Quem nunca se pegou comparando sua vida com a dos pais na mesma faixa etária? Aos 40, eles tinham casa, estabilidade e planos para a aposentadoria. Nós, porém, chegamos ao mesmo ponto com dívidas acumuladas, empregos instáveis, aluguel e uma sensação constante de atraso. Não por falta de dedicação, mas como reflexo das profundas mudanças no tecido social e econômico.
Dados recentes ajudam a iluminar por que esse choque de expectativas existe. Segundo levantamento da Serasa de outubro de 2024, 73,1 milhões de brasileiros estão endividados; a faixa etária entre 41 e 60 anos representa a maior parte daqueles com restrição de crédito (“nome sujo”), com 35,1% deste total.
E não são só as finanças: o desemprego de longa duração também é alarmante. No segundo trimestre de 2025, o IBGE apontou que 1,254 milhão de pessoas estavam desempregadas há pelo menos dois anos; se considerarmos quem busca emprego há pelo menos um ano, esse número sobe para 1,913 milhões. Em outro corte anterior, o primeiro trimestre de 2024 registrava 1,916 milhão nessa mesma condição de pelo menos dois anos sem emprego.
Paralelamente, há uma crescente precarização da renda. Segundo análise da Pnad Contínua e de outras pesquisas, o número de pessoas trabalhando por até um salário mínimo cresceu bastante desde 2020, indicando que muitos empregos gerados não oferecem segurança ou renda adequada para se manter uma base estável de vida.
De fato, estabilidade financeira, que muitos acreditavam vir “automaticamente” com a idade, hoje parece mais escassa. Relações de trabalho mudam: contratos são menos fixos, “freelas”, responsabilidades variadas (muitas vezes com jornadas além do convencional), e menos previsibilidade para planejar o futuro. A habitação está cada vez mais distante para muitos: os preços dos imóveis, altos juros de financiamento e inflação corroem o poder de compra, enquanto os aluguéis sobem, comprometendo boa parte da renda mensal.
Outro fator que agrava esse cenário é o etarismo. Muitas organizações ainda preferem contratar jovens, associando idade à obsolescência, quando, na verdade, a experiência é um ativo estratégico.
Estudos e artigos do Fórum Econômico Mundial apontam que muitos empregadores e processos de seleção tendem a favorecer candidatos mais jovens; uma estimativa indica que até 76% dos empregados já sofreram discriminação etária (em algum nível). Esse preconceito etário não só limita oportunidades profissionais, como também impacta diretamente a saúde mental daqueles que se veem descartados em plena idade produtiva.
Saúde mental
O impacto psicológico dessa realidade é forte. Pesquisa da Serasa de 2022 (“Perfil e Comportamento do Endividamento Brasileiro”) com mais de 5 mil pessoas revelou que 83% dos endividados têm dificuldade para dormir por causa das dívidas, e 74% relatam dificuldade para se concentrar. Esses sintomas – insônia, ansiedade, ruminação – se somam ao desgaste de batalhar num mercado incerto.
Outro aspecto é que na meia-idade pode acontecer o risco da chamada ‘crise de relevância’: a sensação de que não se é mais competitivo, desejado ou valorizado no mercado, o que intensifica quadros de ansiedade e depressão
Por fim, a saúde mental é que paga o preço desses desequilíbrios: além dos sintomas de ansiedade e insônia já apontados, há relatos mais gerais de burnout, sensação de fracasso (quando comparados a padrões irreais), culpa por não cumprir “roteiros” herdados, e medo de envelhecer com dívidas ou sem recursos. Se a carreira é vista como uma pista de corrida, muitos se sentem tropeçando em cada quilômetro.
Luz no fim do túnel
Mas há esperança – e alternativas. Primeiro, reconhecer que o modelo tradicional de “sucesso” (casa, emprego, aposentadoria estável com 30-40 anos) está em transição. Para muita gente, a estabilidade poderá significar autonomia, flexibilidade, segurança mínima, boas relações de trabalho, saúde física e mental mantida, suporte social. Significa também reconfigurar a maneira de pensar carreira: não necessariamente linear, mas modular, com pausas, reinvenções, aprendizados contínuos, talvez múltiplos projetos que se sobrepõem.
De acordo com a acadêmica Herminia Ibarra, a sugestão para este cenário é adotar uma mentalidade exploradora, experimentar “possible selves” (versões de si mesmo que ainda não estão totalmente definidas), usar fases “liminais” (períodos de transição/incerteza) para testar novos papéis, e focar em pequenos passos e aprendizagens.
Segundo, políticas públicas e reformas são essenciais: redes de proteção social fortes; estímulo à qualificação e reciclagem profissional ao longo da vida; acesso a saúde mental pública; moradia com financiamento justo e subsídios onde necessário; regulação que minimize o impacto da inflação sobre rendas baixas; regulação de juros mais justos; crédito responsável.
Terceiro, no plano pessoal, práticas que ajudam: definir prioridades de vida (o que realmente importa para “viver bem”); limitar comparações com padrões alheios; desenvolver ferramentas de autocuidado; buscar redes de suporte (familiares, amizades, grupos de interesse); negociar expectativas no ambiente de trabalho; aprender finanças básicas; planejar mesmo em contexto incerto.
A grande virada está em redefinir o que entendemos por sucesso: não apenas patrimônio ou título, mas qualidade de vida, saúde emocional, liberdade e relações significativas. Isso, claro, sem ignorar a realidade de que precisamos pagar contas, sustentar famílias e lidar com compromissos financeiros. O equilíbrio está em buscar escolhas mais saudáveis e conscientes que, ao mesmo tempo, mantenham nossa estabilidade prática e fortaleçam nossa vida emocional.
Em resumo: a verdadeira revolução dessa geração está em ter coragem de criar um novo roteiro. Um roteiro que não imite, mas dialogue com o passado; que não se curve à pressão externa, mas se baseie no que podemos controlar. Meios que permitam viver bem aos 40 – com saúde mental, dignidade, realização – podem (e devem) ser construídos.