Estratégia e Execução

Eficiência organizacional começa por desburocratizar

Executivos desperdiçam 70% de seu tempo em atividades de reporte e reuniões improdutivas, gerenciando suas equipes só 30% do tempo; a oportunidade para ganhos nessa frente é enorme

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OBrasil é conhecido por sua intensa burocracia na esfera pública. Costumamos reclamar dos impactos e das restrições impostas por essa ineficiência a nossa capacidade empreendedora, como leis trabalhistas complicadas ou sistema tributário incompreensível. Porém, se olharmos para dentro de nossas empresas, encontraremos também muita burocracia. Alguns de seus sintomas mais comuns são: 

•  Processos desnecessários ou mais lentos do que o habitual para produzir resultados. 

•  Fragmentação de responsabilidades, hierarquias densas. 

•  Formalidade excessiva, fazendo com que decisões de aparência simples exijam múltiplas aprovações. 

•  Avalanche de pedidos de informação (geralmente não coordenados). 

• Clientes (internos ou externos) frustrados. 

•  Equipes desmotivadas, sem legítima convicção de que contribuem de fato com algo útil – o que frequentemente é interpretado por funcionários recém-contratados como um “choque de culturas” . 

Se você observa alguns desses sintomas em sua organização, tenha certeza de que não é um caso isolado!

Burocracia corporativa é um fenômeno amplo, que afeta empresas do mundo inteiro. Em nossa experiência, não é raro ver executivos desperdiçarem 40% de seu tempo em atividades de reporte e outros 30% em reuniões de coordenação relativamente improdutivas. Ao final, apenas 30% do tempo está disponível para, de fato, gerenciarem suas equipes. Seria apenas engraçado, se não fosse lamentável: o acúmulo de regras, processos, métricas e controles corporativos tem graves impactos negativos. Primeiramente (e de maneira mais visível micro e macroeconomicamente), esse acúmulo drena a produtividade. No entanto, ele também cria desengajamento, sofrimento dos funcionários e frustração dos clientes ou fornecedores (isso se você ainda tiver tempo para ouvi-los). 

**COMO NASCE A BUROCRACIA**

É importante reconhecer que muitos vícios burocráticos nascem de boas intenções. Uma pessoa tenta resolver questões práticas sobre “como fazer as coisas” maximizando a objetividade dos processos e minimizando os riscos associados à variação das respostas dos envolvidos e, de repente, essas regras viram uma burocracia.

> **TERCEIRIZAÇÃO DO BACK-OFFICE**
>
> No mundo todo, aproximadamente duas em cada cinco empresas recorrem ao outsourcing de processos internos (back-office), a fim de reduzir seus custos, aumentar sua eficiência e garantir conformidades em seus processos. Uma pesquisa publicada pela Grant Thornton em 2015, com mais de 2 mil empresários em 36 setores de atividade, revelou que, no Brasil, 49% dos empresários já terceirizaram algum processo de back-office em suas empresas, com destaque para a terceirização em áreas como a contábil, a financeira, a fiscal e a de folha de pagamento. Em um cenário econômico de incerteza, em que os investimentos estão retidos e a otimização de custo é fator fundamental para sustentar o crescimento das organizações, a tendência ao outsourcing deve só se ampliar. O apelo é grande: experiência mostra que a economia gerada logo na fase inicial de implantação chega a 25%. Em termos de eficiência operacional, é possível uma melhoria de 15%, também nas primeiras etapas. Um departamento contábil interno, por exemplo, tem alto custo de manutenção, pois requer investimento constante em mão de obra qualificada, tecnologia e atualização profissional da equipe. Além disso, a estrutura fica comprometida em caso de absenteísmo de profissionais da área. Também é muito suscetível a uma série de riscos, já que erros em entregas fiscais, contábeis e trabalhistas podem gerar graves complicações com os órgãos competentes. Há dois modelos de terceirização: o de contratar serviços de outsourcing e o que é conhecido pela sigla BPO. O primeiro trata da completa terceirização contábil, e o segundo, apenas da automatização do processo contábil. Com o parceiro adequado em qualquer modelo, a empresa fica mais leve, mantém-se em compliance com suas obrigações e pode focar a atividade-fim para voltar a crescer.
>
>
> por ANTONIEL SILVA, 
>
> líder da área de BPO da Grant Thornton Brasil

Para tanto, usam-se “técnicas de gestão” tradicionalmente apoiadas em estruturas, processos, regras, métricas, scorecards etc. O problema é que o mundo atual está cada vez mais complexo e requer crescente adaptação – isto é, resposta a demandas contraditórias, como compliance versus velocidade, escala versus customização, custo inicial versus valor ao longo do tempo e sustentabilidade. Para integrar tais demandas e corrigir as insuficiências observadas no funcionamento cotidiano, a tentação de criar mais regras e indicadores é enorme. E, ao fazermos isso, levamos a organização a evoluir, aos poucos, com base em suas restrições internas, e não mais em sua missão. 

