Gestão de Pessoas
4 min de leitura

Problemas complexos pedem soluções oblíquas

Entenda como a obliquidade e o efeito cobra podem transformar estratégias organizacionais trazendo clareza e objetividade para questões complexas que enfrentamos no dia-dia.
É Chief Scientific Officer na The Cynefin Co. Brazil e possui uma trajetória de pioneirismo com agilidade e complexidade. Teve trabalhos de grande destaque envolvendo a disciplina Agile Coaching, como a publicação do livro The Agile Coaching DNA, e introduzindo o conceito de plasticidade organizacional para comunidades e organizações. Na Austrália, esteve envolvido em iniciativas de transformação nas áreas financeira e de segurança civil, onde utilizou complexidade aplicada como base do seu trabalho. Mais recentemente foi Diretor de Business Agility para Americas da consultoria alemã GFT.

Compartilhar:

Em um ambiente corporativo de uma empresa de médio porte especializada em tecnologia da informação, uma crise de engajamento entre os funcionários começou a se agravar. Relatórios internos apontaram uma queda acentuada na produtividade e um aumento na rotatividade, ameaçando a sustentabilidade do negócio. Preocupada com os impactos negativos nos resultados financeiros e na reputação organizacional, a alta liderança reconheceu a urgência da situação e decidiu adotar medidas rápidas e estratégicas para reverter o cenário.

Durante uma reunião estratégica, foi proposta uma solução aparentemente lógica: implementar um robusto programa de metas rígidas aliado a um sistema de avaliações trimestrais com feedback focado no desempenho individual. A expectativa era que essa abordagem ajudasse os funcionários a se concentrar em objetivos claros e restaurasse rapidamente a produtividade.

Com entusiasmo, o programa foi iniciado. Relatórios mensais passaram a monitorar a produtividade individual, gestores receberam treinamento para fornecer feedback padronizado focado em identificar falhas e sugerir melhorias específicas, e a liderança comunicou que promoções e benefícios dependeriam de métricas objetivas de desempenho. No entanto, o impacto dessa estratégia foi muito diferente do que os líderes haviam previsto.

Nas primeiras semanas, houve um discreto aumento na produtividade, com os funcionários se empenhando em atingir metas e melhorar suas avaliações. Contudo, logo surgiram problemas: a rigidez das metas ignorava a variabilidade e a complexidade do trabalho realizado, levando os colaboradores a priorizarem tarefas simples e de curto prazo, que contribuíam diretamente para suas métricas, em detrimento de projetos mais desafiadores e inovadores. Feedbacks padronizados focados exclusivamente em lacunas de desempenho geraram um clima de desconfiança, desmotivando a equipe.

Enquanto isso, os processos organizacionais profundamente enraizados começaram a interferir de formas inesperadas. A estrutura hierárquica da empresa, já percebida como rígida, intensificou os impactos negativos das mudanças. Funcionários passaram a evitar interações colaborativas, temendo que seus esforços fossem atribuídos a colegas e não considerados em suas próprias avaliações. A transparência, antes um pilar da cultura organizacional, cedeu espaço a silos e rivalidades internas.

Nos corredores, rumores começaram a circular. Alguns sugeriam que a nova política era apenas um pretexto para justificar futuros cortes, enquanto outros acreditavam que a liderança estava mais preocupada em proteger seus próprios bônus de desempenho. Essas narrativas se disseminaram rapidamente, alimentando um ciclo crescente de insegurança e insatisfação.

Simultaneamente, as políticas de crescimento e carreira permaneceram desatualizadas, incapazes de atender às novas demandas impostas pelo programa. Muitos funcionários expressaram frustração com a ausência de oportunidades claras de desenvolvimento, sentindo que o foco excessivo em resultados de curto prazo obscurecia qualquer possibilidade de progresso significativo em suas trajetórias profissionais. Sessões de feedback, que deveriam promover aprendizado e aperfeiçoamento, tornaram-se rituais mecânicos, desconectados das aspirações e contextos individuais.

