Estratégia e Execução

EXECUÇÃO EM PEDAÇOS

Em mercados cada vez mais voláteis, o mandamento, agora, é utilizar frameworks ágeis para retalhar cada projeto e reduzir o risco

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Ninguém, exceto Ele (para os crentes), tem controle sobre tudo. Pense em uma viagem: mesmo no verão, você pode até carregar um casaquinho para viajar. Mas, se for preciso precaver-se contra todas as variações climáticas possíveis, a carga será tão pesada que talvez não valha a pena sair de casa. 

Até o início dos anos 2000, era mais ou menos assim o gerenciamento de projetos de desenvolvimento de software. Mesmo que não soubesse que funcionalidades seriam úteis, o cliente tinha de prever tudo o que poderia ser necessário um dia (talvez). O produto era desenvolvido obedecendo a uma sequência, que levava meses ou anos, e só era lançado quando a última etapa estava concluída – e nem sempre atendia às necessidades iniciais de quem o encomendara. Era um modelo em cascata, no qual se desperdiçava cerca de 40% do orçamento. 

Algo similar acontece com os negócios hoje, e a prova são os ciclos orçamentários: em um ano se programa o que será executado no próximo exercício. 

O anteriormente útil pode ficar inútil, e a chance de isso ocorrer aumenta em países como o Brasil, em que as empresas são castigadas por insegurança jurídica e descontinuidade de políticas públicas. 

Só que o mundo do software se rebelou contra isso e criou a filosofia ágil, que parte da noção de mínimo produto viável – o MVP –, definidor dos requisitos mínimos para uma primeira versão do produto. A partir daí surgem melhorias incrementais, agregando novas funções. A lógica BDUF (sigla em inglês de grande design desde o início, em tradução livre) deu lugar à EDUF (design suficiente no início). A novidade estabeleceu um antes e um depois na indústria de software. 

Como quase tudo virou projeto nas empresas, espalhou-se por elas. “Em vez de nos concentrarmos no produto, olhamos para a engenharia de valor”, explica Carlos Tristacci, gerente de agile services da Meta, desenvolvedora de soluções de tecnologia da informação com operações em vários estados do País. Exemplos de organizações que adotam métodos ágeis no Brasil vão da TV Globo ao Ministério da Justiça. 

Por isso, ajustes e erros viraram parte do processo. “Costumamos dizer que pedimos desculpas, não pedimos permissão”, afirma Alexei Villas Boas, diretor de tecnologia da ThoughtWorks Brasil, consultoria norte-americana de TI que opera há sete anos no País e segue a filosofia ágil em todas as suas áreas. Por isso, colaboração é a palavra-chave. “Falamos mais em propósito do que em decisões transmitidas de maneira hierárquica”, diz Villas Boas. 

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O potencial de essa mistura de ciclos curtos, colaboração, erros e ajustes virar uma bagunça é muito grande. Ou seria, se a filosofia não fosse aplicada por meio de templates, que são os frameworks – ou métodos. Há no mercado vários frameworks, geralmente adaptados de acordo com o perfil do projeto e a necessidade do cliente. 

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**SCRUM & CIA.**

Em 1986, surgiu um framework que seria o grande responsável por popularizar a filosofia ágil. O scrum lançava suas bases como um bem-sucedido conceito de gerenciamento de projetos, apoiando-se na teoria de times compactos e no esforço concentrado para projetos específicos. De tão popular, já apareceu até na série de TV Silicon Valley, da HBO. E o modelo teve várias adaptações, como o scaled agile framework, ou SAFe, que unifica conceitos do scrum e do método extreme programming (XP), exclusivo para software. 

No scrum, o desenvolvimento de um projeto se divide em pequenos ciclos, que duram de duas a quatro semanas e são conhecidos como sprints. A cada sprint se definem as funcionalidades a serem abordadas. A lista de atividades é denominada backlog, e aquelas que têm menor prioridade vão para a product backlog – onde ficam as aplicações que serão trabalhadas em outro momento. Às funcionalidades em pauta dá-se o nome de histórias de usuários, que são priorizadas de acordo com seu potencial de valor. Tais histórias são escritas na linguagem do cliente, evitando jargões técnicos. A regra é ser o mais claro, prático e ágil possível. 

