitomo dizemos que o feedback é um presente para um funcionário, já que a ideia é colocar uma lupa em algo que talvez ele não esteja vendo. Mostrar um erro e construir junto em cima disso, em parceria, já que talvez o colaborador não saiba como fazer diferente.

Fazemos o feedback e o feedforward. No primeiro, mostramos o que aconteceu e quais os impactos daquela atitude. Porém, só falar não adianta. Precisamos construir sobre como fazer diferente e sugerir soluções.

__André Souza:__ A importância de fazer feedback é máxima. Pesquisas mostram que quanto mais frequentes os feedbacks, maior tende a ser o engajamento do profissional, porque ele sente que tem alguém próximo para apoiar e ajudar a resolver problemas.

Muita gente associa o feedback a algo negativo, pensando em correção, mas tem o lado de reforço de comportamentos. Se quero incentivar a coragem na minha equipe, posso promover isso rapidamente quando algum profissional toma uma atitude corajosa numa reunião para propor uma solução ou questionar. Posso parabenizá-lo naquele momento, reforçando aquele comportamento e aquilo passa a ser valorizado.

### A cultura de curto prazo pode ser nociva para uma empresa. Como o RH pode incentivar os colaboradores a pensarem no longo prazo?
__Andrea Oliveira:__ Hoje tenho o privilégio de trabalhar numa empresa com uma cultura de longo prazo. Desenvolver essa cultura é fundamental porque precisamos pensar hoje nos impactos que serão observados amanhã.

Pensar no curto prazo não é errado, o erro é focar nisso a qualquer custo. O RH trabalha de acordo com a cultura e contexto da organização. Se o negócio está sendo engolido pela tecnologia, precisa pensar em inovação, mas também tem de entregar resultados no fim do ano. É preciso ter equilíbrio.

__André Souza:__ Para desenvolver essa cultura de longo prazo, é preciso lembrar que nem todo líder foi treinado para pensar assim. No início da carreira os colaboradores são promovidos por causa da execução, então não se acostumam a traçar estratégias de longo prazo. Se não treino essa capacidade em quem está começando, a pessoa vai carregar esse vício por toda a carreira.

É preciso pensar no que é um profissional de alta performance e criar mecanismos que deixem muito claro que valorizo profissionais que equilibram curto e longo prazo. Se isso for crítico para o sucesso da empresa, pode ser um fator para promover – ou não – uma pessoa.

### Colaboradores também precisam de coragem para gerenciar suas carreiras. Como os profissionais de RH podem contribuir nessa gestão?
__Andrea Oliveira:__ Tenho 30 anos de RH e posso dizer que essa conversa mudou muito. Antes, parecia que a carreira não estava na mão da pessoa, e colaboradores cobravam da empresa um plano de carreira.

Hoje, entregamos uma trilha de carreira, com algumas opções, o plano é seu. Dizemos quais competências a pessoa precisa para ser promovida, para ir para as áreas de marketing, vendas ou pesquisa. Você escolhe, a empresa não vai lhe dizer o que fazer.

As novas gerações já não têm essa expectativa de que a empresa entregue um plano de carreira, mas hoje convivemos com quatro gerações diferentes nas organizações e tem gente que gosta disso, enquanto outros não curtem e vão embora. É claro que vamos trabalhar a retenção dos funcionários, mas a escolha de ficar ou sair é da pessoa.

__André Souza:__ As pessoas têm assumido o papel de protagonismo nas próprias carreiras, não à toa tivemos um aumento no número de pedidos de demissão. O RH pode contribuir na gestão de carreiras deixando claro para os profissionais que antes víamos como uma linha vertical de carreira hoje virou uma trilha. RH tem o papel de mostrar para os funcionários que a trilha é construída pelo próprio profissional. As empresas são um mar de oportunidades para quem quer aprender e colocar seu talento em ação.

É preciso ainda preparar a liderança para ter coragem de conversar sobre esse tema e criar relações de confiança para essas conversas. Ainda temos líderes que tentam blindar bons profissionais com medo de perdê-los. Precisamos ter planos de sucessão ou arriscaremos perder colaboradores de alta performance.

### Incentivar a mudança de área dentro da própria empresa é um bom caminho?
__Andrea Oliveira:__ Estudei psicologia positiva e neurociência, que explicam que quanto mais estou onde quero estar, melhor executo minha função. É preciso promover conversas entre líderes e seus liderados para perguntar se estão gostando de suas funções e se enxergam outras oportunidades dentro da empresa.

O primeiro passo é conversar, não dá para deixar de perguntar só porque não tem onde colocar a pessoa. A conversa vai fazer o profissional se sentir acolhido e gerar autoconhecimento. Se não tem onde colocar, dá um projeto na mão dessa pessoa para experimentar algo, pergunte o que a pessoa acha que deve ser feito, colocando a responsabilidade sobre ela também.

