Artigo – Planejamento Estratégico

OKRs são bons, mas não são estratégia

Objetivo desafiador e resultados-chave não substituem as escolhas
Roger Martin é professor emérito da Rotman School of Management da University of Toronto e foi seu reitor entre 1998 e 2013. Autor de vários livros de negócios de referência, expandiu conceitos de negócios importantes hoje, como a estratégia vista como uma cascata de escolhas, o pensamento integrador e o design thinking aplicado aos negócios. Veio várias vezes ao Brasil para palestras a convite da HSM.

Compartilhar:

O fenômeno moderno das métricas OKR (sigla em inglês para objetivos e resultados-chave) nasceu na Intel, ainda sob o comando de Andy Grove. Espalhou-se pelo Vale do Silício por meio de John Doerr. E se disseminou pelo universo empresarial por meio de um best-seller de Doerr, *Avalie o que Importa*.

Como a maioria das “inovações”, os OKRs não são um conceito novo. Em 1954, Peter Drucker, o maior pensador de gestão de todos os tempos, apresentava ao mundo a “administração por objetivos” (MBO, na sigla em inglês), pregando que os gestores deveriam receber objetivos e ter o desempenho avaliado por um conjunto de resultados mensuráveis, com prazos determinados.

Para quem ainda não está familiarizado com a abordagem, ela envolve a definição de um objetivo desafiador e, em seguida, a apresentação de três a cinco resultados-chave específicos, mensuráveis e com prazo determinado, que servem como indicadores de que você está no caminho certo para o objetivo.

A empresa (ou uma equipe) pode ter diversos objetivos em um certo momento, mas, para os fãs de OKRs, o limite deve ser de cinco por vez. Para que esse sistema funcione bem, tudo precisa ser avaliado regularmente e ações corretivas devem ser tomadas caso os resultados-chave não estejam sendo alcançados.

Há muitas coisas positivas nos OKRs. Gosto da visão de Grove de que, em vez de prescrever inputs, devemos orientar os funcionários a descobrirem eles mesmos como fornecer os outputs que desejamos. Ou seja, não instrua um vendedor a visitar dez clientes por semana ou passar o dobro do tempo com os clientes existentes. Em vez disso, fale para ele pensar no output (quantidade de clientes x crescimento da receita com cada um). Há duas décadas prego a “regulação do output” em vez da “regulação do input”.

__Mas há limitações nos OKRs.__ À medida que essa febre se espalha pelo mundo da gestão, os OKRs são usados como substitutos implícitos da estratégia. E isso é um problema. OKRs devem ser um complemento da estratégia, nunca um substituto. É bem preocupante quando os OKRs se disfarçam de estratégia.

É isso o que acontece quando os líderes de uma organização definem um objetivo desafiador e o traduzem em resultados-chave. O que tenho visto é uma suposição implícita de que definir resultados-chave adequados que tenham conexão causal com a realização do objetivo aumentaria a probabilidade de este ser atingido. Mas desejo não é uma estratégia. Desejar alcançar os resultados-chave estabelecidos não fará com que se concretizem. Você pode desejar um aumento substancial no NPS, mas se seu principal concorrente atende melhor seus clientes, é improvável que o NPS da sua aumente – não importa o quanto você queira isso.

É a estratégia que fará com que seu NPS aumente. A escolha atual de onde jogar/como vencer é o que gera os resultados atuais. Resultados melhores só serão gerados por uma escolha de onde jogar/como vencer mais poderosa. A definição de resultados-chave terá pouco ou nada a ver com a concretização.

É ingenuidade pensar que os OKRs tiveram grande papel no sucesso do Google. Minha aposta é que, se tivéssemos dados perfeitos sobre o Google e fizéssemos uma análise de regressão múltipla dos fatores causadores de seu assombroso sucesso, mais de 90% da causa seria atribuída ao fato de inventar o negócio mais valioso da história — publicidade baseada em busca do consumidor e acesso a um mercado gigantesco a custo marginal com um modelo de negócio fabuloso (fornecer pesquisa para impulsionar a demanda e monetizar esses usuários vendendo termos de pesquisa para anunciantes). Os OKRs são algo residual.

