O feedback está entre os temas mais recorrentes do ambiente corporativo. Figura entre os treinamentos mais solicitados, pauta constante nas reuniões de RH e presença frequente em artigos especializados. Ainda assim, as queixas persistem – e, em muitos casos, se repetem.
Quem dá o feedback costuma sentir que cumpriu sua missão ao transmitir o que pensa. Ocorre, porém, que a forma como essa entrega acontece muitas vezes se assemelha a um “toma lá que o filho é seu”: está dito, agora mude. Espera-se que a mensagem provoque mudanças, sem necessariamente haver diálogo, escuta ou acolhimento. Não raro, quem fala supõe que o outro apenas ouça e aceite, sem espaço para perguntas, discordâncias ou nuance. A consequência é um processo unilateral, pouco construtivo e frequentemente frustrante.
Feedback não é só o que se diz – é o que se constrói
Essa frustração não é superficial: compromete o desenvolvimento profissional e afeta o clima organizacional. Uma pesquisa da Universidade de Yale, divulgada pela Fundação Dom Cabral, mostra que avaliações mal conduzidas, atravessadas por vieses inconscientes e impressões subjetivas, causam impactos severos na trajetória das pessoas. Falta de critérios, julgamentos baseados em estilo pessoal e invisibilidade de entregas comprometem a qualidade do processo avaliativo – e, por consequência, a credibilidade do feedback.
Apesar disso, muitos treinamentos ainda tratam o feedback como uma técnica de comunicação – como o clássico modelo do “sanduíche” (elogio-crítica-elogio) – ou como um pacote de frases prontas. O resultado é uma abordagem reducionista, que desconsidera a complexidade das conversas difíceis.
Todo feedback contém múltiplos diálogos
Como mostram Douglas Stone, Bruce Patton e Sheila Heen no livro “Conversas Difíceis”, todo diálogo de feedback envolve, na verdade, três conversas simultâneas:
- A conversa dos fatos: trata do que aconteceu, quem fez o quê, quem está certo, quem deve ser responsabilizado.
- A conversa dos sentimentos: envolve emoções como raiva, frustração, medo ou vergonha, que frequentemente são ignoradas, mas influenciam profundamente a escuta e a reação.
- A conversa da identidade: ativa questões sobre como nos vemos e como somos vistos. “Sou competente ou não?”, “Mereço respeito?” Quando nossa identidade se sente ameaçada, tendemos a reagir de forma defensiva.
Focar apenas nos fatos é ignorar que as pessoas não escutam em silêncio. Elas interpretam, sentem, reagem. E é aí que moram as maiores oportunidades – ou os maiores ruídos.
Brené Brown, autora de Coragem para Liderar, compartilha um episódio emblemático em que sua equipe lhe deu um feedback sobre sua dificuldade em estimar prazos realistas, o que gerava sobrecarga e tensão. Ao narrar o episódio, Brené explicita os sentimentos envolvidos, o impacto na sua autopercepção e, por fim, a decisão de delegar a gestão dos prazos – um exemplo claro de como os três níveis do diálogo estavam em jogo.
É possível fazer diferente
A maioria dos erros já é conhecida: atrasar a conversa, ser genérico, focar só no negativo, não escutar, não pactuar ações. Mas o mais grave talvez seja tratar o feedback como um discurso final, e não como o início de uma construção conjunta.
Propomos uma abordagem relacional e dialógica. Isso significa tratar o feedback não apenas como uma entrega de informação, mas como uma construção de sentido, que considera contexto, emoção, relação e escuta.
Compare os exemplos a seguir:
Frase tradicional: “Você precisa ser mais estratégico.”
Reformulação: “Creio que teríamos ganhos se você assumisse mais protagonismo em temas que envolvem outras áreas. Que tal trazer essas pautas para nossas reuniões semanais? O que pensa sobre isso?”
Frase tradicional: “Você precisa ser mais confiante.”
Reformulação: “Percebo que, em reuniões com clientes, você costuma abrir mão da fala, mesmo tendo bons insights. Você já notou isso? Sua visão é importante, e queria muito ver você trazendo-a com mais frequência.”
Frase tradicional: “Você não é confiável.”
Reformulação: “Alguns prazos foram perdidos nas últimas semanas, sem aviso. Vamos conversar sobre o que tem dificultado isso e como podemos nos organizar melhor?”
Essas reformulações não são sobre suavizar a mensagem, mas sobre criar condições para que ela seja realmente compreendida e gere movimento. Isso exige mais do que trocar palavras: exige intenção de escuta, disposição para o diálogo e pactuação de responsabilidades.
Do evento à prática viva
Em nossa atuação, temos proposto caminhos diferentes: envolver times inteiros na construção de critérios, realizar conversas abertas sobre o que é e o que não é um bom feedback e pactuar acordos coletivos sobre como o tema será tratado. Essa abordagem reconhece o feedback como prática viva, contínua e relacional – e não como um evento isolado.
Ao ampliar o entendimento do feedback, deixamos de tratá-lo como uma avaliação pontual para vê-lo como parte do tecido das relações no trabalho. Um tecido que, quando bem costurado, sustenta vínculos de confiança, aprendizado e evolução mútua.
Para seguir conversando
Feedback não é apenas sobre dizer o que precisa melhorar. É sobre criar, juntos, as condições para que pessoas e equipes possam evoluir com clareza, dignidade e pertencimento.
E que bom que este texto também é uma conversa. Porque, assim como as relações, as boas conversas não se encerram. Elas continuam.