No primeiro trimestre da gestação, meu corpo parecia ter um plano próprio. E ele não incluía reuniões, metas ou entregas. Eu, que sempre funcionei em ritmo acelerado, me vi sendo desacelerada por dentro. Era um sono quase infinito, e um cansaço que não se resolvia com café, literalmente. Grávidas são quase proibidas de tomar cafeína. Então, quando bate a saudade do sabor, recorro ao descafeinado, mas ele não desperta ninguém. E chá? Só camomila, erva-doce ou capim-cidreira. Nada de chá verde, preto ou mate. Ou seja, nada que “dê energia”.
A vida decidiu me ensinar, na marra, que às vezes não há outro jeito senão parar. Enquanto o corpo pedia pausa, o negócio pedia pressa. E entre um e outro, aprendi o que ninguém ensina: está tudo bem dizer não, está tudo bem remarcar, e está tudo bem não dar conta de tudo.
Outro dia, precisei cancelar uma reunião importante. Escrevi: “Oi, eu preciso remarcar. Estou grávida e hoje estou bastante indisposta.” A resposta foi empática, e na reunião seguinte, o clima foi ainda melhor. Em outro almoço, ganhei até um mimo pra Lara. A pessoa sabia da minha trajetória, das perdas gestacionais, das tentativas, da FIV frustrada, e celebrou comigo. Foi um lembrete simples: ser honesta sobre o que se vive aproxima as pessoas.
Liderar também é escutar o corpo
Liderar e gestar têm algo em comum: ambos exigem energia, mas também pedem pausa. O corpo avisa antes de quebrar, e a mente também. E precisamos aprender a ouvir. Segundo o Work Trend Index 2025, da Microsoft, 80% dos profissionais dizem não ter energia suficiente para cumprir suas tarefas. A Gallup mostrou que 6 em cada 10 líderes relatam sentir exaustão. Ou seja, estamos cansando de um jeito estrutural, e não é por falta de propósito, é por falta de limite.
Quando se lidera uma empresa em crescimento, o descanso precisa ser planejado como qualquer outro processo. Não é luxo, é gestão. O cérebro em exaustão perde capacidade de decisão, empatia e foco. Não há inovação nem performance sustentáveis quando o time está no limite. É exatamente isso que a NR-1, revisada em 2024, tenta mostrar: que saúde e segurança no trabalho não se resumem a EPIs ou a riscos físicos. A norma trouxe para o centro o gerenciamento dos riscos psicossociais, aqueles que nascem da sobrecarga, da insegurança, da pressão constante e da falta de controle. Em outras palavras, se o ambiente adoece, o negócio também adoece.
Ser um líder humano não é sobre discurso inspirador, é sobre coerência. Quando o gestor admite que está cansado, ele autoriza os outros a fazer o mesmo, e esse simples gesto evita afastamentos, melhora o clima e reduz riscos. A segurança psicológica, conceito amplamente estudado por Amy Edmondson e Timothy Clark, mostra que ambientes onde as pessoas podem falar sem medo erram menos, inovam mais e adoecem menos.
Ser CEO e estar grávida aos 44 anos é um lembrete diário de que o corpo não opera em modo automático. Que às vezes é preciso ajustar o ritmo, e que trabalhar com intensidade não precisa significar trabalhar sem pausa. Não romantizo o trabalho, eu gosto de trabalhar, e trabalho muito. Mas aprendi que não existe entrega de qualidade sem energia de qualidade.
O corpo é o primeiro indicador de risco, e ignorar isso não é força, é má gestão.