Concordo com a fixação de um objetivo desafiador. É o que chamo de ambição vencedora. Porém garanto que é essencial alternar o foco entre as escolhas de meta desafiadora, de onde jogar e de como vencer até que você tenha consistência e reforço mútuo entre as três. Se não estiver alinhada a uma escolha de onde jogar e de como vencer com boas chances de sucesso, uma meta desafiadora (ou ambição vencedora) é pior do que inútil. Gera desperdício de recursos e invariavelmente desanima o pessoal quando não é alcançada. Estou farto de o processo de OKR tentar substituir a estratégia. Odeio ver organizações planejarem o próprio fracasso.

Outro aspecto nos princípios OKR a que tenho ressalvas é a multiplicidade de objetivos. Isso leva as empresas a chamar cada loop de objetivos/resultados-chave de “estratégia”, dando a impressão de que elas têm diversas estratégias – ou seja, uma “estratégia” é aumentar a distribuição, outra “estratégia” é aumentar a fidelidade do cliente, outra é expandir geograficamente etc. Acredito que, em uma organização (ou em um determinado nível) exista apenas uma estratégia, não múltiplas. Sempre que alguém se refere a “estratégias”, sei que não sabe o que isso significa.

Isso importa. Afinal, para ser eficaz, uma estratégia precisa ser um conjunto integrado de escolhas, que se encaixam e reforçam umas às outras: por que competir, onde competir, como vencer, com que capacidades/recursos essenciais e usando quais sistemas de gestão facilitadores.

__Leia também: [Estratégia se torna innovation-first, technology-first](https://revistahsm.com.br/post/estrategia-se-torna-innovation-first-technology-first)__

Artigo publicado na HSM Management nº 155

Compartilhar:

Artigos relacionados

Inovação
15 de julho de 2025
Olhar para um MBA como perda de tempo é um ponto cego que tem gerado bastante eco ultimamente. Precisamos entender que, num mundo complexo, cada estudo constrói nossas perspectivas para os desafios cotidianos.

Frederike Mette e Paulo Robilloti

6 min de leitura
User Experience, UX
Na era da indústria 5.0, priorizar as necessidades das pessoas aos objetivos do negócio ganha ainda mais relevância

GEP Worldwide - Manoella Oliveira

9 min de leitura
Tecnologia e inovação, Empreendedorismo
Esse fio tem a ver com a combinação de ciências e humanidades, que aumenta nossa capacidade de compreender o mundo e de resolver os grandes desafios que ele nos impõe

CESAR - Eduardo Peixoto

6 min de leitura
Inovação
Cinco etapas, passo a passo, ajudam você a conseguir o capital para levar seu sonho adiante

Eline Casasola

4 min de leitura
Transformação Digital, Inteligência artificial e gestão
Foco no resultado na era da IA: agilidade como alavanca para a estratégia do negócio acelerada pelo uso da inteligência artificial.

Rafael Ferrari

12 min de leitura
Negociação
Em tempos de transformação acelerada, onde cenários mudam mais rápido do que as estratégias conseguem acompanhar, a negociação se tornou muito mais do que uma habilidade tática. Negociar, hoje, é um ato de consciência.

Angelina Bejgrowicz

6 min de leitura
Inclusão
Imagine estar ao lado de fora de uma casa com dezenas de portas, mas todas trancadas. Você tem as chaves certas — seu talento, sua formação, sua vontade de crescer — mas do outro lado, ninguém gira a maçaneta. É assim que muitas pessoas com deficiência se sentem ao tentar acessar o mercado de trabalho.

Carolina Ignarra

4 min de leitura
Saúde Mental
Desenvolver lideranças e ter ferramentas de suporte são dois dos melhores para caminhos para as empresas lidarem com o desafio que, agora, é também uma obrigação legal

Natalia Ubilla

4 min min de leitura
Carreira, Cultura organizacional, Gestão de pessoas
Cris Sabbag, COO da Talento Sênior, e Marcos Inocêncio, então vice-presidente da epharma, discutem o modelo de contratação “talent as a service”, que permite às empresas aproveitar as habilidades de gestores experientes

Coluna Talento Sênior

4 min de leitura
Uncategorized, Inteligência Artificial

Coluna GEP

5 min de leitura

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #169

TECNOLOGIAS MADE IN BRASIL

Não perdemos todos os bondes; saiba onde, como e por que temos grandes oportunidades de sucesso (se soubermos gerenciar)

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #169

TECNOLOGIAS MADE IN BRASIL

Não perdemos todos os bondes; saiba onde, como e por que temos grandes oportunidades de sucesso (se soubermos gerenciar)