Pronto: nascem os vários “círculos viciosos” da burocracia. A proliferação de regras e a fragmentação da empresa tendem a diminuir a responsabilidade dos funcionários; torna-se mais fácil esconder-se atrás de uma regra ou culpar outras “caixinhas” da organização por uma falha ou demora de processo. 

Regras também reduzem o espaço de manobra e tiram o poder da hierarquia: como tomar decisões de real valor agregado se existe sempre o risco de não cumprir uma das múltiplas (e às vezes contraditórias) regras? No limite, cria-se uma situação de “dependência invertida” dos gestores em relação a suas equipes, que podem sempre invocar alguma regra ou processo para justificar suas ações (ou falta de).

Por fim, regras removem os incentivos da verdadeira cooperação entre os agentes, já que cooperar exige que olhemos além de nossos objetivos e restrições e nos coloquemos no lugar do outro para realmente ajudá-lo. Para compensar a queda de responsabilidade e engajamento e contornar a falta de cooperação, consomem-se mais recursos (pessoas, tempo, equipamentos, estoque ou capital de giro) a fim de obter os mesmos resultados, se não piores. 

Às vezes, pretende-se combater o mal por seus sintomas, com iniciativas de “mudança cultural” e motivação para reverter a produtividade baixa. Não funciona. Elas são recebidas – merecidamente – com desconfiança. É preciso atacar a causa da ineficiência organizacional: a burocracia. COMO ACABAR COM A BUROCRACIA? Em nossa experiência, quatro medidas reduzem significativamente a burocracia, com efeitos visíveis em produtividade e engajamento. São transformações que exigem mudança na forma de olhar a organização e o “desaprendizado” de técnicas de gestão tradicionais: 

1.  É necessário entender o problema. Quais são os principais sintomas de burocracia, que penalizam a produtividade e desengajam as pessoas? Quais são suas causas nos comportamentos (emergentes das diversas partes da organização e individuais dos agentes)? É necessário entender o que as pessoas realmente fazem em seu dia a dia e quais elementos do contexto (objetivos, recursos, restrições) as levam a agir assim. 

2. É necessário resgatar a missão da empresa. Como podemos focar o que realmente importa, com esforço mínimo, para de fato agregar valor? Deve-se recorrer a um pensamento “base zero”, e não apenas marginal. É preciso ancorar-se em algumas (poucas, mas importantes) metas essenciais, holísticas e ambiciosas, em dimensões como segurança e sustentabilidade, satisfação dos clientes e funcionários, valor aos acionistas. 

3.  É necessário aumentar o poder dos gestores, o que se faz de quatro maneiras: 

• Simplificando as estruturas, reduzindo camadas organizacionais e aumentando o número de reportes (span of control) – ou seja, restaurando o papel do gestor. 

•  Integrando, sempre que possível, as demandas contraditórias do mercado nos níveis mais baixos da organização e removendo as restrições que elas induzem no dia a dia dos gestores. 

•  Aumentando constantemente o poder das estruturas existentes (em vez de criar outras). 

•  Identificando e reforçando (sem complicar a estrutura) figuras de integradores: agentes que tenham poder e interesse para fazer a cooperação acontecer, sem adicionar mais burocracia. 

4.  É necessário criar mecanismos de feedback, para que a autonomia reconquistada se transforme em comportamentos valiosos. Como? 

•  Estendendo efeitos de reciprocidade entre os agentes – criando sistemas de feedbacks imediatos que façam as pessoas cooperarem, ao perseguirem “objetivos ricos” (individuais, coletivos e mistos). 

•  Desdobrando a “sombra do futuro”, expondo as pessoas já às futuras consequências de suas ações (por exemplo, por meio de reuniões de avanço, planos de carreira, remuneração ou promoções). 

