Todos os anos, milhares de pequenas e médias empresas encerram suas atividades, como mostram levantamentos do IBGE e do Sebrae. Cerca de 20% não sobrevivem ao primeiro ano, e pouco mais de 37% resistem além de cinco anos. O dado mais alarmante é que, na maioria dos casos, a falência não acontece por falta de clientes, mas por algo muito mais silencioso: a formação incorreta de preços.
Em um cenário de economia volátil, inflação persistente e impactos diretos nos custos variáveis, definir o preço certo deixa de ser detalhe e passa a ser questão de sobrevivência.
O erro de copiar o vizinho
A prática mais comum ainda é olhar para a tabela do concorrente e simplesmente replicar. Esse hábito, aparentemente inofensivo, é uma armadilha perigosa. Cada empresa possui custos, clientes e diferenciais distintos. Ignorar essas variáveis significa abrir mão de margens e, em muitos casos, comprometer o caixa da empresa sem perceber. Imagine um pequeno restaurante que define seu cardápio apenas olhando o concorrente ao lado. Ele não considera seus próprios custos de ingredientes, equipe ou aluguel. Essa escolha aparentemente simples pode significar vender pratos com prejuízo todos os dias.
O perigo da guerra de preços
Entrar em guerra de preços pode até gerar alívio imediato – mais clientes em pouco tempo – mas é uma estratégia suicida no longo prazo. Margens se corroem, clientes passam a associar sua marca ao “barato” e, quando a empresa tenta reajustar, encontra resistência. Antes de reduzir o preço, ofereça valor adicional: melhor atendimento, prazo mais ágil, garantia estendida, condições de pagamento diferenciadas. A criatividade na oferta é sempre mais saudável do que cortar preço.
Concorrência real: não é só quem vende igual a você
Outro equívoco recorrente é restringir a definição de concorrência a quem vende o mesmo produto. Para o cliente, concorrente é todo aquele que resolve o mesmo problema. A padaria que vende pão concorre não apenas com a padaria da esquina, mas também com o aplicativo de delivery, com os congelados do supermercado e até com a decisão do cliente de preparar o próprio café em casa. Para o pequeno e médio empresário, ampliar essa visão ajuda a identificar onde realmente vale competir em preço e onde faz mais sentido se diferenciar.
Casos reais: sobrevivência pela formação de preços
Casos como os das livrarias Saraiva e Cultura, amplamente noticiados pela imprensa, mostram como decisões comerciais equivocadas e falhas na gestão de preços podem comprometer até marcas tradicionais no Brasil. Nos EUA, a Toys R Us (Loja de Brinquedos) seguiu caminho parecido, sucumbindo diante da incapacidade de se adaptar e competir com modelos mais enxutos e digitais.
Um exemplo de preço certo é a Stanley, empresa norte-americana, que reposicionou sua comunicação e adotou preços premium. Em quatro anos, cresceu quase dez vezes seu faturamento (Fonte: Bloomberg Línea). No Brasil, seus copos custam de R$ 200 a R$ 300, prova de como valor percebido e estratégia de preço andam juntos. Esses casos mostram que a formação de preços não é luxo de multinacional. É ferramenta acessível que, se aplicada com disciplina, salva negócios.
Como começar hoje, sem grandes consultorias
O segredo está em passos simples, que podem ser aplicados até por quem não tem equipe dedicada:
- Conheça seus custos reais: saiba exatamente quanto custa cada produto ou serviço;
- Identifique quem é seu concorrente de verdade: todas as alternativas que o cliente considera;
- Comunique o valor antes do preço: destaque benefícios, economia e ganhos antes de falar em números;
- Teste cenários, mesmo em planilhas eletrônicas: simule reajustes e impactos na margem;
- Reajuste gradualmente: aumentos pequenos e constantes são mais sustentáveis que saltos bruscos.
Sustentabilidade e futuro
Preço certo não garante apenas a sobrevivência no mês atual. Ele sustenta o futuro da empresa. Um negócio sustentável é aquele que consegue equilibrar crescimento, margem e caixa. E nada disso acontece sem uma política de preços bem definida. Planejar reajustes pequenos e frequentes é menos traumático para o cliente e mais saudável para o caixa. Essa prática simples pode ser aplicada até por microempreendedores sem tecnologias muito avançadas.
Tecnologia e controle a favor do preço
Mesmo com recursos simples, como planilhas eletrônicas, já é possível organizar custos, cenários e acompanhar margens com disciplina. Um passo adicional, muito útil para pequenos negócios, é montar uma DRE (Demonstração de Resultados) simplificada, para acompanhar mensalmente se a operação está realmente dando lucro. Não precisa de termos técnicos nem de sistemas caros – basta uma planilha com três blocos:
- Receitas: tudo o que entrou no mês (vendas, serviços);
- Custos e Despesas: compras de mercadorias, salários, aluguel, energia, impostos;
- Resultado: diferença entre receitas e despesas.
Exemplo simplificado:
Se uma lanchonete faturou R$ 50.000 no mês, teve R$ 30.000 de custos e despesas, o lucro bruto foi de R$ 20.000
Com essa análise, o empreendedor consegue identificar:
- Qual o markup mínimo necessário para cobrir todos os custos/despesas;
- Qual o faturamento de equilíbrio (ponto em que as receitas pagam os custos/despesas);
- A partir de qual faturamento mensal a empresa realmente começa a gerar lucro.
Ou seja, tecnologia não é luxo: com uma planilha simples e disciplina, já é possível enxergar o resultado real do negócio, definir preços mais conscientes e tomar decisões seguras para crescer.
Conclusão
O preço é mais do que um número: é o escudo invisível que protege empresas em tempos de incerteza e a bússola que orienta um crescimento saudável. Ele traduz, de forma simples, se um negócio está de fato preparado para sustentar custos, cobrir despesas, garantir o pró-labore e ainda gerar recursos para investir no futuro. Para o empreendedor, começar simples – entendendo custos, evitando copiar concorrentes e comunicando valor – é a diferença entre fechar as portas cedo ou construir um negócio duradouro. O segredo não está em descontos agressivos, mas em clareza, disciplina e coragem
para cobrar de forma justa.
No fim, para que as pequenas e médias empresas possam ter sustentabilidade (sobrevivência) e longevidade (futuro) não depende apenas de vender mais, mas de Vender ao Preço Certo.