É uma tarefa difícil porque somos engolidos pelo curto prazo, mas atitudes assim são fundamentais para a felicidade nas empresas.

__André Souza:__ Empresas que não fazem isso correm um risco gigante de perder talentos. As pessoas vão se descobrindo ao longo da jornada profissional e podem querer experimentar novas áreas.

Para dar essas oportunidades, não precisa mudar a pessoa de cargo, basta inserir o profissional em projetos multidisciplinares e dar problemas para solucionar. Usar problemas que já existem na empresa para gerar oportunidades é uma ferramenta de engajamento.

__Leia mais: [Dois líderes e suas histórias de coragem](https://www.revistahsm.com.br/post/dois-lideres-e-suas-historias-de-coragem)__

Compartilhar:

Artigos relacionados

Quando o colaborador é o problema

Ambientes tóxicos nem sempre vêm da cultura – às vezes, vêm de uma única pessoa. Entenda como identificar e conter comportamentos silenciosos que desestabilizam equipes e ameaçam a saúde organizacional.

Inteligência artificial e gestão, Estratégia e Execução, Transformação Digital, Gestão de pessoas
29 de julho de 2025
Adotar IA deixou de ser uma aposta e se tornou urgência competitiva - mas transformar intenção em prática exige bem mais do que ambição.

Vitor Maciel

3 minutos min de leitura
Carreira, Aprendizado, Desenvolvimento pessoal, Lifelong learning, Pessoas, Sociedade
27 de julho de 2025
"Tudo parecia perfeito… até que deixou de ser."

Lilian Cruz

5 minutos min de leitura
Inteligência Artificial, Gestão de pessoas, Tecnologia e inovação
28 de julho de 2025
A ascensão dos conselheiros de IA levanta uma pergunta incômoda: quem de fato está tomando as decisões?

Marcelo Murilo

8 minutos min de leitura
Liderança, Cultura organizacional, Liderança
25 de julho de 2025
Está na hora de entender como o papel de CEO deixou de ser sinônimo de comando isolado para se tornar o epicentro de uma liderança adaptativa, colaborativa e guiada por propósito. A era do “chefão” dá lugar ao maestro estratégico que rege talentos diversos em um cenário de mudanças constantes.

Bruno Padredi

2 minutos min de leitura
Desenvolvimento pessoal, Carreira, Carreira, Desenvolvimento pessoal
23 de julho de 2025
Liderar hoje exige muito mais do que seguir um currículo pré-formatado. O que faz sentido para um executivo pode não ressoar em nada para outro. A forma como aprendemos precisa acompanhar a velocidade das mudanças, os contextos individuais e a maturidade de cada trajetória profissional. Chegou a hora de parar de esperar por soluções genéricas - e começar a desenhar, com propósito, o que realmente nos prepara para liderar.

Rubens Pimentel

4 minutos min de leitura
Pessoas, Cultura organizacional, Gestão de pessoas, Liderança, times e cultura, Liderança, Gestão de Pessoas
23 de julho de 2025
Entre idades, estilos e velocidades, o que parece distância pode virar aprendizado. Quando escuta substitui julgamento e curiosidade toma o lugar da resistência, as gerações não competem - colaboram. É nessa troca sincera que nasce o que importa: respeito, inovação e crescimento mútuo.

Ricardo Pessoa

5 minutos min de leitura
Liderança, Marketing e vendas
22 de julho de 2025
Em um mercado saturado de soluções, o que diferencia é a história que você conta - e vive. Quando marcas e líderes investem em narrativas genuínas, construídas com propósito e coerência, não só geram valor: criam conexões reais. E nesse jogo, reputação vale mais que visibilidade.

Anna Luísa Beserra

5 minutos min de leitura
Tecnologia e inovação
15 de julho 2025
Em tempos de aceleração digital e inteligência artificial, este artigo propõe a literacia histórica como chave estratégica para líderes e organizações: compreender o passado torna-se essencial para interpretar o presente e construir futuros com profundidade, propósito e memória.

Anna Flávia Ribeiro

17 min de leitura
Inovação
15 de julho de 2025
Olhar para um MBA como perda de tempo é um ponto cego que tem gerado bastante eco ultimamente. Precisamos entender que, num mundo complexo, cada estudo constrói nossas perspectivas para os desafios cotidianos.

Frederike Mette e Paulo Robilloti

6 min de leitura
User Experience, UX
Na era da indústria 5.0, priorizar as necessidades das pessoas aos objetivos do negócio ganha ainda mais relevância

GEP Worldwide - Manoella Oliveira

9 min de leitura