Empreendedorismo
7 min de leitura

‘Vale tudo’ na sucessão familiar de uma empresa? Nem tudo!

Falta de governança, nepotismo e desvios: como as empresas familiares repetem os erros da vilã de 'Vale Tudo'
Sergio Simões é sócio e líder da prática de boards da EXEC, doutorando pela Poli-USP e atua como conselheiro de administração e consultivo em empresas do setor de saúde, educação, mídia e serviços. É investidor-anjo e senior advisor em startups e scaleups. Em 2020, foi eleito o Executivo do Ano em Transformação Digital e Cultural pela IT Midia/Korn Ferry.

Compartilhar:

Uma das novelas que mais fez sucesso na TV Globo nos anos 1980 está de volta. O remake da obra “Vale Tudo” traz novamente para as telinhas os dramas vivenciados por personagens como Odete Roitman (Débora Bloch), presidente do grupo Almeida Roitman, seu filho Afonso (Humberto Carrão), sua filha Heleninha (Paolla Oliveira), que é marginalizada pela mãe por ser alcoólatra e não atender às suas expectativas, seu ex-genro Marco Aurélio (Alexandre Nero), vice-presidente da empresa que desvia os lucros, e o atual “quase” genro Ivan Meirelles (Renato Góes), um profissional competente que também está envolvido na gestão da empresa.

Odete Roitman é uma mulher fria, calculista e implacável, que tem uma visão elitista do mundo e despreza o Brasil – considera o país muito “tupiniquim” para o seu gosto. Ela manipula a vida dos filhos, especialmente do filho Afonso, no qual deposita as suas esperanças de dar continuidade ao império familiar, além de impor suas vontades e decisões, de forma autoritária, em cima dos demais integrantes da família envolvidos na dinâmica do negócio. Ela representa a visão do fundador, do dono da empresa, que se mostra autoconfiante e arrogante ao achar que só ele sabe o que é melhor para a empresa (e para a família!). Isso é algo que acontece com grande frequência na gestão das companhias familiares no país.

Algumas das características da Odete que carecem atenção são a falta de empatia, excesso de centralização e nepotismo, algo que também faz parte de grande parte da realidade empresarial familiar no país. Odete também é adepta da transparência e equidade zero na gestão, na prestação de contas e no relacionamento com seus stakeholders. Além disso, ela burla alguns princípios morais.

Outro ponto é a ausência de instrumentos de governança – como um auditor externo ou a presença de um conselho fiscal, no império de Roitman para avaliar as contas da companhia. Odete não se preocupa com os gastos da organização, algo que ela não vê. Ela quer controlar o comportamento de compras da irmã, como o sofá novo que ela adquiriu. Isso mostra claramente a dificuldade de controlar o que ela não vê, ou seja, os lucros da empresa, que acabam ficando ‘escondidos’ e suscetíveis aos desvios de Marco Aurélio.

Listo aqui alguns pontos importantes que devem servir de atenção para as empresas familiares no Brasil quando o assunto é sucessão familiar:

  • A falta de um plano de sucessão claro e a ausência de diálogo entre os membros da família podem levar à instabilidade e até à falência da organização. A sucessão precisa ser algo planejado, com a implementação de processos, que muitas vezes não são executados, pois acaba sendo algo levado sob a ótica pessoal. Ela ajuda a entender os caminhos para o futuro e garantir a perenidade da organização.
  • A importância de ter profissionais externos na gestão. A presença de Ivan destaca a necessidade de integrar talentos externos para garantir a continuidade e inovação na empresa, ajudando inclusive no equilíbrio das relações familiares. Traduzindo para a realidade, isso demanda que as empresas contratem executivos de fora para lidar com a gestão de forma “profissionalizada”, o que gera mais transparência para os números, melhor controle das finanças e entrega das estratégias definidas pelos acionistas.
  • Um dos grandes erros das empresas familiares é a falta de visão sobre as diferenças entre propriedade e gestão. São coisas distintas. Nem sempre o ideal é querer colocar alguém da família na cadeira número 1 da gestão. Um filho(a), por exemplo, não precisa ser capacitado para assumir a administração da organização – ele(a) pode querer trilhar outro caminho profissional que nada tenha a ver com a empresa. O que ele(a) precisa é ser preparado para agir como proprietário quando necessário e ter uma visão de controle da companhia.
  • A ausência de aplicação dos princípios de governança geram vários problemas na gestão e podem comprometer o futuro da empresa. A falta de visão sobre os números da empresa, incluindo custos, lucros, receitas, entre outros, podem gerar vários problemas na gestão, incluindo o desvio – existem muitos ‘Marcos Aurélios’ por aí – principalmente quando aumenta a presença de integrantes da família no comando. Quando as empresas passam a ficar preocupadas em implementar a governança, o que na visão de muitas, é um processo custoso, muitas vezes é tarde. É importante, antes de tudo, trazer um conselho ‘construtivo’, que crie os pilares de governança para depois migrar para um conselho consultivo ou de administração. Ter uma governança estruturada ajuda na compreensão sobre se as coisas estão caminhando como se deveriam.

