“O que você vai ser quando crescer?”
Foi com essa provocação que, no dia 12 de junho de 2025, cerca de 90 executivos do setor automotivo se reuniram em São Paulo, no Learning Village, para um convite provocativo: prototipar “coisas do futuro”.
A dinâmica, conduzida pelo CESAR, foi promovida como parte da preparação para o Automotive Business Experience 2025 (#ABX25), sob o estímulo do recém-criado Hub de Mobilidade, iniciativa da Automotive Business, CESAR e Learning Village para potencializar o ecossistema de inovação no setor.
Esse Hub se propõe a reunir startups, empresas e pesquisadores em frentes estratégicas como IA, descarbonização, eletrificação, cidades inteligentes e logística sustentável, funcionando como uma “ponte viva” entre desafios reais e prototipagem conjunta
Os freios do presente
O setor automotivo, no Brasil e no mundo, atravessa uma era de multi-transições simultâneas. Para além da eletrificação, o setor precisa navegar por um cenário de pressão regulatória crescente, revolução tecnológica, mudanças climáticas, competição chinesa e novos comportamentos de consumo. A metáfora “computador sobre rodas” é apenas um ponto de partida para entender a complexidade dos desafios e das oportunidades.
O Brasil vive hoje o maior ciclo de investimentos da sua história no setor automotivo, com R$ 130 bilhões previstos no programa MOVER (Mobilidade Verde e Inovação) até 2033. O programa traz novas métricas, como a medição de carbono “do berço ao túmulo”, e um sistema tributário verde baseado em eficiência energética e segurança.
Na estratégia de eletrificação, o país adota uma postura pragmática. Os bio-híbridos flex, combinando eletricidade e etanol, ganham força por alinharem tecnologia e matriz energética limpa. Em 2024, a venda de eletrificados mais que dobrou, com destaque para os modelos de origem chinesa, que representam 85% do total.
A digitalização avança, mas com barreiras estruturais: 45% das empresas ainda não oferecem agendamento online no pós-venda. As tecnologias de conectividade e ADAS se popularizam, mas a regulação para veículos autônomos continua defasada, e a infraestrutura de recarga segue limitada. Apenas 12% das rodovias têm sinalização compatível com veículos autônomos.
A Indústria 4.0 e o uso de IA na produção têm avançado em grandes montadoras, mas as empresas de autopeças enfrentam dificuldades de investimento, qualificação de mão de obra e fragmentação da cadeia. A dependência de P&D estrangeiro e a dificuldade de produzir componentes críticos como baterias e semicondutores localmente comprometem a autonomia tecnológica do país.
Por fim, há o fator humano: a aceitação cultural do consumidor ainda privilegia o atendimento presencial e não valoriza suficientemente itens como segurança veicular. A transformação digital e o design ético ainda são tratados como tendências, não como compromissos estruturais.
Entre sensores e sentidos
O exercício da imersão não busca prever o futuro, mas ampliar o campo de possibilidades. A partir de provocações, os executivos imaginaram soluções além dos limites do business as usual, revelando propostas que ultrapassam a eletrificação e a conectividade, apontando para uma mobilidade sensível aos corpos e sentimentos humanos:
- Wearables emocionais conectados aos veículos, que ajustam o ambiente interno conforme sinais biométricos;
- Assistentes de voz inclusivos, que “falam a linguagem” do usuário e ensinam funções do carro;
- Ecossistemas inteligentes de recarga, usando big data para otimizar rotas, custos e segurança;
- Drones de serviço para peças, manutenção e transporte, com elementos de gamificação;
- Biometria embarcada para segurança social — da proteção infantil à autorização de reparos;
- Infraestrutura urbana responsiva, capaz de adaptar-se ao perfil emocional dos usuários, especialmente turistas;
- Ecossistemas colaborativos de mobilidade regional, conectando comunidades e logística de última milha;
- Serviços autônomos integrados à saúde pública e ao transporte escolar;
- Veículos como plataformas de dados, interoperando com cidades inteligentes;
- Redes de abastecimento bio-híbridas, impulsionadas pela matriz energética limpa brasileira.
O que ficou claro na imersão foi que a tecnologia só faz sentido quando costurada ao bem-estar, à experiência e à ética. Repensar o setor automotivo sem considerar esses pilares é perpetuar desigualdades e rupturas que impedem o desenvolvimento social e a ampliação do mercado .
O futuro que aspiramos
O setor automotivo está em um ponto de inflexão: continuar otimizando um modelo esgotado ou ousar imaginar novos caminhos. E imaginar, aqui, não é romantismo, mas estratégia.
O cerne da provocação é o seguinte: para quem, com quem e por que estamos imaginando o futuro da mobilidade? As propostas da imersão refletem quatro vetores estratégicos: bem-estar como diferencial de valor, inclusão como alavanca de design, ética como base da confiança social e dados como tecido da inteligência coletiva.
REFERÊNCIAS
DUNNE, Anthony; RABY, Fiona. Speculative Everything: Design, Fiction, and Social Dreaming. Cambridge (MA): MIT Press, 2013. Disponível em: http://www.jstor.org/stable/j.ctt9qf7j7. Acesso em: 02 jul. 2025.
MARTINS, Senna. Regulação de veículos autônomos no Brasil: legislação e desafios em 2025. Site da Senna Martins, 2025. Disponível em: https://sennamartins.com.br/regulacao-de-veiculos-autonomos-no-brasil-legislacao-e-desafios-em-2025/. Acesso em: 02 jul. 2025.
STATISTA. Brazil: Preparedness for autonomous vehicles by category, 2020. Statista, 2020. Disponível em: https://www.statista.com/statistics/1190278/brazil-preparedness-autonomous-vehicles-category/. Acesso em: 02 jul. 2025.




