Uncategorized

O BRASIL E A MERITOCRACIA

É possível implantar a meritocracia em empresas brasileiras, começando pela cultura
é consultora associada da Falconi Consultores de Resultado, fundadora da Ad3 Desenvolvimento Humano e especialista em liderança e desenvolvimento de equipes. Lançou recentemente o livro Meritocracia: influência da cultura brasileira no desempenho e no mérito, que é o tema deste artigo, escrito com exclusividade para HSM Management.

Compartilhar:

“Em uma sociedade cheia de desigualdades, politicagens e apadrinhamentos como a nossa, deveria ser proibido alguém se manifestar sobre meritocracia.” 

Será isso verdade? Esse foi um dos questionamentos que recebi ao publicar recentemente o livro _Meritocracia: influência da cultura brasileira no desempenho e no mérito._ Afinal, a meritocracia usa justamente critérios preestabelecidos para avaliar as pessoas por seus méritos, considerando unicamente seu desempenho e não o tempo de casa, vínculos, parentescos e amizades.

 De fato, desde as primeiras iniciativas da meritocracia no Brasil, há relatos de que nossa cultura apresenta indícios desfavoráveis a sua implementação. No entanto, discordo de quem prefere deixar as coisas como estão sob a alegação de que a meritocracia não combina com nossa cultura. Como estaríamos hoje se nos limitássemos a fazer apenas o que fosse compatível com nossa cultura? Se fizermos isso com a meritocracia, estaremos subestimando nossos aprendizados e a capacidade de intervir positivamente. 

Há alguns anos, quando eu era gerente em uma grande estatal e trabalhava com uma equipe maravilhosa, criei uma espécie de blindagem. Quando ouvíamos frases como “Isso aqui não é uma empresa privada”, “Eles não vão aprovar, não adianta, não vai passar”, jogávamos esses argumentos na caixa dos “álibis paralisantes” e seguíamos em frente. 

Conhecemos várias organizações que venceram as barreiras contra a meritocracia e obtiveram resultados excelentes, como motivação para bater metas, contratação e retenção de pessoas mais adequadas ao negócio, eliminação de indicações e melhoria do clima. 

Essas empresas que conseguiram ter uma gestão mais justa e transparente foram além do discurso, sintonizando todas as suas práticas na frequência do mérito. À medida que o esforço foi sendo percebido como algo real e aplicado a todo mundo, sem exceção, a mensagem de que mérito é para valer se propagou e a cultura se viu gradativamente modificada. 

**COMEÇANDO PELA CULTURA**

Gerenciar a contenção da cultura é o primeiro passo para implantar a meritocracia em uma empresa brasileira. Fazendo analogia com uma árvore, nossa cultura tem em sua raiz a ambiguidade, o personalismo e a concentração de poder. Os líderes têm de evitar que essas forças subam pelo tronco da flexibilidade, outro traço marcante. Vejamos cada caso: 

**1 Ambiguidade e antagonismo**

Um exemplo de ambiguidade ocorre quando os gestores fingem que estão apoiando determinada iniciativa, chegam a discursar sobre as ações, mas não a aceitam de fato. São favoráveis à meritocracia apenas na presença de seus líderes ou de outras pessoas que defendem a iniciativa, mas depois se comportam de maneira ambígua. Isso enfraquece a gestão, gera dúvidas e promove decisões confusas. 

![](https://revista-hsm-public.s3.amazonaws.com/uploads/e3a0d59a-aeff-485d-806f-3261674ebf5c.png)

Essa incoerência remonta a décadas, como se pode ver em dois artigos da primeira Constituição, de 25 de março de 1824: “A Lei será igual para todos, quer proteja, quer castigue, e recompensará em proporção dos merecimentos de cada um” e “Todo cidadão pode ser admitido aos cargos públicos civis, políticos ou militares, sem outra diferença, que não seja a dos seus talentos e virtudes”. Os artigos formalizavam o texto de um Estado meritocrático, mas o que ocorria na prática? No primeiro artigo, embora se referisse à igualdade de todo cidadão brasileiro, o direito ao voto não era extensivo às mulheres, religiosos, criados e pessoas de menor poder aquisitivo. No segundo, não havia uma descrição dos critérios para identificar tais talentos e virtudes, cabendo essa atribuição aos órgãos do governo. 