O caminho de profissionalização do processo de sucessão das empresas familiares ainda é longo. É preciso ajustar muitas coisas ao longo do caminho para alcançar um alto nível de profissionalização nesse processo. Já demos alguns passos, mas a estrada ainda requer muitos ajustes e adequações para os próximos capítulos.

Compartilhar:

Artigos relacionados

A aposta calculada que levou o Boticário a ser premiado no iF Awards

Enquanto concorrentes correm para lançar coleções sazonais inspiradas em tendências efêmeras, o Boticário demonstra que compreende um princípio fundamental: o verdadeiro valor do design não está na estética superficial, mas em sua capacidade de gerar impacto social e econômico simultaneamente. A linha Make B., vencedora do iF Design Award 2025, não é um produto de beleza – é um manifesto estratégico.

Inovação
25 de agosto de 2025
A importância de entender como o design estratégico, apoiado por políticas públicas e gestão moderna, impulsiona o valor real das empresas e a competitividade de nações como China e Brasil.

Rodrigo Magnago

9 min de leitura
Cultura organizacional, ESG, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
25 de agosto de 2025
Assédio é sintoma. Cultura é causa. Como ambientes de trabalho ainda normalizam comportamentos abusivos - e por que RHs, líderes e áreas jurídicas precisam deixar a neutralidade de lado e assumir o papel de agentes de transformação. Respeito não pode ser negociável!

Viviane Gago, Facilitadora em desenvolvimento humano

5 minutos min de leitura
Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho, Estratégia, Inovação & estratégia, Tecnologia e inovação
22 de agosto de 2025
Em tempos de alta complexidade, líderes precisam de mais do que planos lineares - precisam de mapas adaptativos. Conheça o framework AIMS, ferramenta prática para navegar ambientes incertos e promover mudanças sustentáveis sem sufocar a emergência dos sistemas humanos.

Manoel Pimentel - Chief Scientific Officer na The Cynefin Co. Brazil

8 minutos min de leitura
Inovação & estratégia, Finanças, Marketing & growth
21 de agosto de 2025
Em tempos de tarifas, volta de impostos e tensão global, marcas que traduzem o cenário com clareza e reforçam sua presença local saem na frente na disputa pela confiança do consumidor.

Carolina Fernandes, CEO do hub Cubo Comunicação e host do podcast A Tecla SAP do Marketês

4 minutos min de leitura
Uncategorized, Empreendedorismo, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
20 de agosto de 2025
A Geração Z está redefinindo o que significa trabalhar e empreender. Por isso é importante refletir sobre como propósito, impacto social e autonomia estão moldando novas trajetórias profissionais - e por que entender esse movimento é essencial para quem quer acompanhar o futuro do trabalho.

Ana Fontes

4 minutos min de leitura
Inteligência artificial e gestão, Transformação Digital, Cultura organizacional, Inovação & estratégia
18 de agosto de 2025
O futuro chegou - e está sendo conversado. Como a conversa, uma das tecnologias mais antigas da humanidade, está se reinventando como interface inteligente, inclusiva e estratégica. Enquanto algumas marcas ainda decidem se vão aderir, os consumidores já estão falando. Literalmente.

Bruno Pedra, Gerente de estratégia de marca na Blip

3 minutos min de leitura
Cultura organizacional, Estratégia, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
15 de agosto de 2025
Relatórios de tendências ajudam, mas não explicam tudo. Por exemplo, quando o assunto é comportamento jovem, não dá pra confiar só em categorias genéricas - como “Geração Z”. Por isso, vale refletir sobre como o fetiche geracional pode distorcer decisões estratégicas - e por que entender contextos reais é o que realmente gera valor.

Carol Zatorre, sócia e CO-CEO da Kyvo. Antropóloga e coordenadora regional do Epic Latin America

4 minutos min de leitura
Liderança, Bem-estar & saúde, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
14 de agosto de 2025
Como a prática da meditação transformou minha forma de viver e liderar

Por José Augusto Moura, CEO da brsa

5 minutos min de leitura
Cultura organizacional, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
14 de agosto de 2025
Ainda estamos contratando pessoas com deficiência da mesma forma que há décadas - e isso precisa mudar. Inclusão começa no processo seletivo, e ignorar essa etapa é excluir talentos. Ações afirmativas e comunicação acessível podem transformar sua empresa em um espaço realmente inclusivo.

Por Carolina Ignarra, CEO da Talento Incluir e Larissa Alves, Coordenadora de Empregabilidade da Talento Incluir

5 minutos min de leitura
Saúde mental, Gestão de pessoas, Estratégia
13 de agosto de 2025
Lideranças que ainda tratam o tema como secundário estão perdendo talentos, produtividade e reputação.

Tatiana Pimenta, CEO da Vittude

2 minutos min de leitura