Dossiê HSM

Zeitgeist: o que você e seu negócio têm a ver com isso?

O “espírito do tempo”, conceito associado ao filósofo alemão Hegel, é um desafio cada vez maior para as organizações atuais, embora muitas não se deem conta do fenômeno. Muitos gestores ainda penam para ler o zeitgeist e alinhar suas decisões com ele. Eles pensam: e se for só modismo?
Sandra Regina da Silva é colaboradora de HSM Management.

Compartilhar:

“Zeitgeist é o movimento que muda a morfologia da sociedade.” Essa é a definição do tema deste Dossiê proposta por Paula Englert, CEO da consultoria estratégica Box 1824, que se especializa justamente em pesquisar o espírito do tempo e “traduzi-lo” para os negócios.

Para Maria José Tonelli, professora da Fundação Getulio Vargas (FGV-Eaesp), o movimento é de determinadas mentalidades que ganham mais força, como aconteceu no pós-guerra, quando os ideais de esperança, reconstrução e valorização da democracia foram cascateando de cima para baixo na sociedade e influenciando decisões de pessoas e organizações.

No mundo dos negócios, quão importante é que um gestor reconheça o
zeitgeist? Na visão de Tonelli, os gestores precisam estar preparados para lidar com os temas do momento, até perante a opinião pública, para evitar danos de reputação e consequentes perdas financeiras. “Além disso, preparado para o zeitgeist, o gestor influencia toda a força de trabalho”, pontua ela.

E quão importante é que as empresas tomem decisões alinhadas com o espírito do tempo? O surgimento de consumidores e investidores ativistas e a voz cada vez mais alta de stakeholders como funcionários, fornecedores e comunidades fazem com que esse alinhamento seja cada vez mais desejável.

O mais importante talvez seja entender que o zeitgeist já entrou na agenda de gestores e empresas líderes. Daniella Diniz, brasileira que é gestora na Alliance for Decision Education, observa que o modo de operação de várias companhias, ao menos nos Estados Unidos, vem de fato se transformando para incorporar algumas novas mentalidades presentes na sociedade. Em suas posições anteriores como diretora associada da Columbia University e da University of Pennsylvania, ela já acompanhava essa nova transformação.

O mercado corporativo avança no zeitgeist, mas o mesmo não ocorre em outras esferas. “A academia quer compartilhar esse conhecimento atual, mas não conseguiu refletir sobre suas próprias práticas em relação a ele”, comenta Diniz. O exemplo é se ater à formação linear quando a interdisciplinaridade é a nova ordem. Os governos, em sua avaliação, também estão muito atrasados, graças a seus processos pesados e a oscilações nas trocas de lideranças. Estas se preocupam mesmo é em implantar seus próprios valores, segundo a pesquisadora – ou seja, ignoram o zeitgeist.

## Mas qual é o nosso zeitgeist?
Este Dossiê se dedica a detalhar o espírito do nosso tempo, mas Paula Englert traz uma visão panorâmica bem objetiva sobre ele. Na última década, ela explica, o zeitgeist foi marcado por duas forças: o desejo por autonomia e o desejo por afetividade. Recentemente, percebe-se uma transição para outra força: a busca de propósito e a reação ao impacto socioambiental.

A força da autonomia se traduziu em uma demanda por poder de escolha no consumo, o que foi crucial na criação de modelos de negócio de sucesso como Airbnb, Uber, Nubank, iFood, Dr. Consulta etc. Essas empresas representam “a tecnologia criando serviços que respondem ao desejo de busca pela autonomia das pessoas”, diz Englert.

Já o desejo por afetividade se transformou na escalada da personalização do atendimento. Englert diz que as pessoas buscam se sentir respeitadas, ser bem atendidas e bem tratadas – e até serem surpreendidas, o que dá a sensação de que aquilo foi feito exclusivamente para aquele consumidor.

Já o zeitgeist emergente, de impacto e propósito, tem provocado a depreciação dos modelos de negócio nascidos no espírito do tempo imediatamente anterior – vide as polêmicas em relação a injustiças nos contratos de aplicativos de mobilidade, por exemplo. O inconformismo e a busca por justiça presentes na sociedade e amplificados por movimentos como #MeToo e #BlackLivesMatter são o que geram essa força.

Tonelli concorda com Englert sobre a força emergente ESG, que ela descreve como uma mentalidade de “resgatar a esperança na ciência e na tecnologia como formas de reconstruir um planeta habitável, sustentável, com mais justiça e livre da ignorância”. Já Diniz ainda não tem clareza sobre ser uma mudança contextual sólida. Se/quando isso passar a ser a nova norma hegemônica, por exemplo, as antigas práticas corporativas que vão de encontro a ESG acabarão sendo abandonadas pelas empresas, o que ainda não se vê acontecer.

O que é, de onde vem e como “funciona” o zeitgeist

Termo cunhado em 1769 pelo filósofo e escritor romântico alemão Johann Herde, o zeitgeist ganhou relevância em 1837 ao ser citado no livro Filosofia da história, de outro filósofo alemão – Friedrich Hegel.

Ele significa “espírito do tempo” e designa todo o clima intelectual, sociológico e cultural de determinada época, representando o que é mais valorizado por pessoas e organizações naquele momento.