Com o tempo, os impactos negativos se intensificaram. A taxa de rotatividade disparou, especialmente entre os talentos mais experientes, que procuravam ambientes de trabalho mais saudáveis e recompensadores. Projetos importantes foram atrasados ou abandonados devido à falta de colaboração efetiva, e a reputação da empresa no mercado de trabalho começou a se deteriorar, dificultando a atração de novos talentos.

O que podemos aprender com essa história?

A história dessa empresa ilustra os riscos de ignorar os efeitos da obliquidade em sistemas sociais. Esse conceito sugere que, em sistemas complexos, os resultados frequentemente são alcançados de forma indireta, por meio de processos não lineares e adaptativos. Diferentemente da abordagem linear e mecanicista, que busca atingir metas por meios diretos e previsíveis, a obliquidade reconhece que a interação entre múltiplos agentes, as dinâmicas de retroalimentação e a imprevisibilidade emergente tornam as estratégias lineares insuficientes em ambientes complexos.

O chamado ‘efeito cobra’ também ajuda a compreender o que ocorreu nessa empresa. O termo descreve situações em que uma intervenção planejada para resolver um problema acaba agravando-o ou gerando novos problemas, devido a consequências não intencionais. Esse fenômeno evidencia os desafios de prever e controlar o comportamento de sistemas sociais e econômicos complexos, onde as interações entre agentes e variáveis podem produzir resultados contrários às intenções originais.

A origem do termo remonta a um episódio histórico na Índia colonial britânica, onde as autoridades tentaram reduzir a população de cobras oferecendo recompensas financeiras por cada animal morto. Em resposta, algumas pessoas passaram a criar cobras para matá-las e receber a recompensa. Quando o governo percebeu o problema e encerrou o programa, as cobras criadas foram liberadas, resultando em um aumento ainda maior da população na região.

O efeito cobra exemplifica o impacto de feedbacks não previstos em sistemas sociais complexos. Esses sistemas são marcados por interações não lineares, múltiplos agentes com interesses variados e a dificuldade de antecipar o impacto total de mudanças em qualquer parte do sistema. Sem um monitoramento atento das possíveis respostas adaptativas dos envolvidos, intervenções podem gerar incentivos perversos que não apenas agravem a situação inicial, mas também introduzam novos problemas.

A natureza dos problemas complexos

Sob a ótica do Cynefin Framework, um sistema complexo se caracteriza por ser um ambiente em que as relações de causa e efeito não são imediatamente perceptíveis ou previsíveis, mesmo após análise detalhada. Na prática, qualquer entendimento dessas relações só se torna possível em retrospecto, ou seja, ao examinar eventos que já ocorreram. Isso se deve ao fato de que sistemas complexos são dinâmicos, adaptativos e compostos por múltiplos agentes interconectados, cujas interações geram comportamentos emergentes. Esses comportamentos não podem ser explicados apenas pelas características individuais de seus componentes.

Enfrentar problemas complexos de forma direta pode resultar em desperdício de energia, já que o sistema reage e se modifica a cada intervenção. Assim, é essencial identificar e atuar nos vetores capazes de influenciar mudanças de estado dentro do próprio sistema. Vale destacar que problemas complexos nunca têm uma única causa, e uma causa, por sua vez, pode gerar múltiplos efeitos desconhecidos.

Reconhecer as características de um contexto complexo ajuda a evitar armadilhas como visões macro-reducionistas, exemplificadas pela clássica conclusão: “o problema é a cultura!”. Da mesma forma, abordagens micro-reducionistas, que atribuem a culpa a indivíduos ou comportamentos específicos, também são prejudiciais. Em um sistema social complexo, é fundamental entender que até mesmo decisões individuais são moldadas pela coletividade — um conjunto de formas de pensar e agir compartilhadas dentro de uma organização.

O que podemos fazer de forma diferente?

