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Demissões em tempos de pandemia

Processo naturalmente difícil tanto para líderes quanto para funcionários ganha particularidades no atual cenário

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A onda de demissões e alterações na jornada de trabalho causada pelo novo coronavírus já atingiu mais da metade das famílias brasileiras. Levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) mostra que pelo menos uma pessoa de 57,2% das famílias brasileiras teve seu trabalho afetado de alguma forma em maio. Em meados desse mês, quando o Ibre divulgou o resultado prévio anterior, esse percentual estava em 53,5%. Na pesquisa mais recente, ao todo foram entrevistadas 1.808 pessoas entre os dias 2 e 24 de maio.

Do total de famílias afetadas, 45,4% tiveram membros impedidos de trabalhar em virtude das medidas de distanciamento social, 25,7% viram o salário reduzido, 14,3% tiveram contratos de trabalho suspensos e 12,8% foram demitidos.
Em um cenário de pandemia, em que boa parte das pessoas está trabalhando remotamente, as demissões estão acontecendo a distância – formato que nunca foi recomendado pelos especialistas em gestão de pessoas pelo fato de o desligamento de um emprego ser de difícil aceitação para muitos profissionais. “Ao ser demitida, a pessoa perde a sua identidade. É algo muito forte”, afirma José Augusto Figueiredo, presidente da consultoria de outplacement e desenvolvimento LHH no Brasil e vice-presidente para a América Latina. “Quando a demissão vem, ela tem grande impacto, porque o trabalho é definidor do nosso senso de identidade e utilidade – quem eu sou e para que eu sirvo”, complementa Alexandre Pellaes, mestre em psicologia do trabalho e pesquisador de tendências para redesenho do mundo do trabalho e gestão.

De forma geral, na sociedade ocidental capitalista, o sobrenome corporativo atribui valor às pessoas, e quando acontece a perda do emprego, perde-se esse senso de identidade. Pode ser um baque que, em tempos normais, é diluído com os abraços e as conversas de despedida ainda no escritório e com almoços e encontros de relacionamento nos dias que se seguem. “Quando o profissional chega em casa, ele já esvaziou um pouco”, diz Figueiredo. Só que no momento atual, tudo está diferente. “As pessoas estão em casa e não sabem como agir. Então, as empresas precisam ser cuidadosas, ajudar os demitidos nos próximos passos”, afirma Pellaes.

O Airbnb, por exemplo, vem sendo apontado como um caso exemplar. Diante da crise do setor de viagens, a empresa anunciou a demissão de 1.900 funcionários, cerca de 25% da força de trabalho da companhia. Além de oferecer aos demitidos um generoso pacote de indenização, com 14 semanas de salário, mais uma semana adicional a cada ano trabalhado na empresa e 12 meses de seguro saúde, o CEO Brian Chesky escreveu uma carta aos funcionários. “Ele demonstrou muita empatia, conseguiu se colocar no lugar das outras pessoas”, comenta Karin Parodi, CEO da Career Center, consultoria especializada em outplacement e gestão estratégica de recursos humanos.

Na carta, Chesky descreve como chegou à decisão de demitir 25% do quadro, fala do cenário do setor de viagens, da incerteza de quando o segmento deve se recuperar e da necessidade de fazer grandes mudanças no Airbnb.

Ele fez exatamente o que se espera de um CEO em um momento de demissão em massa. “Quando o CEO é transparente e consegue mostrar senso de realidade, olhar os funcionários como sócios, isso é uma grande vantagem”, afirma Figueiredo. Atitude que nem todos conseguem ter. “É um papel difícil para os gestores. Muitos não foram preparados e não buscaram autodesenvolvimento”, acrescenta Parodi.
Para Figueiredo, é importante o executivo que ocupa o lugar mais alto da hierarquia corporativa demonstrar vulnerabilidade nesse momento. “Isso sensibiliza, faz as pessoas entenderem e engaja quem fica na retomada.”
Vanessa Simões, sócia da Inniti, consultoria de recrutamento executivo, diz ser importante olhar para as competências que a empresa vai precisar no novo momento e, a partir daí, definir o corte. Mais difícil do que isso, segundo ela, é eliminar os vieses inconscientes da decisão. “O gestor pode demitir alguém com quem ele não simpatiza muito, aproveitando o momento. Mas a recomendação é tirar esses vieses e olhar as competências necessárias para o momento atual e o seguinte”, afirma.

