Estratégia e Execução

Quando a produtividade é indefensável

Ao contrário do que prega o pensamento dominante da década de 1970 para cá, a estratégia de produtividade máxima não se aplica a todas as empresas de serviços; ela depende de tecnologia e da importância da satisfação do cliente

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Muitas empresas sonham em aumentar a produtividade, mantendo qualidade e quantidade de produção com custos cada vez menores, para aumentar os lucros. em um momento em que as economias mais maduras se voltam para o setor de serviços, muitos gestores buscam converter tal sonho em realidade desenvolvendo processos automatizados que reduzam o recurso mais caro: as pessoas. 

Às vezes, funciona. em 2007, a companhia aérea Alaska Airlines implantou um sistema de check-in no aeroporto internacional de Anchorage: a meta era que, até o ano seguinte, 73% dos passageiros com partida ali fizessem o check-in em totens ou pela internet, ante a média setorial de 50%. A medida representava uma substancial economia e a produtividade da empresa subiu 18%. entre 2007 e 2009, a Alaska Airlines cortou a força de trabalho em 10% e aumentou o lucro líquido em 25%. no entanto, em outros casos, as vantagens de buscar maior produtividade em uma empresa de serviços não são tão palpáveis assim. 

A Comcast, do setor de comunicações, aumentou sua produtividade em 11,4% de 2006 para 2007 e em 10,9% de 2007 para 2008. Porém, entre 2006 e 2008, a aprovação dos consumidores à Comcast caiu significativamente, de acordo com o American Customer satisfaction Index, ficando abaixo da média do setor. O exemplo da Comcast sugere que, nos casos de empresas de serviços, não é fácil obter ganhos de produtividade sem arranhar a percepção de qualidade; nessas organizações, tal percepção tende a se correlacionar com o investimento em recursos humanos. 

Assim, ao contrário do que ocorre em uma linha de montagem, o aumento da produtividade em serviços nem sempre eleva a rentabilidade. em outras palavras, se, em termos de macroeconomia, mais produtividade significa mais lucro e, portanto, mais riqueza, no nível microeconômico, a dinâmica pode ser diferente, obrigando os gestores a pensar em produtividade não como algo a ser eternamente ampliado.

**DOIS FATORES PESAM**

Fizemos um estudo em grande escala com centenas de empresas norte-americanas para entender como funciona a produtividade no setor de serviços. O modelo permitiu testar o efeito de diversas variáveis na otimização da produtividade e mostrou que, para determinado nível de tecnologia, existe uma relação em forma de U invertido entre produtividade e retorno financeiro, o que revela que há um nível de produtividade que não deve ser ultrapassado. Conforme o avanço da tecnologia, contudo, esse nível avança ao longo do tempo. Em nosso estudo, notamos que o nível de produtividade ideal aumentou em média cerca de 20% entre 2002 e 2007, como exemplifica a evolução dos sistemas de reserva de viagens online. A agência de viagens virtual expedia elevou sua produtividade em 15% entre 2005 e 2010 sem comprometer a satisfação do cliente. A possibilidade de rastreamento pela internet gerou aumento de produtividade para a United Parcel service (UPs) e para a fedex também sem afetar a qualidade. 

Em geral, as empresas de serviços tornam-se menos rentáveis tanto se forem produtivas demais como insuficientemente produtivas. O nível de produtividade ideal, portanto, não é um marco rígido. nosso estudo sugere que, em vez de considerarem a produtividade um resultado a ser maximizado, as empresas devem tratá-la como uma variável de decisão estratégica que depende do negócio e da tecnologia. e, para maximizar a rentabilidade, é essencial definir o nível certo de produtividade [veja quadro na próxima página]. A chave para decidir sobre a produtividade envolve dois fatores –tecnologia e importância relativa da satisfação do cliente–, e o segundo deles muitas vezes é subestimado.

Quando a satisfação é mais importante que a eficiência, o nível de produtividade ideal tende a ser comparativamente mais baixo. no setor de serviços, satisfação depende de recursos humanos, porque envolve antecipar necessidades, e, quanto maior o número de pessoas alocadas para isso, maior a aprovação dos clientes. 

![](https://revista-hsm-public.s3.amazonaws.com/uploads/53551606-84b6-4689-aee2-4211f5858a9c.jpeg)

**MAIS SATISFAÇÃO**

Então, quando a satisfação do cliente deve ter mais peso do que a eficiência? Quando as margens de lucro do negócio forem mais elevadas. A Kroger e o Whole foods Market são cadeias de supermercados com sede nos estados Unidos, mas o Whole foods, rede varejista luxuosa sediada em Austin, no Texas, tende a usar mais pessoas no atendimento aos clientes. Os fatores que incentivam a prestação de serviço melhor também contribuem para uma produtividade menor. 

**MAIS TECNOLOGIA**

Quando a eficiência é mais importante do que a satisfação do cliente? Em primeiro lugar, quando se trata de um setor com pouca concorrência, em que os clientes têm menos opções e o atendimento tende a ser tratado como menos prioritário. Com menor necessidade de competir, a produtividade pode ser maior, com aposta na automação, ou seja, “empurrando” os clientes para o autosserviço. Em segundo lugar, a eficiência pesa mais em negócios em que os salários são particularmente elevados, porque neles a satisfação sai muito caro. Talvez haja perda de receita, mas a redução de custos pode compensar.

