Cultura organizacional, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
5 minutos min de leitura

Empresas se acham inclusivas só porque contratam pessoas com deficiência, mas não são!

Incluir é mais do que contratar - é construir trajetórias. Sem estratégia, dados e cultura de cuidado, a inclusão de pessoas com deficiência segue sendo apenas discurso.
CEO e fundadora do Grupo Talento Incluir.

Compartilhar:


Muitas empresas acreditam que são inclusivas apenas porque contratam pessoas com deficiência. Mas, na prática, se esquecem do essencial: oferecer oportunidades reais de desenvolvimento e crescimento profissional. Essa falsa sensação de inclusão, limitada à entrada, mas sem estratégia para planejar a trajetória da pessoa com deficiência que acaba de ingressar na empresa é uma das principais razões pelas quais essas carreiras ficam estagnadas.

A pesquisa “Radar da Inclusão: mapeando a empregabilidade de Pessoas com Deficiência”, realizada pela Talento Incluir, Instituto Locomotiva, Pacto Global e iO Diversidade, deixa isso evidente: 63% dos entrevistados nunca receberam uma promoção, mesmo estando há mais de três anos na mesma empresa.

Recentemente, em uma conversa com um CEO de uma empresa renomada, com mais ou menos 500 pessoas colaboradoras, refletíamos se a diretoria conhece as pessoas que estão há muitos anos na empresa. Propus a ele uma dinâmica que foi reveladora. Com seu aval, solicitei para as pessoas de RH que me preparassem alguns indicadores.

A empresa tinha 13 pessoas com deficiência contratadas e descobrimos com pouco tempo de análise que todas estavam ‘estacionadas’ nas suas carreiras. Um dos casos mais graves foi o de uma mulher com deficiência que está há 20 anos na empresa e teve apenas uma única promoção.

Ao revelar este caso para a diretoria escancaramos a real inclusão praticada na empresa: bem inferior ao que imaginavam. Todas as pessoas da sala ficaram estarrecidas. Eles valorizavam aquela profissional, elogiavam seu trabalho, mas nunca tinham se dado conta de que ela estava “parada” na carreira. O mesmo choque ocorreu com a revelação dos demais dados apurados. Isso acontece porque falta consciência e indicador. Sem medir, acompanhar e analisar dados, a inclusão não passa do discurso.

Esse é um retrato comum: empresas confundem cumprir cotas legais com serem inclusivas, mas inclusão de verdade exige desenvolvimento, promoção, equidade e acessibilidade.

Mas, o que faz uma pessoa com deficiência permanecer numa empresa por 20 anos com uma única promoção ou nenhuma? Aí vale a gente explicar a questão da ambição de carreira, que é muito diferente a das pessoas sem deficiência.

A culpa é mais uma vez do capacitismo estrutural. A gente convive com o capacitismo estrutural desde quando entra na escola. Uma pessoa com deficiência não ver uma profissional com a mesma deficiência ascender em sua carreira, também não vai sentir que aquele pode ser seu lugar. Ela não vai sonhar com esse lugar. Aí, ela está numa empresa que dá a ela um status com o qual ela nunca nem sonhou na vida. Evidentemente se acomoda.

Não ter exemplos de profissionais com deficiência em cargos de liderança faz com que muitas pessoas não se vejam nesses lugares. Se não há referências de ascensão, o sonho se torna pequeno e, muitas vezes, a permanência em uma empresa renomada já parece uma conquista além do esperado.

Não é falta de capacidade ou de ambição individual e sim falta de estruturas que ofereçam caminhos de ascensão profissional. Injustamente, a pessoa com deficiência é culpabilizada por não buscar protagonismo ou de não ser produtiva o suficiente.

Ainda sobre a pesquisa Radar da Inclusão, o dado mais chocante mostra que 9 em cada 10 pessoas com deficiência já enfrentaram situações de capacitismo no trabalho. E pasmem, 4 em cada 10 pessoas respondentes que relataram à empresa terem sido vítimas de capacitismo no trabalho não se sentiram acolhidas.

Entre os que não relataram as agressões às empresas, principais motivos foram:  medo de demissão ou retaliação (38%), porque achavam que não daria em nada (29%), porque acharam que não era necessário (12%), por vergonha (10%) e por outros motivos (11%). Essa pressão constante gera insegurança e desgaste emocional, comprometendo a produtividade e a saúde mental.

Não é que as pessoas com deficiência não estão capacitadas para entregar resultados. É que nós gastamos muita energia extra apenas para provar que somos capazes, implorar por validação e lidar com ambientes que não estão prontos para nos reconhecer plenamente.