Retornando à empresa mencionada no início do texto, seus líderes, após gerar considerável desperdício, perceberam que os problemas de engajamento e produtividade não poderiam ser resolvidos com uma solução simples e direta. A situação era, na verdade, resultado de um emaranhado de fatores interconectados: uma estrutura organizacional centralizadora, processos e rituais que privilegiavam a conformidade em detrimento da criatividade, políticas de carreira desalinhadas com as expectativas dos funcionários e até mesmo rumores e narrativas não intencionais que permeavam o ambiente de trabalho. Cada um desses elementos, embora parecessem secundários à primeira vista, contribuíam para formar um sistema complexo onde os problemas se reforçavam mutuamente.

A navegação em contextos complexos exige a adoção de práticas adaptativas, como o método “probe-sense-respond” (investigar, perceber e responder). Essa abordagem começa com pequenos experimentos que exploram o sistema, identificam padrões emergentes e avaliam como o sistema responde a diferentes intervenções. As descobertas obtidas são usadas para ajustar as ações subsequentes, permitindo uma adaptação contínua conforme o sistema evolui.

Abordar problemas complexos de forma indireta significa explorar um emaranhado de fatores que podem estar influenciando uma determinada situação. Exemplos recorrentes, como o baixo engajamento ou a saída indesejada de talentos de uma empresa, ilustram esse tipo de desafio. Problemas complexos como esses não são resolvidos simplesmente com uma única ação. 

Com base em minha experiência em companhias semelhantes à mencionada na história acima, tem sido indispensável explorar diferentes níveis de fatores ambientais, como mercado, processos internos, estrutura organizacional, evolução profissional, motivadores intrínsecos, políticas de remuneração, benefícios, tecnologias, comportamento das lideranças e até mesmo hábitos informais e inconscientes enraizados na cultura organizacional.

A execução de safe-to-fail probes (experimentos seguros para falhar) é uma abordagem fundamental para lidar com a complexidade e a imprevisibilidade de sistemas sociais complexos. Esses experimentos consistem em pequenas intervenções projetadas para testar hipóteses em paralelo, permitindo aprendizado com os resultados enquanto minimizam os riscos associados a eventuais falhas. Essa prática não apenas reduz os impactos negativos das falhas, mas também possibilita o monitoramento de resultados oblíquos — efeitos colaterais ou inesperados que podem surgir de tais intervenções.

Reconhecer esses efeitos oblíquos em sistemas complexos é essencial para evitar decisões estratégicas equivocadas. Nesses sistemas, as interações entre os componentes frequentemente geram resultados inesperados ou desproporcionais às intenções originais. Ignorar essas dinâmicas pode resultar em consequências indesejadas, desperdício de recursos e falhas estratégicas que poderiam ser evitadas por meio de uma compreensão mais profunda da complexidade inerente ao ambiente corporativo.

Compartilhar:

É Chief Scientific Officer na The Cynefin Co. Brazil e possui uma trajetória de pioneirismo com agilidade e complexidade. Teve trabalhos de grande destaque envolvendo a disciplina Agile Coaching, como a publicação do livro The Agile Coaching DNA, e introduzindo o conceito de plasticidade organizacional para comunidades e organizações. Na Austrália, esteve envolvido em iniciativas de transformação nas áreas financeira e de segurança civil, onde utilizou complexidade aplicada como base do seu trabalho. Mais recentemente foi Diretor de Business Agility para Americas da consultoria alemã GFT.

Artigos relacionados

Reputação sólida, ética líquida: o desafio da integridade no mundo corporativo

No mundo corporativo, reputação se constrói com narrativas, mas se sustenta com integridade real – e é justamente aí que muitas empresas tropeçam. É o momento de encarar os dilemas éticos que atravessam culturas organizacionais, revelando os riscos de valores líquidos e o custo invisível da incoerência entre discurso e prática.

Vivemos a reinvenção do CEO?

Está na hora de entender como o papel de CEO deixou de ser sinônimo de comando isolado para se tornar o epicentro de uma liderança adaptativa, colaborativa e guiada por propósito. A era do “chefão” dá lugar ao maestro estratégico que rege talentos diversos em um cenário de mudanças constantes.