Embora o antagonismo tenha sido mencionado por quase todos os autores e pesquisadores sobre a cultura brasileira, vou abordar uma analogia do antropólogo Roberto DaMatta. Ele coloca o brasileiro em duas perspectivas: pessoa e indivíduo. Enquanto pessoa, tem como ambiente sua casa, é protegido por suas relações, pela complacência, pelo reconhecimento superior de suas qualidades e conta com um colo para acolhê-lo, mesmo quando falha. Enquanto indivíduo, seu ambiente é a rua, expõe-se a riscos, é chamado a demonstrar suas capacidades e a se sujeitar a normas e regras e às autoridades, que o tratam sem considerar relações ou laços sanguíneos. 

Embora o brasileiro transite entre a casa e a rua, a característica natural e predominante de nossa cultura se situa na perspectiva da pessoa. Daí o foco nas relações pessoais, que se sobrepõem aos critérios do mérito e são responsáveis por conseguir uma vaga para o filho de um conhecido ou alterar uma avaliação de desempenho para favorecer um amigo, por exemplo. Em culturas que focam o indivíduo, o ambiente é mais natural à meritocracia, fazendo com que os profissionais rejeitem relações familiares no trabalho, indicações e interesses pessoais. 

Essas culturas estimulam o indivíduo a ter ambição e a se esforçar, pois seu status e remuneração dependem de sua performance e não de parentesco, sobrenome ou amizades influentes. Nessas culturas, o feedback é assertivo e a diferenciação pelo mérito é mais aceita. No entanto, como o ser humano tem suas semelhanças em qualquer país, ainda ali a meritocracia apresenta distorções. 

**2 Personalismo**

**![](https://revista-hsm-public.s3.amazonaws.com/uploads/36fcbdb7-21a9-40e7-b605-6bd1c948b624.png)**

Quem não conhece líderes que têm dificuldade de ser imparciais ao avaliar ou reconhecer pessoas de sua equipe? Há os que ficam receosos de magoar, os que usam o poder para prejudicar e os que não estão preparados para praticar a meritocracia. Isso ocorre devido ao personalismo, outro traço da cultura brasileira que dificulta a prática da meritocracia, porque considera a pessoa, seus vínculos, parentesco e laços de amizade, em vez de aplicar os critérios ao indivíduo.

Embora muitas organizações já tenham reduzido a força desse traço, basta se descuidar um pouco para que ele reemerja, pois é uma força natural. O melhor indicador de que o personalismo está sob controle é quando um líder reconhece um profissional e toda a equipe concorda com sua decisão.

**3 Concentração de poder**

“Quem manda aqui sou eu, não admito by-pass”, “Me copia em todos os e-mails”, “Não faça nada sem falar comigo”. Essas são frases que andam sumindo do vocabulário dos líderes, mas, às vezes, ainda é possível ouvi-las. Elas expressam outro traço da cultura brasileira: a concentração de poder. Esse traço inibe fortemente a meritocracia por distanciar o líder da equipe, não permitir iniciativas ou autonomia e, assim, atrofiar o potencial das pessoas.

Recentemente ouvi o depoimento de um CEO que, ao admitir a concentração de poder em sua empresa, conseguiu reforçar a meritocracia e motivar os funcionários a realizar os objetivos do negócio. Ele começou encorajando e capacitando os gestores a delegar e a reconhecer as iniciativas do pessoal da linha de frente, eliminando a gestão mando/obediência e apontando o mérito publicamente, com incentivos financeiros e outros. Ao comunicar a todos que a empresa estava valorizando as pessoas que o mereciam, o CEO deu visibilidade à meritocracia.

