Em um mercado cada vez mais competitivo e veloz, é natural que líderes busquem referências em “cases de sucesso” para inspirar suas próprias estratégias de gestão. No entanto, essa busca por modelos externos muitas vezes revela um sintoma mais profundo, o da dificuldade das empresas em construir uma cultura verdadeiramente autêntica.
A pesquisa OrgBRTrends, da McKinsey & Company, mapeou as dez macrotendências que estão moldando as organizações brasileiras, e trouxe um dado que diz muito: apenas 4% dos líderes consideram que a cultura organizacional está, de fato, alinhada à estratégia das suas companhias. Além disso, 60% das lideranças apontam como um desafio crítico transformar processos de governança em ações claras, padronizadas e visíveis. Esses números mostram o tamanho do descompasso entre o discurso e a prática, e reforçam a importância de que cada empresa olhe para dentro antes de buscar referências fora.
A partir de uma conversa com uma consultora e amiga, me veio uma provocação: será mesmo que a cultura “come a estratégia no café da manhã”? Essa frase é repetida tantas vezes que quase virou um mantra corporativo, mas vale olhá-la com mais atenção. Tenho refletido que cultura e estratégia não se devoram, mas se retroalimentam, pois uma sustenta a outra. A cultura dá sentido e direção à estratégia, enquanto a estratégia oferece à cultura o caminho concreto para se manifestar. Quando uma dessas partes enfraquece, a outra também perde força.
Então, quando uma organização tenta reproduzir a cultura de outra, sem a estratégia junto, corre o risco de perder autenticidade e gerar desconexão com o próprio time. Isso porque a cultura não se implanta, se constrói, a partir das relações humanas que sustentam o negócio. O que funciona em uma empresa de tecnologia do Vale do Silício, por exemplo, pode não fazer sentido algum em uma companhia brasileira com outra maturidade organizacional, contexto socioeconômico e perfil de colaboradores.
Penso que uma cultura organizacional autêntica nasce da coerência entre o que se diz e o que se faz. Não é sobre adotar slogans inspiradores ou políticas copiadas, mas sobre alinhar valores, comportamentos e decisões diárias a um propósito verdadeiro. A sustentabilidade dessa cultura depende de consistência e verdade, e não há cultura forte se a liderança não a pratica.
Nesse contexto, tenho para mim que o papel do RH e da liderança é desenvolver um olhar crítico sobre o que realmente faz sentido para a empresa e suas pessoas. Adotar práticas de forma mecânica, sem refletir sobre o contexto, leva à perda de identidade e ao esvaziamento do engajamento. Escuta ativa, diagnósticos de clima e análise de maturidade organizacional ajudam a entender o que o time realmente precisa, e não apenas o que o mercado está fazendo.
A diferença entre adaptar boas práticas e simplesmente copiá-las está na intenção e na sensibilidade. Líderes maduros sabem que inovação cultural não vem da imitação, mas da tradução: observar o que há de bom no mercado, compreender os princípios por trás dessas práticas e adaptá-los à própria realidade. Isso exige tempo, experimentação e aprendizado contínuo.
Indo além, diria que construir – ou reconstruir – uma cultura própria é um processo que começa pelo propósito. Envolve revisitar a história da empresa, compreender o que a torna única e garantir que todas as decisões estratégicas estejam alinhadas a essa essência. Também passa por incluir as pessoas no processo, dar voz aos times e reconhecer que a cultura é um organismo vivo, em constante evolução.
Cada empresa e gestor tem muito a ganhar quando se entende que a cultura mais poderosa é aquela que não precisa ser copiada, porque é sentida. E isso se potencializa quando cada colaborador entende o porquê de estar ali e se enxerga como parte de algo maior. Esse equilíbrio entre discurso e prática nenhuma empresa pode importar, precisa construir.