## __CASO BRASILEIRO__
No Brasil, a MaxMilhas traçou um caminho parecido com o do Airbnb. A empresa demitiu 167 pessoas de um total de 420 funcionários, ou seja, cerca de 40% da folha. Assim como fez o CEO do Airbnb, o presidente e fundador da empresa
brasileira, Max Oliveira, tornou pública a demissão ao publicar em seu perfil no LinkedIn um artigo intitulado “O dia mais difícil da minha vida”. No texto, contextualizou o momento e explicou o porquê da demissão. “Peço minhas sinceras desculpas. Fomos pegos por um cenário avassalador, principalmente para o setor de turismo. Vimos as companhias aéreas reduzirem as operações em 90% e o cancelamento das viagens no Brasil chegar a 85%. As forças externas foram maiores do que minha capacidade humana e esforço para tentar evitar os impactos no nosso time”, redigiu.

Em uma tentativa de ajudar os demitidos a se recolocarem, ele criou uma lista com os contatos de quem saiu da MaxMilhas e fez esse arquivo circular. “Soubemos que muita gente se recolocou pela lista, pois chegaram mensagens agradecendo”, afirma Luiza Rubio, head de gente e gestão da MaxMilhas.

Ela explica que o processo de comunicação da demissão começou com uma call do CEO pela manhã com toda a equipe. O objetivo era contextualizar sobre o que estava acontecendo na empresa. “Ele mostrou vulnerabilidade, disse que era o momento mais difícil, mas que precisaria ser feito para o negócio sobreviver. Todo mundo sentiu o tamanho do impacto”, diz Rubio. Quando essa chamada foi encerrada, os diretores de área ligaram para quem havia sido demitido dentro de suas equipes. “Fizemos chamadas individuais para acolher e explicar”, conta a executiva. Quem permaneceu na empresa também recebeu ligações dos gestores.

Antes do dia D, os líderes da empresa foram preparados tanto para comunicar a demissão quanto para ouvir os colaboradores que ficaram e esclarecer as possíveis dúvidas.

Para Pellaes, a atenção com quem fica na empresa também é essencial. “Essas pessoas estão com a incerteza e estão abaladas emocionalmente pelos amigos e colegas que perderam o trabalho. Sentem culpa por terem ficado. Tem uma série de leituras psicológicas que devem ser endereçadas”, diz.
Na visão dele, a empresa deve oferecer um suporte psicológico a quem fica, e isso não significa, necessariamente, disponibilizar um psicólogo. “É reconhecer que a dor, a culpa e o medo existem e falar de como é normal sentir isso. Só essa frase já diminui o nível de pressão, pois a pessoa vê que todo mundo está sentindo o mesmo”, diz.

A empresa também pode ter que pedir entrega e desempenho nesse momento e a recomendação é deixar bem claro o compromisso compartilhado, o esforço que será necessário. “Existe um caminho a ser seguido e vale deixar clara a estratégia, compartilhar o plano de negócios”, diz Pellaes.

__COERÊNCIA COM A CULTURA__
As demissões, quando realizadas com cuidado e empatia, acabam repercutindo positivamente na marca empregadora. “O branding acontece em todos os momentos de contato, inclusive em relacionamentos críticos como a demissão”, afirma Bruna Mascarenhas, fundadora da Smart Comms, especializada em marca empregadora, e professora de employer branding na Faculdade Cásper Líbero. “O que mais importa é como a demissão acontece.”

Quem tem se saído bem nessa comunicação, segundo Bruna, segue dois pontos principais: respeito ao processo, com contextualização do momento e individualização da demissão, e explicação transparente de como a marca ganha dinheiro e como ela foi afetada no atual momento.

Rogério Chér, especialista em cultura organizacional, pontua que o modo como a demissão deve ser feita depende, justamente, da cultura da empresa. “É o ponto de partida e o ponto de chegada para processos decisórios, inclusive para demitir pessoas”, afirma. “O mais correto não é ver melhores práticas, mas o que é coerente com o que sempre se valorizou na empresa.”