Se querem realmente ser inclusivas, as empresas precisam ir além da contratação. É necessário agir de forma intencional em quatro pilares:

  • Estratégia: estabelecer metas de contratação e promoção e com ações afirmativas intencionais. Um exemplo que costumo usar para obter bons indicadores de inclusão é mapear:
    • Percentual de pessoas com deficiência contratadas
    • Percentual de pessoas com deficiência promovidas
    • Percentual de pessoas com deficiência em cargos de liderança
    • Percentual de denúncias
    • Percentual de denúncias resolvidas
    • Percentual de pessoas alcançadas pelas ações de letramento
  • Cultura: investir em letramento, criar metas de pessoas com deficiência desenvolvidas nas ações de letramento oferecidas, por exemplo, saber quantas pessoas colaboradoras estão participando. Também é imprescindível formalizar canal de denúncia para que sejam acolhedores com os desafios impostos por falta de acessibilidade, por capacitismo, por impactos na saúde emocional da pessoa com deficiência. É preparar o conhecimento de todas as pessoas da empresa para que tenham esse caminho para recorrer;
  • Acessibilidade: mapear as dimensões estrutural, digital, metodológica e comunicacional para garantir condições equânimes de trabalho;
  • Carreira: eliminar lacunas de promoção, estimular desenvolvimento e capacitação e colocar a saúde emocional das pessoas no radar. Um exemplo é criar programas de mentoria, capacitação e aceleração profissional, além de acompanhamento da saúde emocional.

Sem esses movimentos, a falsa sensação de inclusão seguirá sendo a regra. Empresas que apenas contratam, mas não desenvolvem, condenam suas pessoas com deficiência a carreiras estacionadas. Ao fazer isso, não apenas desperdiçam talentos, como também perpetuam a exclusão que juram contrapor.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Homo confusus no trabalho: Liderança, negociação e comunicação em tempos de incerteza

Em um mundo sem mapas claros, o profissional do século 21 não precisa ter todas as respostas – mas sim coragem para sustentar as perguntas certas.
Neste artigo, exploramos o surgimento do homo confusus, o novo ser humano do trabalho, e como habilidades como liderança, negociação e comunicação intercultural se tornam condições de sobrevivência em tempos de ambiguidade, sobrecarga informacional e transformações profundas nas relações profissionais.

Cultura organizacional, Inovação & estratégia
25 de outubro de 2025
Em empresas de capital intensivo, inovar exige mais do que orçamento - exige uma cultura que valorize a ambidestria e desafie o culto ao curto prazo.

Atila Persici Filho e Tabatha Fonseca

17 minutos min de leitura
Inovação & estratégia
24 de outubro de 2025
Grandes ideias não falham por falta de potencial - falham por falta de método. Inovar é transformar o acaso em oportunidade com observação, ação e escala.

Priscila Alcântara e Diego Souza

6 minutos min de leitura
Cultura organizacional, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
23 de outubro de 2025
Alta performance não nasce do excesso - nasce do equilíbrio entre metas desafiadoras e respeito à saúde de quem entrega os resultados.

Rennan Vilar - Diretor de Pessoas e Cultura do Grupo TODOS Internacional.

4 minutos min de leitura
Uncategorized
22 de outubro de 2025
No setor de telecom, crescer sozinho tem limite - o futuro está nas parcerias que respeitam o legado e ampliam o potencial dos empreendedores locais.

Ana Flavia Martins - Diretora executiva de franquias da Algar

4 minutos min de leitura
Marketing & growth
21 de outubro de 2025
O maior risco do seu negócio pode estar no preço que você mesmo definiu. E copiar o preço do concorrente pode ser o atalho mais rápido para o prejuízo.

Alexandre Costa - Fundador do grupo Attitude Pricing (Comunidade Brasileira de Profissionais de Pricing)

5 minutos min de leitura
Bem-estar & saúde
20 de outubro de 2025
Nenhuma equipe se torna de alta performance sem segurança psicológica. Por isso, estabelecer segurança psicológica não significa evitar conflitos ou suavizar conversas difíceis, mas sim criar uma cultura em que o debate seja aberto e respeitoso.

Marília Tosetto - Diretora de Talent Management na Blip

4 minutos min de leitura
Inovação & estratégia, Marketing & growth
17 de outubro de 2025
No Brasil, quem não regionaliza a inovação está falando com o país certo na língua errada - e perdendo mercado para quem entende o jogo das parcerias.

Rafael Silva - Head de Parcerias e Alianças na Lecom

3 minutos min de leitura
Bem-estar & saúde, Tecnologia & inteligencia artificial
16 de outubro de 2025
A saúde corporativa está em colapso silencioso - e quem não usar dados para antecipar vai continuar apagando incêndios.

Murilo Wadt - Cofundador e diretor geral da HealthBit

3 minutos min de leitura
Bem-estar & saúde
15 de outubro de 2025
Cuidar da saúde mental virou pauta urgente - nas empresas, nas escolas, nas nossas casas. Em um mundo acelerado e hiperexposto, desacelerar virou ato de coragem.

Viviane Mansi - Conselheira de empresas, mentora e professora

3 minutos min de leitura
Marketing & growth
14 de outubro de 2025
Se 90% da decisão de compra acontece antes do primeiro contato, por que seu time ainda espera o cliente bater na porta?

Mari Genovez - CEO da Matchez

3 minutos min de leitura

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #169

TECNOLOGIAS MADE IN BRASIL

Não perdemos todos os bondes; saiba onde, como e por que temos grandes oportunidades de sucesso (se soubermos gerenciar)

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #169

TECNOLOGIAS MADE IN BRASIL

Não perdemos todos os bondes; saiba onde, como e por que temos grandes oportunidades de sucesso (se soubermos gerenciar)