Artigo

Parem de improvisar em gestão

O item mais importante de uma “stop-doing list” atual é parar de improvisar em desafios de gestão para os quais já há soluções disponíveis. Muitos gestores estão agindo como se começassem do zero nos oito temas mais comuns do trabalho. Há um acervo de técnicas disponível, e utilizá-lo poupa tempo e energia valiosos
Sandra Regina da Silva é colaboradora de HSM Management.

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Quais são as criptonitas dos líderes de negócios? Caso você não seja um fã do Supeman ou da Supergirl, criptonita é um mineral ficcional que enfraquece qualquer um que tenha nascido no planeta Krypton, e o coach e mentor de executivos Sérgio Chaia usa essa palavra para se referir ao que lhes tira energia e deve ser eliminado no processo de cocriação com os clientes – uma receita de performance (o que dá energia é denominado de “red bull” pelo coach).

“Combinar reflexão e ação para saber alocar bem tempo e energia é fundamental para ter melhor performance no cenário que a gente vive hoje”, disse Chaia a __HSM Management__.

O movimento de reflexão e ação precisa ser constante, porque é relativamente fácil sair do compasso com as distrações do dia a dia, mas há ao menos um atalho para ele, e é o tema deste artigo: parar de reinventar a roda.

Isso mesmo. Você não deve gastar tempo e energia arrumando novas soluções para problemas que já têm soluções prontas. Essas novas soluções são criptonita pura, para usar a analogia de Sérgio Chaia. “O Brasil é o reino da improvisação em gestão”, analisa Rubens Pimentel, coach e CEO da Trajeto Desenvolvimento Empresarial. Segundo ele, muitos CEOs, vice-presidentes e diretores encomendam soluções e ferramentas novas para tornar seus dias mais fluidos e organizados, quando existem várias ferramentas já disponíveis que solucionam quase todos os tipos de problemas do dia a dia.

Por que isso acontece? Uma hipótese de Pimentel é que o líder aprende sobre essas ferramentas em um MBA de primeira linha – em Harvard, Kellogg, Wharton, USP, FGV-Eaesp etc. –, mas guarda a apostila na gaveta (ou numa pasta eletrônica) e esquece tudo. Assim, continua fazendo tudo o que fazia antes.

Outra hipótese de Pimentel é que os líderes no dia a dia não prestam a atenção devida a revistas de gestão como esta, livros ou cursos disponíveis na internet que compartilham tais técnicas. Pimentel se lembra até hoje do impacto que o livro O Pipeline da Liderança, de Ram Charan, teve sobre ele – e tem até hoje –, ensinando-lhe sobre o que mudar ao galgar os degraus da liderança.

O que falta, nas duas hipóteses? Para ele, falta acreditar que essas ferramentas podem funcionar. Uma crença que só pode se firmar se os profissionais efetivamente as experimentarem e, se necessário, as adaptarem às necessidades.
O CEO da Trajeto Empresarial não tem dúvidas de que muitos dos casos de 12 horas diárias de trabalho, e noites ou fins de semana sem descanso, têm a ver com essa falta de aprendizado aplicado e essa improvisação sem fim.

A pedido de __HSM Management__, ele listou insights das soluções comprovadas para os 11 problemas com os quais os líderes mais improvisam, para refrescar sua memória. Basta “desengavetar” e aplicar:

__1. Reuniões.__ Em geral fazem-se reuniões com muita gente – algumas pessoas são chamadas aleatoriamente, para garantir que não se erre e que todos saibam de tudo que acontece – e com pauta indefinida, ou seja, sem objetivo claro. A ferramenta mais eficaz que a gente tem hoje está no livro do Freddie Koffman, e chama-me Check-in/Check-out. Ela organiza as reuniões para que você chame corretamente os participantes, tenha pauta e, no final, organize os compromissos de tarefas de cada um deles.

Segundo Koffman, isso diminui em mais de 70% o efeito perverso de as coisas combinadas não serem feitas. “Recomendamos isso para todos nossos clientes, está em nossos treinamentos, e os clientes que implementaram adoram”, diz Pimentel.