Segundo o consultor, dependendo do combinado que se tem na cultura da organização, a demissão pode ser por um tweet. “Se esse combinado é claro, está tudo certo. Existem empresas que são muito mais voltadas a resultado do que a pessoas, onde os funcionários são recursos, apenas ativos, e, nesses casos, não vá esperar que o presidente abrace e acolha em um momento de demissão. Mas existem empresas que falam a vida inteira que amam pessoas, que todos são uma grande família. Aí, na demissão, é a hora da verdade.”

Chér explica que uma empresa com cultura forte corre menos risco de falar uma coisa e fazer outra. “Não é olhar para a cultura como algo só para colocar no site ou na plaquinha da recepção. Uma cultura forte está definida e explicitada, e uma cultura saudável é admirada pela coerência.”

Movimentos impedem demissões e ajudam na recolocação de demitidos

Ainda que algumas empresas estejam demitindo, outras estão segurando os empregos o máximo que podem. “Vi uma preocupação grande em não demitir”, afirma Rogério Chér, especialista em cultura organizacional, liderança e engajamento. “A primeira inclinação foi como manter as pessoas seguras e empregadas. Mas, claro, diante do grande impacto em alguns setores e a demora da retomada, algumas começaram a demitir.”

O movimento “Não Demita” é um exemplo do que comenta Chér. Um grupo de mais de 4 mil empresas se uniu e assinou o compromisso de manter o quadro de funcionários durante 60 dias. O Banco Inter foi uma dessas organizações. Além do acordo de não demissão, o banco está contratando e tem mais de 100 vagas abertas. Em 2020, foram admitidas mais de 200 pessoas, das quais 107 durante a pandemia. “Temos um modelo de negócio 100% digital, já preparado para o pós-pandemia, que nos permite passar por esse momento”, afirma Thaís Leite Lemos, gerente executiva de gente e gestão do Banco Inter. “Experimentamos um ritmo acelerado de crescimento e estamos expandindo nossa oferta de produtos e serviços. É justamente essa estratégia que hoje nos dá tranquilidade para enfrentar esse momento difícil e continuar crescendo.” O banco alcançou 5 milhões de clientes em abril, com 890 mil contas abertas no primeiro trimestre de 2020, um crescimento de 155% em relação ao mesmo período do ano passado. Hoje, o banco tem 1.672 funcionários.

Também se comprometeu com o “Não Demita” a MPD Engenharia, que tem 427 funcionários e afirma ter mantido o quadro intacto no período acordado. “Estamos vivendo um momento cheio de incertezas, mas um ponto a ser levado em consideração é que a construção civil é tida como um setor essencial. Por mais que o ritmo e a demanda possam não ser os mesmos de antes, nós continuamos trabalhando. Ao aderir ao movimento ‘Não Demita’, a MPD Engenharia nada mais fez do que assumir a responsabilidade social que lhe é característica”, afirma Rúbia Moreira, gerente de RH da empresa. “O mínimo que nós, como empresa, podemos fazer, além de oferecer o que nos cabe para que os funcionários mantenham sua saúde e segurança, é garantir um pouco mais de tranquilidade diante de um cenário tão turbulento.”
Em outra frente, algumas iniciativas visam recolocar quem foi demitido.

O centro de empreendedorismo Cubo Itaú, que hospeda startups, é proprietário de uma delas: uma lista com o contato de pessoas demitidas em meio à pandemia. Os nomes compilados pela organização reúnem profissionais de empresas como BCredi, C6 Bank, Conta Azul, GetNinjas, Gympass, MaxMilhas, Movidesk, Omie e WeWork, entre outras. No total há mais de 600 pessoas listadas. “Muitas pessoas qualificadas foram desligadas e começamos a perceber um movimento de posts no LinkedIn de fundadores das startups colocando as listas públicas com quem havia sido demitido. Também sabemos do gap no mercado por profissionais qualificados. Então o Cubo, com seu papel de fomento ao empreendedorismo, consolidou essas listas para ajudar tanto startups como grandes empresas que estão contratando”, afirma Renata Zanuto, cohead do Cubo Itaú.

No varejo, uma iniciativa similar foi organizada e 29 entidades ligadas ao setor se uniram para desenvolver uma plataforma online de geração de empregos. O Vagas no Varejo foi lançado no começo de maio e conecta gratuitamente profissionais e empresas.

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