A Inteligência Artificial (IA) Generativa chegou com força e rapidez. Hoje, criar textos, imagens, músicas e até códigos com um simples comando se tornou algo natural. Com isso, cresceu também a ideia de que “dá para usar IA para tudo”. Mas será que estamos realmente resolvendo problemas com IA ou só usando porque está na moda?
Para mostrar como estamos dependentes dessa tecnologia, no último mês de outubro o jornalista AJ Jacobs escreveu um artigo para o The New York Times relatando sua experiência de passar 48 horas sem usar Inteligência Artificial. Ele descobriu que quase tudo ao seu redor, como energia, água, roupas, pagamento de contas, por exemplo, depende de algum tipo de ferramenta que utiliza a tecnologia.
Embora grande parte da infraestrutura dependa de algoritmos e modelos de aprendizado de máquina para prever, classificar e otimizar processos, o experimento evidencia o quanto estamos imersos em tecnologias automatizadas. A IA Generativa, porém, é apenas a camada mais recente e visível dessa nova realidade, não por sustentar a infraestrutura, mas por chegar diretamente ao usuário final. Por isso, muitas vezes criamos a impressão de que tudo é IA Generativa ou de que podemos aplicá-la a qualquer tipo de problema.
Inclusive, não é raro ver, em reuniões de negócios, executivos se referirem à IA Generativa simplesmente como “IA”. Isso ocorre principalmente porque é por meio da IA Generativa que eles têm alcançado os usuários de forma mais tangível – embora, há muitos anos, já utilizem a chamada “IA clássica”.
A “armadilha” está justamente na forma como passamos a utilizá-la e em avaliar se ela é realmente necessária. Afinal, para muitos desafios, existem diversas abordagens possíveis, e a melhor solução nem sempre envolve recorrer à IA, e menos ainda, à IA Generativa.
Escolher a ferramenta antes de entender o problema
A IA, em sua essência, é apenas uma ferramenta, e cada tipo de ferramenta é projetada para finalidades específicas. O erro mais comum que observamos hoje é justamente inverter essa lógica: escolher a tecnologia antes de compreender o problema.
Essa inversão é perigosa e costuma gerar três consequências previsíveis, como desperdício de recursos, excesso de ruído informacional e, inevitavelmente, frustração. Por isso, é fundamental distinguir os diferentes tipos de IA para aplicar a solução adequada:
● Aprendizado de Máquina: voltado a prever, classificar, identificar padrões e otimizar processos. Exemplos incluem detecção de fraudes, sistemas de recomendação, previsão de demanda e diagnósticos por imagem.
● Inteligência Artificial Generativa: destinada a criar, resumir, traduzir, sintetizar e gerar novos conteúdos. Exemplos: produção de textos, geração de imagens e vídeos, desenvolvimento de código e simulações de cenários.

Se o objetivo é prever a inadimplência de um cliente, o caminho é um modelo de aprendizado de máquina. Se a necessidade é resumir um relatório de 50 páginas, aí sim a IA Generativa é a ferramenta adequada.
O problema deve sempre vir antes da tecnologia, pois partir da tecnologia primeiro nos leva ao movimento inverso e faz com que procuremos um problema que justifique seu uso, em vez de buscar uma solução que atenda à necessidade real.
O letramento digital
A presença da IA em modelos generativos ou em sistemas tradicionais faz com que o letramento digital ganhe ainda mais importância. Não se trata apenas de dominar ferramentas como ChatGPT ou Midjourney, mas de desenvolver uma compreensão muito mais profunda sobre o papel, o alcance e os limites dessas tecnologias.
Cultivar discernimento para identificar quando seu uso é, de fato, a solução adequada e, sobretudo, reconhecer quando não é. Envolve também a capacidade crítica de interpretar vieses, limitações e a própria natureza probabilística das respostas que esses sistemas entregam.
A formação e a capacitação contínua são as únicas formas de garantir que a IA Generativa seja utilizada como um copiloto e não como um piloto automático de nossas vidas e negócios. Precisamos de profissionais e cidadãos capazes de formular as perguntas certas e de avaliar criticamente as respostas, garantindo que a tecnologia sirva ao nosso propósito, e não o contrário.
Estamos apenas no início da era da IA. A euforia passará, e o que vai restar será a necessidade de construir soluções reais para problemas reais. Para isso, precisamos de clareza, estratégia e, acima de tudo, a humildade de reconhecer que a melhor tecnologia é aquela que resolve o problema, independentemente de quão “inteligente” ou “generativa” ela seja.




