Sustentabilidade

O plástico é sempre o vilão?

Nossas embalagens inundam cada vez mais os oceanos de sujeira. Como devemos lidar, então, com o plástico?
Assunta Napolitano Camilo é diretora da FuturePack – Consultoria de Embalagens e do Instituto de Embalagens – Ensino & Pesquisa. Articulista, professora e palestrante internacional de embalagens. Recebeu diversos prêmios, entre eles o de Profissional do Ano e o de Melhor Embalagem do Ano. Diretora da coleção Better Packaging. Better World e dos demais livros do Instituto de Embalagens.

Compartilhar:

Há 14 milhões de toneladas de microplástico (pequenos fragmentos, menores do que 5 milímetros) no fundo dos oceanos, segundo a Agência Científica Nacional da Austrália. Isso equivale a 35 vezes a quantidade de plástico que boia na superfície e forma as chamadas ilhas de plástico.

Os cientistas australianos usaram um submarino robótico para coletar amostras de sedimentos do fundo do mar em profundidades de até 3 mil metros, em seis locais da Grande Baía Australiana, ao sul do país. A análise das 51 amostras colhidas revelou que havia uma média de 1,26 pedaço de microplástico por grama de sedimento. É uma taxa 25 vezes maior do que estudos anteriores apontavam para águas profundas – e 35 vezes para a superfície.

Segundo dados do Banco Mundial, o Brasil é o quarto maior produtor de lixo plástico no mundo, com 11,3 milhões de toneladas, atrás apenas de Estados Unidos, China e Índia. Desse total, mais de 10,3 milhões de toneladas são coletadas (91%), mas apenas 145 mil toneladas (1,28%) são efetivamente recicladas, ou seja, reprocessadas na cadeia de produção como produto secundário. Esse é um dos menores índices da pesquisa e bem abaixo da média global de reciclagem plástica, que é de 9%.

A crise global da poluição plástica só tende a piorar se não mudarmos a nossa relação com o material. O modelo de economia linear de extrair, produzir, vender e descartar, que foi amplamente utilizado pela indústria até agora, não é mais viável.

É preciso desencorajar o modelo de uso único e criar uma cadeia circular de valor do plástico para reduzir os resíduos. Um dos exemplos mais bem-sucedidos de reciclagem de embalagens plásticas PET para bebidas foi criado pela Alemanha há mais de três décadas.

O país possui um sistema de recolhimento compulsório de garrafas PET para incentivar a reciclagem. Quando compra algo, o consumidor paga um valor extra pela garrafa, entre 8 e 25 centavos de euro, e resgata o valor quando retorna a embalagem no supermercado.

Em 2019, a Alemanha produziu 18 bilhões de garrafas PET e reciclou 98,7% delas, segundo dados da DPG Deutsche Pfandsystem GmbH.

O sistema Pfand (“depósito”, em alemão) é um sucesso replicado em outros países da Europa. Ao comprar uma bebida, o consumidor paga um pequeno depósito, na casa dos centavos, dependendo do tamanho da embalagem. Quando o consumidor devolve a embalagem no supermercado, ele recebe um recibo que lhe dá desconto na sua próxima compra na loja, seja em alimento ou qualquer outro produto.

No Brasil, a reciclagem de garrafas PET está em outro patamar: em 2019, foi de 55%. O volume equivale a 311 toneladas do produto e gerou um faturamento de mais de R$ 3,6 bilhões, o correspondente a 33% do faturamento total do setor do PET no país, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria do PET (Abipet).

Os principais consumidores de PET reciclado no Brasil são os fabricantes de preformas (peças em forma de tubo que darão origem à embalagem) e garrafas. Eles respondem por 23% do total, seguidos de perto pela indústria têxtil (22%). Fabricantes de laminados e termoformados (bandejinhas) vêm a seguir, com 17%.

O grande gargalo para o avanço da reciclagem de PET no Brasil é a coleta seletiva de resíduos. As empresas de reciclagem trabalham, em média, com ociosidade superior a 30%, de acordo com a Abipet. Se o país adotasse algo semelhante ao modelo alemão, poderia aumentar o índice de reciclagem de PET.

## Outros propósitos para o plástico
Em 2017, a startup FutureLife, da África do Sul, traçou uma parceria com indústrias de embalagens do país. Ela desenvolveu uma embalagem flexível, com dois compartimentos: um com um pó nutricional e outro para água.

