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Como o fetiche geracional domina a agenda dos relatórios de tendência

Relatórios de tendências ajudam, mas não explicam tudo. Por exemplo, quando o assunto é comportamento jovem, não dá pra confiar só em categorias genéricas - como “Geração Z”. Por isso, vale refletir sobre como o fetiche geracional pode distorcer decisões estratégicas - e por que entender contextos reais é o que realmente gera valor.
Carol é antropóloga, regional coordinator EPIC - Latam e CO-CEO da Kyvo.

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É amplamente aceito que entender o comportamento dos mais jovens é um movimento essencial para empresas e organizações que investem em inovação e buscam possibilidades futuras de negócios.

Nesse cenário, os relatórios de tendências emergem como uma das ferramentas privilegiadas de embasamento para tomada de decisões em distintos contextos corporativos. A pesquisa de tendências, por exemplo, busca prever padrões de comportamento futuros a partir da análise das práticas e necessidades atuais dos consumidores ou usuários de produtos e serviços.

Na prática, entretanto, quando o objetivo é identificar tendências que possam embasar ações de valor para o negócio, o que se espera de um relatório de previsões nem sempre corresponde ao que esse tipo de material se propõe a entregar.

Porque a pesquisa de tendências pode ajudar as organizações no mapeamento de determinadas necessidades e valores, isso se for lida como o que de fato é: um material que busca compreender a situação atual do mercado e fazer previsões a partir de um olhar generalista.

O fato é que os relatórios em questão, em sua pretensão universalista, apresentam tendências sem pessoas, análises desencarnadas de relações que são, de fato, mediadas por sujeitos. O resultado é um “fetiche geracional”, ou seja, a atribuição de poderes quase “divinos” ou “sobrenaturais” a categorias geracionais como Geração Z, Millennials ou Baby Boomers. 

Em crítica recente aos métodos utilizados nos relatórios de projeção, o sociólogo e atual head de previsões do Reddit, Matt Klein, aponta que muitos deles apenas repetem palavras-chave já publicadas em relatórios anteriores, ano após ano, apresentando seus resultados como inéditos.

Mas essa crítica não significa abandonar o relatório de tendências como material relevante de apoio ao entendimento de transformações em curso em determinadas realidades. Não. Mas o entendimento de que este apresenta uma visão de mercado global respondendo, ao mesmo tempo, às expectativas localizadas no tempo e no espaço.

Quer um exemplo? Certa vez, um cliente do mercado financeiro procurava identificar tendências que pudessem embasar ações para que se gerasse valor em anos futuros. Sob essa perspectiva, a ideia foi partir de um relatório de tendências e gerações o qual trazia previsões de comportamento e consumo voltadas aos jovens dos Estados Unidos e europeus, marcadas por um universalismo que pouco falava sobre a diversidade e complexidade das vidas reais dos jovens brasileiros.

Nesse caso, percebemos que outros fatores contribuíram mais para os comportamentos e percepções dos clientes. Por exemplo, o momento no ciclo de vida pessoal, a rotina, a renda e a configuração familiar apareceram nos relatos com maior peso nas relações dessas pessoas com as próprias finanças.

Também identificamos que os papéis de gênero impactavam na rotina e no tempo que a pessoa tinha para pensar em si mesma. Por exemplo, enquanto uma mãe aproveitava o tempo “livre” para oferecer a seus filhos um jantar um pouco melhor, um pai da mesma idade aproveitava esse tempo saindo para surfar. As mensagens sobre finanças não impactam essas duas pessoas da mesma forma, a atenção disponível em cada um dos casos era diferente, as percepções sobre “valor alto” também mudaram e isso impactava, por exemplo, decisões sobre usar cartão de crédito ou débito.

Essas distinções não seriam captadas se o cliente analisasse apenas os dados internos e os cruzasse com os estudos geracionais. E esse é um papel importante da pesquisa qualitativa: trazer à tona aspectos relevantes que os números podem mascarar e informar o processo de decisão considerando contextos mais complexos.

Portanto, recorrer ao relatório de tendências como instrumento privilegiado da pesquisa com os usuários é uma realidade cada vez mais comum em um mercado que privilegia a velocidade da entrega à sua qualidade. Podemos, então, a partir de uma análise social, entender os próprios relatórios como uma ferramenta cultural de criação de mundos.

Mas temos que lidar com o reducionismo em pesquisa, qual seja: a imposição de uma determinada linguagem como parâmetro para todas as traduções. É nesse sentido que a imposição de categorias geracionais para falar sobre juventudes de maneira genérica, em qualquer lugar do mundo, pouco ajuda quando desejamos conhecer as práticas e padrões de comportamento de jovens que vivem, consomem e produzem em contextos sociais e culturais específicos. Porque a objetividade resiste à simplificação da análise. Mas o fetiche geracional não.

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