Inovação & estratégia, Liderança
4 minutos min de leitura

“Strategy Washing”: quando a estratégia é apenas uma fachada

Estamos entrando na temporada dos planos estratégicos - mas será que o que chamamos de “estratégia” não é só mais uma embalagem bonita para táticas antigas? Entenda o risco do "strategy washing" e por que repensar a forma como construímos estratégia é essencial para navegar futuros possíveis com mais consciência e adaptabilidade.
Fundadora da Zero Gravity Thinking. Consultora e mentora em estratégia, inovação e transformação organizacional.

Compartilhar:

Estamos nos aproximando daquela época do ano em que as empresas começam a se mobilizar para desenhar seus planos para 2026. É um momento intenso que, para alguns, mais se parece com um pesadelo sem fim: agendas lotadas, apresentações detalhadas, cenários e cálculos em milhares de células em um excel. Já participei, acompanhei e observei muitos desses processos e, a cada ciclo, tem me gerado cada vez mais incômodo sobre o quanto grande parte do que se chama de estratégia é, na prática, um esforço de reembalar táticas já conhecidas.

É justamente nesse contexto que surge a provocação deste artigo. Enquanto refletia sobre o tema, percebi o quanto precisamos dar nome a algo que acontece de forma recorrente nas organizações. Assim como acontece em pautas de ESG, em que o discurso muitas vezes se sobrepõe à prática, no universo da estratégia não é diferente. O strategy washing disfarça de “estratégia” aquilo que é, essencialmente, planejamento operacional, execução top down e engajamento simbólico.

Mas como identificar se a sua organização está caindo nessa armadilha? Alguns sinais ajudam a avaliar se sua organização está vivendo este fenômeno. Vamos lá?

O primeiro, que é o mais frequente, é confundir estratégia com plano. Pensando no “produto” deste processo, imaginem um documento final que parece mais uma lista de iniciativas com prazos e responsáveis do que escolhas reais sobre os grandes objetivos, resultados esperados, com uma narrativa clara sobre onde e como a empresa vai competir.

Outro aspecto que costuma reforçar esse apagão estratégico é o foco quase exclusivo na execução. KPIs e dashboards ocupam quase todo o tempo nas discussões e viram uma obsessão quase sem lógica, sem espaço livre para refletir sobre novas direções, hipóteses ou até mesmo mudanças de rota necessárias.

Outro sintoma é que, apesar das tentativas, o engajamento dentro da organização fica apenas no discurso. Existem até convites para “cocriar” o futuro da empresa com alguns níveis de colaboradores, mas os caminhos já estão prontos e as pessoas participam só para validar o que veio de cima (o famoso “top-down”) e a participação muitas vezes acaba se limitando apenas a um ritual simbólico.

A negação do passado e receio de revisitar experiências anteriores (inclusive erros) também nos faz desperdiçar aprendizados que, em outro contexto, poderiam gerar soluções valiosas.

É justamente contra essa lógica que pensadores contemporâneos da estratégia nos provocam. Entre eles, Rita McGrath tem sido uma das vozes mais consistentes que tem me inspirado, e quem mostra por que precisamos repensar a forma como construímos estratégia. Porque estratégia não é um plano estático, mas sim a capacidade de identificar e explorar vantagens temporárias. No seu livro “O Fim da Vantagem Competitiva”, ela mostra como o modelo tradicional (baseado em vantagens duradouras, planos fixos e previsões lineares) não dá conta da realidade atual, que é marcada por mudanças rápidas, ciclos curtos e disrupções inesperadas.

Neste sentido, o planejamento deve evoluir para um processo de elaboração de hipóteses. Ou seja, a estratégia se constrói testando, ajustando, aprendendo. Ela não é um “documento final”, mas funciona como um sistema vivo, onde as escolhas precisam ser revisadas de acordo com as evidências confirmadas ao longo do caminho. Essa mudança de perspectiva nos convida a trocar o conforto das certezas pela humildade das hipóteses.

Isso também nos lembra que boas estratégias não nascem apenas em salas de reunião fechadas, mas emergem do diálogo vivo com clientes, colaboradores e observando sinais e tendências do mercado e consumidores. A organização aprende quando abre espaço para esses sinais. E a estratégia emerge também da inteligência que já existe nos colaboradores, em um processo que exige mais escuta e menos imposição.

Por último, se estratégia é menos sobre controle e mais sobre capacidade de adaptação, é necessário ter coragem para mudar de rota. E insistir na execução de um plano só porque foi formalizado pode ser mais arriscado do que rever e ajustar ao longo do caminho.