Ao apertar a embalagem, a selagem intermediária se rompia e a água se misturava ao pó, formando um mingau supernutritivo. As crianças recebiam essa merenda nas escolas e eram instruídas a devolver as embalagens vazias, que, recicladas, se transformavam em carteiras e outros móveis para as escolas. Isso criou um círculo virtuoso de economia circular.

Na Finlândia, as importações de produtos agroalimentares são três vezes maiores que as exportações. É um país frio, com pouca terra cultivável, que precisa preservar sua comida da melhor forma possível.

A maioria das frutas, legumes e verduras são embaladas em embalagens flexíveis. Pepinos, importados da Turquia, são embalados com filme shrink, o que garante uma vida útil de mais de 15 dias. Em casos assim vemos o verdadeiro papel das embalagens plásticas: salvar alimentos para alimentar as pessoas.

## Deixo um convite para reflexão em quatro perguntas:
– A 1,5 grama de plástico usada para proteger o pepino faz mal ao ser humano?
– Caso esses materiais plásticos cheguem aos oceanos, de quem será a culpa?
– O plástico é o vilão em algum desses casos?
– Que caminhos poderiam ser usados para melhorar essa relação?

Compartilhar:

Artigos relacionados

Tecnologia & inteligencia artificial
2025

José Blatazar S. Osório de Andrade Guerra, professor e coordenador na Unisul, fundador e líder do Centro de Desenvolvimento Sustentável (Greens, Unisul)

0 min de leitura
Tecnologia & inteligencia artificial
2025

Felipe Knijnik, diretor da BioPulse

0 min de leitura
Tecnologia & inteligencia artificial
2025
O PIX ABRIU PORTAS QUE ABRIRÃO MAIS PORTAS!

Carlos Netto, fundador e CEO da Matera

0 min de leitura
Tecnologia & inteligencia artificial
2025

João Carlos da Silva Bizario e Gulherme Collin Soárez, respectivamente CMAO e CEO da Inspirali Educação.

0 min de leitura
Tecnologia & inteligencia artificial, Cultura organizacional, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
5 de setembro de 2025
O maior desafio profissional hoje não é a tecnologia - é o tempo. Descubra como processos claros, IA consciente e disciplina podem transformar sobrecarga em produtividade real.

Diego Nogare

6 minutos min de leitura
Marketing & growth, Cultura organizacional, Inovação & estratégia, Liderança
4 de setembro de 2025
Inspirar ou limitar? O benchmark pode ser útil - até o momento em que te afasta da sua singularidade. Descubra quando olhar para fora deixa de fazer sentido.

Bruna Lopes de Barros

3 minutos min de leitura
Inovação
3 de setembro de 2025
Em entrevista com Rodrigo Magnago, Fernando Gama nos conta como a Docol tem despontado unindo a cultura do design na organização

Rodrigo Magnago

4 min de leitura
ESG, Inovação & estratégia, Tecnologia & inteligencia artificial
3 de setembro de 2025
O plástico nasceu como símbolo do progresso - hoje, desafia o futuro do planeta. Entenda como uma invenção de 1907 moldou a sociedade moderna e se tornou um dos maiores dilemas ambientais da nossa era.

Anna Luísa Beserra - CEO da SDW

0 min de leitura
Inovação & estratégia, Empreendedorismo, Tecnologia & inteligencia artificial
2 de setembro de 2025
Como transformar ciência em inovação? O Brasil produz muito conhecimento, mas ainda engatinha na conversão em soluções de mercado. Deep techs podem ser a ponte - e o caminho já começou.

Eline Casasola - CEO da Atitude Inovação

5 minutos min de leitura
Liderança, Empreendedorismo, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho, Inovação & estratégia
1 de setembro de 2025
Imersão de mais de 10 horas em São Paulo oferece conteúdo de alto nível, mentorias com especialistas, oportunidades de networking qualificado e ferramentas práticas para aplicação imediata para mulheres, acelerando oportunidades para um novo paradigma econômico

Redação HSM Management

0 min de leitura

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #169

TECNOLOGIAS MADE IN BRASIL

Não perdemos todos os bondes; saiba onde, como e por que temos grandes oportunidades de sucesso (se soubermos gerenciar)

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #169

TECNOLOGIAS MADE IN BRASIL

Não perdemos todos os bondes; saiba onde, como e por que temos grandes oportunidades de sucesso (se soubermos gerenciar)