Todas as práticas do scrum são direcionadas ao contato permanente entre todos os envolvidos na criação do produto, incluindo os clientes. “A interação entre os indivíduos é mais importante do que seguir um processo rígido, e a colaboração entre o cliente e o time tem mais ênfase do que a negociação de contratos e as especificações detalhadas demais”, afirma Eduardo Guerra, ex-professor do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e autor de uma série de cursos sobre métodos ágeis. 

A comunicação frequente proporcionada pelo scrum minimiza muito o insucesso. Não se trata de desenvolver produtos mais rapidamente, e sim de fazer uma adaptação mais veloz a possíveis mudanças de cenário, o que requer comunicação. A cada sprint é feita uma avaliação para saber se a funcionalidade está de acordo com o que foi encomendado – isso é chamado de teste de aceitação. 

Se não estiver tudo certo, cria-se uma nova história de usuário. Essa tarefa é colocada na escala de prioridades e retorna ao backlog. Quando tudo está nos conformes, o time parte para o próximo sprint. 

Detalhe: a palavra final é sempre do cliente, conhecido na linguagem do scrum como product owner – ou seja, dono do produto. “Como há feedback contínuo do cliente, o risco de o projeto estar fora do que ele espera é muito menor”, observa Tristacci. 

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**GROWTH HACKING E FAMÍLIA CRYSTAL**

Em 2010, Sean Ellis, CEO da Qualaroo, empresa focada em encontrar oportunidades de mercado com base em dados de tráfego de sites, cunhou a expressão “growth hacker”. O termo designava o profissional de marketing com talento para encontrar caminhos escaláveis, reprodutíveis e sustentáveis que dessem suporte ao crescimento de algum negócio. Era a filosofia ágil chegando ao marketing. 

A lógica é semelhante à da engenharia de valor ágil. Aqui, tudo o que não tem impacto direto no crescimento do produto é deixado de fora. “Um growth hacker eficaz tem a disciplina para seguir um processo growth hacking, de escolher e testar ideias, e é analítico o suficiente para saber quais precisam ser mantidas e quais devem ser cortadas”, escreve Ellis no blog Startup Marketing. Muitos frameworks surgiram sob o guarda-chuva do growth hacking, como o STEPPS, desenvolvido pelo professor da Wharton School Jonah Berger, e o Bullseye, cada vez mais usado no Brasil. 

“Os processos de marketing estão bem mais acelerados, e ligá-los a métodos ágeis nos permite responder com velocidade e assertividade ao que o público quer e ao que a empresa necessita”, diz Natália Menhem, head de marketing da ThoughtWorks Brasil. 

De fato, poucos setores foram tão impactados com a revolução digital quanto o marketing. Antes pautado por projetos grandes e onerosos, hoje o foco do segmento está em dar uma resposta rápida às mudanças no mercado – e às demandas dos clientes. Além disso, em vez de simplesmente atender a uma lista de demandas de outras áreas, agora o marketing é participante ativo das decisões estratégicas – saindo da lógica das campanhas para se embrenhar, inclusive, no desenvolvimento de produto. 

Contudo, a agilidade também já chegou aos recursos humanos, por meio do framework Crystal, criado por Alistair Cockburn, um dos idealizadores do movimento ágil, em 2000. Cockburn desenvolveu a metodologia com base em princípios como otimização do tempo da comunicação cara a cara, perda de desempenho das pessoas ao longo do tempo e variação de produtividade de acordo com o dia e o ambiente. 

**MAIS COMPLEXIDADE**

Problemas simples têm baixo potencial de retorno para a empresa. A recomendação é escolher problemas complexos, mais promissores no que se refere a lucros. Para lidar com eles, basta quebrá-los em tarefas menores, testá-las repetidamente e mudar o que não funcionar, organizando tudo isso com frameworks para que não vire mais uma complexidade. Eis a filosofia ágil, é simples assim.

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