__2. Delegação.__ A metodologia para fazer isso é comunicação pura. Alguns passos assim genéricos são: dar o contexto, dar o objetivo, definir critérios de qualidade para avaliar o trabalho e definir o prazo final (e os prazos intermediários, quando couber). Só assim, quem delega pode fazer o acompanhamento, a cobrança e as correções ao longo do processo. “Hoje, delegação é uma ‘passação’ de tarefa, coisas que um líder recebe e passa para frente, o que significa que esse líder ainda não entendeu seu papel na equipe”, diz Pimentel.
Abordagem específica da Trajeto sugere aos líderes uma ordem de delegação: devem delegar primeiro responsabilidades, depois as tomadas de decisão que vão ficar na mão da equipe e, por fim, atividades.

__3. Tomada de decisão.__ Muitos líderes têm proficiência em tomar decisão, mas existem dois perfis que tropeçam: (1) o líder que toma decisão de maneira intuitiva sem fazer análise, erra muito e deixa a equipe atordoada; e (2) o líder que tem medo de errar, hesita e paralisa o time. Preparar-se para tomar decisão requer desenhar cenários e consequências, ter planos A, B e C, mitigar riscos e não demorar na tomada de decisão. Há no mercado uma série de metodologias de tomar decisão.

__4. Feedback.__ Feedback é uma das práticas de gestão com maior incidência de erros, segundo Pimentel. “As pessoas falam que ninguém gosta de feedback, mas é porque começou errado”, diz o coach. “O nome mudou para one-on-one, mas continua todo mundo fazendo errado do mesmo jeito.” É preciso lembrar que feedback é ferramenta de desenvolvimento de pessoas – desenvolvimento, correção, de alinhamento, realinhamento –, razão pela qual não existe feedback negativo ou feedback positivo. A lógica principal pode ser memorizada pelo chamado “feedback sanduíche”: você começa por dividir as coisas positivas com a pessoa, faz perguntas para levantar e checar o que precisa de desenvolvimento, monta um plano de ação conjuntamente e acompanha o plano com a pessoa que está recebendo o feedback. Uma boa conversa de feedback demora de meia hora a 45 minutos no máximo. “Alguns me falam que deram um feedback de três horas; beira a insanidade”, diz Pimentel.

__5. Contratação e promoção, demissão.__ Os melhores RHs têm metodologias para isso, mas o fato é que nem todos têm – e deveriam. A base desta ferramenta é primeiro desenhar o que você quer da posição sem saber quem vai ocupá-la, que é a chamada “job description”. O desenho inclui: as competências técnicas necessárias, que vêm no currículo; as competências de gestão, sobre as quais se perguntam na entrevista; e as competências comportamentais, que exigem prestar muita atenção a detalhes na entrevista. Vale preparar dez perguntas abrangendo essas três áreas de competência, e fazê-las a todos os candidatos ao menos na primeira entrevista, mesmo que sejam entrevistadores diferentes. “Eu normalmente recomendo que o líder direto ao qual o ocupante da vaga vai reportar faça essa primeira entrevista”, observa Pimentel. O que acontece hoje pode ser bem diferente disso. “Hoje o que eu vejo é que as entrevistas são bate-papos, o que é um erro. E com cada candidato o papo é diferente, com perguntas diferentes. Como dá para comparar assim?”

Na hora de avaliar, a recomendação é colocar todos os entrevistadores juntos em uma sala para dividir impressões e registrá-las em uma planilha.

A abordagem para promoção e demissão com frequência parece ser reinventada por quem vai aplicá-la. O primeiro entendimento básico é sobre quando que eu devo promover e quando eu devo demitir. Segundo Rubens Pimentel, promove-se quando alguém da equipe já estiver atuando como se estivesse na próxima posição – isso significa mostrar os comportamentos corretos, a comunicação correta, a tomada de decisão correta. E a regra para demissão é exatamente o contrário dessa, ou seja, a pessoa, depois de todos os feedbacks, não consegue (porque não quer ou por alguma limitação) atender às expectativas dos comportamentos necessários ao cargo, incluindo o estilo e o processo de gestão.

Importante: segundo Pimentel, toda empresa deve ter uma metodologia própria para fazer contratação, promoção e demissão, com base nos melhores métodos e princípios existentes no mercado. Isso geralmente cabe ao RH mas outros líderes podem ajudar.

__6. Combinados, acordos, alinhamentos laterais.__ Já ouviu alguém dizer que uma empresa está trabalhando em silos? Provavelmente sim; talvez você mesmo tenha falado isso um dia. Esse fenômeno é claro e cristalino quando todo mundo parece só defender os interesses de sua área e esquecer todo o resto. “Costumo brincar, quando vejo algo desse tipo acontecer em um cliente, que a pessoa que só cuida da respectiva área devia receber só metade do salário {risos}”. Para fins de raciocínio, Pimentel diz que um gestor deve metade de seu salário ao trabalho que executa em sua área funcional e a outra metade à atividade de conectar, de maneira correta, sua área com as áreas laterais, ou seja, a fazer alinhamentos com os pares.