**COMPARAÇÃO  E INTUIÇÃO**

Descobrir qual o nível de produtividade ideal para sua organização é uma tarefa que pode ser facilitada pela comparação com os concorrentes. seus preços e/ou margens são mais elevados do que os da concorrência? Em caso positivo, você provavelmente deveria ter um nível de produtividade mais baixo do que o deles. e a comparação vale para os salários dos colaboradores: se uma empresa japonesa compete com uma chinesa, por exemplo, precisará ter um nível de produtividade mais alto. Também é possível ter uma noção intuitiva de como gerenciar a produtividade do serviço com a avaliação de períodos de alta e de baixa produtividade. vejamos o caso de um restaurante fast-food de santa Bárbara, na Califórnia. 

Trata-se de um negócio de baixos preços e baixas margens em uma cidade rica, onde os salários são altos, e as restrições de zoneamento podem limitar o número de estabelecimentos, resultando em baixa concorrência. nesse cenário, o restaurante deve minimizar o uso de mão de obra e automatizar o máximo possível. no outro extremo está um caro restaurante francês em Xangai, na China, onde os preços e as margens são altos. Ao mesmo tempo, os salários são relativamente baixos e há muitos concorrentes, e nesse caso convém empregar o número de profissionais necessário para satisfazer o cliente. 

**A NOVA GESTÃO  DOS PRESTADORES  DE SERVIÇOS**

Atualmente existe um grande movimento com o objetivo de repensar a ciência da gestão criada em um mundo dominado pela produção em massa. na economia de meio século atrás, dominada pela manufatura, tudo se resumia a produção e comercialização em massa, e qualidade era sinônimo de padronização. 

Só que as coisas mudaram muito. nos países desenvolvidos, já predominam os serviços, responsáveis por 80% da economia norte-americana, por exemplo. As tecnologias da informação e da comunicação também tornaram possível o desenvolvimento de relações mais estreitas com os clientes sem grande aumento no quadro de colaboradores. e as mesmas forças que impulsionam a expansão do setor de serviços também estão ampliando a presença dos serviços na economia de produtos. 

Cada vez mais, bens tornam-se commodities e grande parte da economia de produtos é transferida para países com mão de obra barata. Para acompanhar essa tendência, companhias como a iBM deixaram de ser fabricantes para atuar como fornecedoras de serviços, exemplo seguido por grande número de empresas de serviços de informação. sob a liderança da iBM e de outros gigantes da tecnologia, surgiu um movimento chamado “ciência do serviço”. no mundo acadêmico, a nova tendência é combinada com o pensamento mais antigo, surgido na década de 1970, e a conclusão é quase unânime: a mudança rumo a uma economia de serviços transformou a maneira como as empresas devem ser administradas. e a segunda conclusão é: a visão tradicional baseada na fabricação de produtos não funciona mais, sobretudo no que diz respeito à produtividade. 

O ponto de partida de qualquer mudança é o de que toda empresa tem grande chance de ser, pelo menos em parte, uma prestadora de serviços, mesmo que fabrique produtos. Por isso, deve reexaminar os pressupostos sobre produtividade incorporados na formação de gestores e nos sistemas de remuneração, já que, em muitos aspectos, criam-se incentivos para que os gestores elevem a produtividade, ainda que à custa das receitas e do lucro. se um gestor acredita que ganhará mais com o aumento da produtividade no curto prazo do que com a construção de lucros no longo prazo, a empresa pode sofrer. se você é um executivo, tem de adequar suas políticas para permitir a tomada de decisões comprometidas com retornos maiores no longo prazo. O mercado financeiro costuma pressionar as empresas de capital aberto a elevar seus lucros a cada trimestre, mas uma prestadora de serviços precisa de tempo para aferir o retorno em termos de satisfação dos clientes, seja por meio de reincidência na compra, seja pela recomendação boca a boca. 

**RESISTINDO  À TENTAÇÃO  (E AO HÁBITO)**

Obter aumento de produtividade rapidamente é fácil; basta diminuir custos, reduzindo o quadro de colaboradores. isso constitui uma enorme tentação (e um hábito, talvez) para os gestores, sobretudo os que atuam em grandes empresas, nas quais a economia de escala sempre parece deixar a automação ainda mais atraente. essas organizações em geral também têm escala para investir em pesquisa e desenvolvimento, o que incentiva seus gestores a fazer a implementação mais rápida das tecnologias de autoatendimento. 

Mas é possível que eles tenham de tomar a dura decisão inversa, de reduzir a produtividade. O leitor se imagina nessa situação? isso é ilustrado, por exemplo, pela tentativa de instalar caixas auto-operadas nos supermercados dos estados Unidos, ideia que encantou os varejistas por apresentar a possibilidade de reduzir o número de atendentes nas lojas. só que esse aumento na produtividade veio à custa de menor satisfação do cliente. 

Tanto não deu certo que, de acordo com o food Marketing institute, o uso do chamado “self-checkout” em supermercados atingiu um pico de 22% em 2007, mas recuou para 16% em 2010. Os clientes de supermercados mandaram o recado de que preferem encerrar suas compras atendidos por uma pessoa e, em 2011, o Big Y foods, de Massachusetts, decidiu eliminar inteiramente o self-checkout, medida também tomada por grandes redes, como a Albertsons e a Kroger. em 2012, enquanto o Wamart ampliou os self-checkouts, o Whole foods e a Kroger aumentaram o número de caixas operados por atendentes de carne e osso, alegando ser a melhor maneira de preservar os clientes.

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