O grande risco do strategy washing é transformar o planejamento estratégico em apenas mais um ritual corporativo: apresentações bonitas, engajamento de fachada, métricas bem formatadas. Se quisermos resgatar o verdadeiro poder da estratégia, precisamos abandonar a fachada e viver o processo real, que é imperfeito, iterativo e profundamente humano.

Precisamos repensar o que é estratégia para extrair todo o seu poder que é de ajudar a organização a fazer escolhas conscientes, a aprender com o passado, se adaptar ao presente e se preparar para futuros (isso mesmo, no plural!) possíveis e desejáveis.

Compartilhar:

Fundadora da Zero Gravity Thinking. Consultora e mentora em estratégia, inovação e transformação organizacional.

Artigos relacionados

Cultura organizacional, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
17 de dezembro de 2025
Discurso de ownership transfere o peso do sucesso e do fracasso ao colaborador, sem oferecer as condições adequadas de estrutura, escuta e suporte emocional.

Rennan Vilar - Diretor de Pessoas e Cultura do Grupo TODOS Internacional

4 minutos min de leitura
Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
16 de dezembro de 2025
A economia prateada deixou de ser nicho e se tornou força estratégica: consumidores 50+ movimentam trilhões e exigem experiências centradas em respeito, confiança e personalização.

Eric Garmes é CEO da Paschoalotto

3 minutos min de leitura
Inovação & estratégia, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
15 de dezembro de 2025
Este artigo traz insights de um estudo global da Sodexo Brasil e fala sobre o poder de engajamento que traz a hospitalidade corporativa e como a falta dela pode impactar financeiramente empresas no mundo todo.

Hamilton Quirino - Vice-presidente de Operações da Sodexo

2 minutos min de leitura
Cultura organizacional, Inovação & estratégia
12 de dezembro de 2025
Inclusão não é pauta social, é estratégia: entender a neurodiversidade como valor competitivo transforma culturas, impulsiona inovação e constrói empresas mais humanas e sustentáveis.

Marcelo Vitoriano - CEO da Specialisterne Brasil

4 minutos min de leitura
Inovação & estratégia, Marketing & growth
11 de dezembro de 2025
Do status à essência: o luxo silencioso redefine valor, trocando ostentação por experiências que unem sofisticação, calma e significado - uma nova inteligência para marcas em tempos pós-excesso.

Daniel Skowronsky - Cofundador e CEO da NIRIN Branding Company

3 minutos min de leitura
Estratégia
10 de dezembro de 2025
Da Coreia à Inglaterra, da China ao Brasil. Como políticas públicas de design moldam competitividade, inovação e identidade econômica.

Rodrigo Magnago - CEO da RMagnago

17 minutos min de leitura
Bem-estar & saúde
9 de dezembro de 2025
Entre liderança e gestação, uma lição essencial: não existe performance sustentável sem energia. Pausar não é fraqueza, é gestão - e admitir limites pode ser o gesto mais poderoso para cuidar de pessoas e negócios.

Tatiana Pimenta - Fundadora e CEO da Vittude,

3 minutos min de leitura
Bem-estar & saúde
8 de dezembro de 2025
Com custos de saúde corporativa em alta, a telemedicina surge como solução estratégica: reduz sinistralidade, amplia acesso e fortalece o bem-estar, transformando a gestão de benefícios em vantagem competitiva.

Loraine Burgard - Cofundadora da h.ai

3 minutos min de leitura
Bem-estar & saúde, Liderança
5 de dezembro de 2025
Em um mundo exausto, emoção deixa de ser fragilidade e se torna vantagem competitiva: até 2027, lideranças que integram sensibilidade, análise e coragem serão as que sustentam confiança, inovação e resultados.

Lisia Prado - Consultora e sócia da House of Feelings

5 minutos min de leitura
Finanças
4 de dezembro de 2025

Antonio de Pádua Parente Filho - Diretor Jurídico, Compliance, Risco e Operações no Braza Bank S.A.

3 minutos min de leitura

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #170

O que ficou e o que está mudando na gangorra da gestão

Esta edição especial, que foi inspirada no HSM+2025, ajuda você a entender o sobe-e-desce de conhecimentos e habilidades gerenciais no século 21 para alcançar a sabedoria da liderança

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #170

O que ficou e o que está mudando na gangorra da gestão

Esta edição especial, que foi inspirada no HSM+2025, ajuda você a entender o sobe-e-desce de conhecimentos e habilidades gerenciais no século 21 para alcançar a sabedoria da liderança