Muitas empresas acreditam que são inclusivas apenas porque contratam pessoas com deficiência. Mas, na prática, se esquecem do essencial: oferecer oportunidades reais de desenvolvimento e crescimento profissional. Essa falsa sensação de inclusão, limitada à entrada, mas sem estratégia para planejar a trajetória da pessoa com deficiência que acaba de ingressar na empresa é uma das principais razões pelas quais essas carreiras ficam estagnadas.
A pesquisa “Radar da Inclusão: mapeando a empregabilidade de Pessoas com Deficiência”, realizada pela Talento Incluir, Instituto Locomotiva, Pacto Global e iO Diversidade, deixa isso evidente: 63% dos entrevistados nunca receberam uma promoção, mesmo estando há mais de três anos na mesma empresa.
Recentemente, em uma conversa com um CEO de uma empresa renomada, com mais ou menos 500 pessoas colaboradoras, refletíamos se a diretoria conhece as pessoas que estão há muitos anos na empresa. Propus a ele uma dinâmica que foi reveladora. Com seu aval, solicitei para as pessoas de RH que me preparassem alguns indicadores.
A empresa tinha 13 pessoas com deficiência contratadas e descobrimos com pouco tempo de análise que todas estavam ‘estacionadas’ nas suas carreiras. Um dos casos mais graves foi o de uma mulher com deficiência que está há 20 anos na empresa e teve apenas uma única promoção.
Ao revelar este caso para a diretoria escancaramos a real inclusão praticada na empresa: bem inferior ao que imaginavam. Todas as pessoas da sala ficaram estarrecidas. Eles valorizavam aquela profissional, elogiavam seu trabalho, mas nunca tinham se dado conta de que ela estava “parada” na carreira. O mesmo choque ocorreu com a revelação dos demais dados apurados. Isso acontece porque falta consciência e indicador. Sem medir, acompanhar e analisar dados, a inclusão não passa do discurso.
Esse é um retrato comum: empresas confundem cumprir cotas legais com serem inclusivas, mas inclusão de verdade exige desenvolvimento, promoção, equidade e acessibilidade.
Mas, o que faz uma pessoa com deficiência permanecer numa empresa por 20 anos com uma única promoção ou nenhuma? Aí vale a gente explicar a questão da ambição de carreira, que é muito diferente a das pessoas sem deficiência.
A culpa é mais uma vez do capacitismo estrutural. A gente convive com o capacitismo estrutural desde quando entra na escola. Uma pessoa com deficiência não ver uma profissional com a mesma deficiência ascender em sua carreira, também não vai sentir que aquele pode ser seu lugar. Ela não vai sonhar com esse lugar. Aí, ela está numa empresa que dá a ela um status com o qual ela nunca nem sonhou na vida. Evidentemente se acomoda.
Não ter exemplos de profissionais com deficiência em cargos de liderança faz com que muitas pessoas não se vejam nesses lugares. Se não há referências de ascensão, o sonho se torna pequeno e, muitas vezes, a permanência em uma empresa renomada já parece uma conquista além do esperado.
Não é falta de capacidade ou de ambição individual e sim falta de estruturas que ofereçam caminhos de ascensão profissional. Injustamente, a pessoa com deficiência é culpabilizada por não buscar protagonismo ou de não ser produtiva o suficiente.
Ainda sobre a pesquisa Radar da Inclusão, o dado mais chocante mostra que 9 em cada 10 pessoas com deficiência já enfrentaram situações de capacitismo no trabalho. E pasmem, 4 em cada 10 pessoas respondentes que relataram à empresa terem sido vítimas de capacitismo no trabalho não se sentiram acolhidas.
Entre os que não relataram as agressões às empresas, principais motivos foram: medo de demissão ou retaliação (38%), porque achavam que não daria em nada (29%), porque acharam que não era necessário (12%), por vergonha (10%) e por outros motivos (11%). Essa pressão constante gera insegurança e desgaste emocional, comprometendo a produtividade e a saúde mental.
Não é que as pessoas com deficiência não estão capacitadas para entregar resultados. É que nós gastamos muita energia extra apenas para provar que somos capazes, implorar por validação e lidar com ambientes que não estão prontos para nos reconhecer plenamente.
Se querem realmente ser inclusivas, as empresas precisam ir além da contratação. É necessário agir de forma intencional em quatro pilares:
- Estratégia: estabelecer metas de contratação e promoção e com ações afirmativas intencionais. Um exemplo que costumo usar para obter bons indicadores de inclusão é mapear:
- Percentual de pessoas com deficiência contratadas
- Percentual de pessoas com deficiência promovidas
- Percentual de pessoas com deficiência em cargos de liderança
- Percentual de denúncias
- Percentual de denúncias resolvidas
- Percentual de pessoas alcançadas pelas ações de letramento
- Cultura: investir em letramento, criar metas de pessoas com deficiência desenvolvidas nas ações de letramento oferecidas, por exemplo, saber quantas pessoas colaboradoras estão participando. Também é imprescindível formalizar canal de denúncia para que sejam acolhedores com os desafios impostos por falta de acessibilidade, por capacitismo, por impactos na saúde emocional da pessoa com deficiência. É preparar o conhecimento de todas as pessoas da empresa para que tenham esse caminho para recorrer;
- Acessibilidade: mapear as dimensões estrutural, digital, metodológica e comunicacional para garantir condições equânimes de trabalho;
- Carreira: eliminar lacunas de promoção, estimular desenvolvimento e capacitação e colocar a saúde emocional das pessoas no radar. Um exemplo é criar programas de mentoria, capacitação e aceleração profissional, além de acompanhamento da saúde emocional.
Sem esses movimentos, a falsa sensação de inclusão seguirá sendo a regra. Empresas que apenas contratam, mas não desenvolvem, condenam suas pessoas com deficiência a carreiras estacionadas. Ao fazer isso, não apenas desperdiçam talentos, como também perpetuam a exclusão que juram contrapor.