ESG, Cultura organizacional, Inovação
6 de agosto de 2025
Inovar exige enxergar além do óbvio - e é aí que a diversidade se torna protagonista. A B&Partners.co transformou esse conceito em estratégia, conectando inclusão, cultura organizacional e metas globais e impactou 17 empresas da network!

Dilma Campos, Gisele Rosa e Gustavo Alonso Pereira

9 minutos min de leitura
Cultura organizacional, ESG, Gestão de pessoas, Liderança, Marketing
5 de agosto de 2025
No mundo corporativo, reputação se constrói com narrativas, mas se sustenta com integridade real - e é justamente aí que muitas empresas tropeçam. É o momento de encarar os dilemas éticos que atravessam culturas organizacionais, revelando os riscos de valores líquidos e o custo invisível da incoerência entre discurso e prática.

Cristiano Zanetta

6 minutos min de leitura
Inteligência artificial e gestão, Estratégia e Execução, Transformação Digital, Gestão de pessoas
29 de julho de 2025
Adotar IA deixou de ser uma aposta e se tornou urgência competitiva - mas transformar intenção em prática exige bem mais do que ambição.

Vitor Maciel

3 minutos min de leitura
Carreira, Aprendizado, Desenvolvimento pessoal, Lifelong learning, Pessoas, Sociedade
27 de julho de 2025
"Tudo parecia perfeito… até que deixou de ser."

Lilian Cruz

5 minutos min de leitura
Inteligência Artificial, Gestão de pessoas, Tecnologia e inovação
28 de julho de 2025
A ascensão dos conselheiros de IA levanta uma pergunta incômoda: quem de fato está tomando as decisões?

Marcelo Murilo

8 minutos min de leitura
Liderança, Cultura organizacional, Liderança
25 de julho de 2025
Está na hora de entender como o papel de CEO deixou de ser sinônimo de comando isolado para se tornar o epicentro de uma liderança adaptativa, colaborativa e guiada por propósito. A era do “chefão” dá lugar ao maestro estratégico que rege talentos diversos em um cenário de mudanças constantes.

Bruno Padredi

2 minutos min de leitura
Desenvolvimento pessoal, Carreira, Carreira, Desenvolvimento pessoal
23 de julho de 2025
Liderar hoje exige muito mais do que seguir um currículo pré-formatado. O que faz sentido para um executivo pode não ressoar em nada para outro. A forma como aprendemos precisa acompanhar a velocidade das mudanças, os contextos individuais e a maturidade de cada trajetória profissional. Chegou a hora de parar de esperar por soluções genéricas - e começar a desenhar, com propósito, o que realmente nos prepara para liderar.

Rubens Pimentel

4 minutos min de leitura
Pessoas, Cultura organizacional, Gestão de pessoas, Liderança, times e cultura, Liderança, Gestão de Pessoas
23 de julho de 2025
Entre idades, estilos e velocidades, o que parece distância pode virar aprendizado. Quando escuta substitui julgamento e curiosidade toma o lugar da resistência, as gerações não competem - colaboram. É nessa troca sincera que nasce o que importa: respeito, inovação e crescimento mútuo.

Ricardo Pessoa

5 minutos min de leitura
Liderança, Marketing e vendas
22 de julho de 2025
Em um mercado saturado de soluções, o que diferencia é a história que você conta - e vive. Quando marcas e líderes investem em narrativas genuínas, construídas com propósito e coerência, não só geram valor: criam conexões reais. E nesse jogo, reputação vale mais que visibilidade.

Anna Luísa Beserra

5 minutos min de leitura
Tecnologia e inovação
15 de julho 2025
Em tempos de aceleração digital e inteligência artificial, este artigo propõe a literacia histórica como chave estratégica para líderes e organizações: compreender o passado torna-se essencial para interpretar o presente e construir futuros com profundidade, propósito e memória.

Anna Flávia Ribeiro

17 min de leitura