O zeitgeist surge como uma força e ganha tração à medida que aborda o que gera desconforto nas pessoas – pois o que gera desconforto traz implícita uma demanda. Isso vai formando um inconsciente coletivo que empurra a sociedade para uma mentalidade nova.

## Como usar
O modo de lidar com o zeitgeist pode ser mais simples do que se pensa. Tonelli propõe fazer, diante das possibilidades, uma reflexão sobre se aquilo é, ou não, essencial para a sobrevivência das organizações e todos os seus stakeholders no contexto atual. Se a resposta for sim, deve-se adotar; vai-se desdobrando aquilo em camadas. E nunca sem a devida avaliação de implicações, custos e disposição das pessoas de assumir novos valores e compromissos.

Um dos riscos – talvez o maior – é adotar um posicionamento que não se sustenta na prática. “Aí vira simplesmente mecanismo de marketing”, comenta Diniz. Não funciona.

__Leia mais: [Tecnologia, a força motriz do espírito do tempo](https://www.revistahsm.com.br/post/tecnologia-a-forca-motriz-do-espirito-do-tempo)__

Compartilhar:

Artigos relacionados

Os sete desafios das equipes inclusivas

Inclusão não acontece com ações pontuais nem apenas com RH preparado. Sem letramento coletivo e combate ao capacitismo em todos os níveis, empresas seguem excluindo – mesmo acreditando que estão incluindo.

Reaprender virou a palavra da vez

Reaprender não é um luxo – é sobrevivência. Em um mundo que muda mais rápido do que nossas certezas, quem não reorganiza seus próprios circuitos mentais fica preso ao passado. A neurociência explica por que essa habilidade é a verdadeira vantagem competitiva do futuro.

Inovação & estratégia
24 de outubro de 2025
Grandes ideias não falham por falta de potencial - falham por falta de método. Inovar é transformar o acaso em oportunidade com observação, ação e escala.

Priscila Alcântara e Diego Souza

6 minutos min de leitura
Cultura organizacional, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
23 de outubro de 2025
Alta performance não nasce do excesso - nasce do equilíbrio entre metas desafiadoras e respeito à saúde de quem entrega os resultados.

Rennan Vilar - Diretor de Pessoas e Cultura do Grupo TODOS Internacional.

4 minutos min de leitura
Uncategorized
22 de outubro de 2025
No setor de telecom, crescer sozinho tem limite - o futuro está nas parcerias que respeitam o legado e ampliam o potencial dos empreendedores locais.

Ana Flavia Martins - Diretora executiva de franquias da Algar

4 minutos min de leitura
Marketing & growth
21 de outubro de 2025
O maior risco do seu negócio pode estar no preço que você mesmo definiu. E copiar o preço do concorrente pode ser o atalho mais rápido para o prejuízo.

Alexandre Costa - Fundador do grupo Attitude Pricing (Comunidade Brasileira de Profissionais de Pricing)

5 minutos min de leitura
Bem-estar & saúde
20 de outubro de 2025
Nenhuma equipe se torna de alta performance sem segurança psicológica. Por isso, estabelecer segurança psicológica não significa evitar conflitos ou suavizar conversas difíceis, mas sim criar uma cultura em que o debate seja aberto e respeitoso.

Marília Tosetto - Diretora de Talent Management na Blip

4 minutos min de leitura
Inovação & estratégia, Marketing & growth
17 de outubro de 2025
No Brasil, quem não regionaliza a inovação está falando com o país certo na língua errada - e perdendo mercado para quem entende o jogo das parcerias.

Rafael Silva - Head de Parcerias e Alianças na Lecom

3 minutos min de leitura
Bem-estar & saúde, Tecnologia & inteligencia artificial
16 de outubro de 2025
A saúde corporativa está em colapso silencioso - e quem não usar dados para antecipar vai continuar apagando incêndios.

Murilo Wadt - Cofundador e diretor geral da HealthBit

3 minutos min de leitura
Bem-estar & saúde
15 de outubro de 2025
Cuidar da saúde mental virou pauta urgente - nas empresas, nas escolas, nas nossas casas. Em um mundo acelerado e hiperexposto, desacelerar virou ato de coragem.

Viviane Mansi - Conselheira de empresas, mentora e professora

3 minutos min de leitura
Marketing & growth
14 de outubro de 2025
Se 90% da decisão de compra acontece antes do primeiro contato, por que seu time ainda espera o cliente bater na porta?

Mari Genovez - CEO da Matchez

3 minutos min de leitura
ESG
13 de outubro de 2025
ESG não é tendência nem filantropia - é estratégia de negócios. E quando o impacto social é parte da cultura, empresas crescem junto com a sociedade.

Ana Fontes - Empreendeedora social, fundadora da Rede Mulher Empreendedora (RME) e do Instituto RME

3 minutos min de leitura

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #170

O que ficou e o que está mudando na gangorra da gestão

Esta edição especial, que foi inspirada no HSM+2025, ajuda você a entender o sobe-e-desce de conhecimentos e habilidades gerenciais no século 21 para alcançar a sabedoria da liderança

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #170

O que ficou e o que está mudando na gangorra da gestão

Esta edição especial, que foi inspirada no HSM+2025, ajuda você a entender o sobe-e-desce de conhecimentos e habilidades gerenciais no século 21 para alcançar a sabedoria da liderança