•  Recompensando a cooperação. Como Jorgen Vig Knudstorp, CEO da Lego, costuma dizer, “a culpa não está em fracassar; está em não ajudar ou não pedir ajuda”. 5.  É necessário usar símbolos – visíveis e exemplares – no topo da organização. 

•  Rejeitando soluções complicadas e hierarquias excessivas, cortando sinais de burocracia. 

•  Pondo ostensivamente metas primordiais como critérios-chave de decisão no topo. 

•  Adotando princípios de funcionamento virtuosos e conhecidos por todos no dia a dia, como a melhor condução de reuniões, a tomada de decisão e a gestão de projetos eficientes – sem deixar que esses princípios se tornem regras burocráticas.(Exemplos comuns  são não convidar mais que sete pessoas para uma reunião ou não ter mais que dois responsáveis pelo mesmo projeto.) 

> **REVERTENDO O OVERMANAGEMENT**
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> Com a ascendente demanda durante os anos de alto crescimento do Brasil, muitas empresas contrataram gestores e outros profissionais sem se preocupar muito com a forma como eles estavam organizados. Prestaram atenção insuficiente a suas estruturas de gestão, resultando em camadas redundantes e qualidade inferior de controle. Um quadro de funcionários ideal depende da função e da presença geográfica da empresa, entre outros fatores, mas, em uma organização eficiente, o gerente típico pode ter de seis a dez subordinados – ou até mais. No entanto, em um número surpreendente de casos no Brasil, os gestores possuem menos de três funcionários subordinados a eles. Em um departamento de recursos humanos, por exemplo, a única responsabilidade de um gerente pode ser supervisionar um funcionário responsável por remuneração, enquanto outro gerente supervisiona um funcionário que processa benefícios. Esse tipo de arranjo não só é custoso, como também prejudica a iniciativa pessoal que uma organização dinâmica requer. 
>
> No atual ambiente, as empresas precisam podar a ineficiência de suas estruturas de gestão se elas pretendem alcançar ganhos sustentáveis de produtividade. Um bom exemplo disso é de uma grande empresa brasileira de bens de consumo que aproveitou a crise para analisar sua estrutura organizacional e descobriu que, de seus 650 gestores, mais de 50% tinham quatro ou menos subordinados respondendo a eles – um nível comumente referido como overmanagement; mais de 90 tinham apenas um subordinado. 
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> Vendo esse cenário, a empresa realizou uma extensa reorganização. Reduziu as camadas de gerenciamento de onze para sete e as equipes com quatro funcionários ou menos se limitaram a 23% do todo. Em resultado, os custos foram cortados e a eficiência organizacional melhorou muito.
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> por MASAO UKON, sócio do Boston Consulting Group (BCG) no Brasil.

**O “JEITINHO” BRASILEIRO**

Em um ambiente de estagnação ou crise, reduzir a burocracia é uma das alavancas mais poderosas que os gestores têm para ganhar produtividade e criar valor. 

No Brasil, muitas empresas possuem uma cultura de controle e burocracia – em parte, espelhando seu ambiente externo (esfera pública, particularmente o sistema tributário e os reguladores); em parte, por preocupação com compliance. Porém a mesma cultura brasileira também apresenta alguns traços muito favoráveis à simplificação dos processos e das organizações: flexibilidade e capacidade de ajuste, empatia e facilidade para cooperar, tolerância à ambiguidade etc. 

O “jeitinho” brasileiro, apesar de suas conotações negativas, pode ser uma poderosa vantagem para evitar que a crescente complexidade do ambiente externo das empresas se traduza em complicação em seu ambiente interno. 

Muitos exemplos nos mostram que burocracia não é uma fatalidade: algumas companhias brasileiras operam com nível baixo de burocracia, apesar de atuarem em setores em que normas e regras são essenciais por questões de segurança. Temos outros casos de empresas multinacionais pouco burocráticas, mesmo lidando com complexas matrizes de produtos, marcas, mercados e canais. 

O portfólio diversificado de negócios não impede que muitos grupos familiares mantenham uma cultura pouco burocrática também, incluindo os profissionalizados. Certamente há muito a fazer, até para melhorar o ambiente externo. Mas temos maneiras de começar essa revolução “de dentro para fora” nas empresas e aos poucos ir vencendo o monstro burocrático.

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