Para combater o nefasto comportamento de silo – é uma disfunção que atrapalha muito as empresas, sobretudo na competição do século 21 –, é preciso fazer combinados e acordos entre áreas, promovendo um relacionamento fluido que possa gerar melhores resultados, segundo o especialista.

“O que eu recomendo aos líderes meus clientes é a realização de reuniões periódicas com os pares no mesmo nível de gestão, para que se alinhem em acordos e combinados e também para que troquem conhecimento”, diz Pimentel. O principal ponto nessas reuniões é recorrentemente confirmar os acordos e combinados feitos. “Eu costumo dizer que humanos adultos precisam de duas coisas: coordenação e alguém que os lembre de que as coisas que estavam valendo continuam valendo. É que o dia a dia engole as pessoas com o bombardeio ininterrupto de informações; não se trata de incompetência”, afirma o coach da Trajeto Empresarial.

Equipes mais maduras podem fazer essa reunião de combinados a cada três ou seis meses, mas equipes mais imaturas requerem frequência maior para lembrar os acordos – uma reunião mensal funciona bem, por exemplo. Acordos e combinados são para alinhar qualquer coisa: horários, necessidade de presença etc. E ficaram ainda mais importantes pós-pandemia.

__7. Cobrança e reconhecimento.__ Em tempos em que as pessoas temem cobrar e ser acusadas de assédio moral, tem líder fazendo o trabalho do subordinado só para escapar do momento da cobrança. Isso é grave, porque cobrar é uma das atividades da liderança, e porque essa intervenção do líder desarticula todo o fluxo de trabalho. A principal ferramenta de um líder nesse caso é comunicar-se com clareza e gentileza. E criar na equipe o hábito de receber cobranças e reconhecimentos. Aliás, esqueça a máxima do século passado de que, quando alguém fez bem algo, não fez mais que a obrigação. Todos precisamos de reconhecimentos, diários, por pequenas coisas (sem prêmios); nós nos sentimos observados e seguimos produtivos. (Vale estudar os perfis de comunicação que a metodologia DISC traz.)

__8. Gerenciar as pessoas.__ Ken Blanchard ensina que times têm pessoas de quatro níveis de maturidade em trabalho: (1) a que tem de ser dirigida; (2) a que precisa ser treinada tecnicamente; (3) a que já sabe decidir as coisas sozinha, mas fica insegura e requer apoio; (4) aquela para a qual delegamos missões tranquilamente. O líder deve saber diferenciar os membros da equipe e deixar em paz os tipos 3 e, sobretudo, 4, dando mais atenção ao 1 e ao 2.

Vai reinventar a roda? Não, líder. Capriche mais nas perguntas, isso sim. {Veja quadros abaixo}

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![Thumbs HSM 159 Prancheta 1 cópia 42](//images.ctfassets.net/ucp6tw9r5u7d/1pkJrxg2UjqLIpa1S3GaAB/5d07d595d71d5e3ed62074548ad5e83d/Thumbs_HSM_159_Prancheta_1_c_pia_42.png)

DUAS DORES: negociar e mediar conflitos

Todos os problemas descritos aqui causam dores aos gestores, mas dois são mais dolorosos que os demais: negociação e mediação de conflitos. Não só pelos medos relativos à crise econômica (na negociação) e à polarização da sociedade (conflitos). Há dificuldades culturais, segundo o coach Rubens Pimentel, e estas impedem que as diversas técnicas disponíveis no mercado sejam utilizadas plenamente. “Primeiro, no Brasil, a gente só sabe negociar quando tem ascendência sobre a pessoa, quando manda nela – ainda um resquício escravocrata que precisamos superar”, diz Pimentel. “Segundo, os brasileiros costumam olhar para a mediação de conflitos como um esforço para sair todo mundo feliz da sala. Isso não é verdade. Mediar conflito no mundo corporativo é ajudar duas pessoas que estão emperradas na tomada de decisão a tomá-la, por mais difícil que isso seja para uma delas. E o líder deve pensar no CNPJ antes de tudo.” Isso compreendido, será mais fácil aplicar a técnica.”

Artigo publicado na HSM Management nº 159.

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