![](https://revista-hsm-public.s3.amazonaws.com/uploads/e3f2113d-0445-4495-8d97-609dcdd0e903.png)

Por sua vez, os demais líderes entenderam que, ao concentrar o poder, viviam sobrecarregados e com dificuldades para bater metas, uma vez que suas equipes se retraíam por medo, desmotivação e falta de autonomia para demonstrar sua performance.

**CULTURA E AVALIAÇÃO**

A avaliação de desempenho é o principal instrumento para atribuir o mérito e tem de ser um dos alvos prioritários de qualquer empresa que queira implantar a meritocracia. No Brasil, porém, é comum ouvirmos histórias de avaliações tendenciosas, realizadas por líderes que priorizam os sentimentos e traços da personalidade, em detrimento das ações e resultados.

Uma falha comum nas empresas é tentar melhorar a avaliação de desempenho mexendo no instrumento. Não é aí que está o ganho, e sim em como a avaliação é realizada. A pior opção é ignorar a forte subjetividade de nossa cultura, acreditando que um instrumento vai torná-la mais objetiva. É necessário que os líderes sejam capacitados em aspectos comportamentais para aprender a lidar melhor com as equipes e ajudá-las a melhorar a performance. O conhecimento e entendimento dos funcionários sobre as expectativas de seu desempenho, bem como os critérios pelos quais serão avaliados, reduzem o nível de desconfiança sobre a maneira como os líderes interpretam os critérios e aplicam as métricas.

Além disso, a meritocracia requer que as consequências sejam estruturadas para estimular o alcance dos objetivos e o feedback regular sobre o desempenho, a fim de que o funcionário tenha tempo oportuno para redirecionar sua atuação.

**ANTES QUE SEJA TARDE**

Não há como negar que as desigualdades, injustiças e outros vícios de nossa cultura limitam a meritocracia. Entretanto, é possível implantá-la, embora o caminho seja mais difícil. Os primeiros passos devem ser dados na direção dos traços da cultura, identificando-os e contendo-os, antes que gerem a perda de pessoas necessárias.

**UM BREVE ESTUDO DE CASO**

Muitas vezes, a resistência à meritocracia ocorre por desconhecimento ou por informações equivocadas. O importante é sempre levar as pessoas a compreender seu significado.
O dono de uma empresa havia lido Empresas feitas para vencer, de Jim Collins, segundo o qual o maior diferencial das empresas vencedoras é sua capacidade de diferenciar as pessoas e atribuir-lhes o mérito. O executivo nos procurou para implantar a meritocracia em sua organização, que estava com sérios problemas, como o turnover de profissionais importantes para o negócio, insatisfação de pessoal nas áreas-chave e outros indicadores ruins relevantes.
Observando o ambiente, percebemos que havia resistência interna. Diretores e gerentes influentes estavam cansados de ouvir aquele discurso do dono. Então, em vez de falarmos sobre meritocracia, apresentamos os resultados de organizações que foram bem-sucedidas ao adotar práticas que desafiam as pessoas com metas e recompensam aquelas que as alcançam seguindo os valores da companhia. Aos poucos, os profissionais foram compreendendo a necessidade de mudar a forma de gestão, atrelando mérito a resultados e tirando a força das relações pessoais, algo que, naquela empresa específica, chegava a criar constrangimentos e conflitos.
Assim nasceu um modelo meritocrático ali, adequado àquela organização, mas robusto o suficiente para motivar os profissionais certos. **(N.C.)**

Compartilhar:

Artigos relacionados

Como o fetiche geracional domina a agenda dos relatórios de tendência

Relatórios de tendências ajudam, mas não explicam tudo. Por exemplo, quando o assunto é comportamento jovem, não dá pra confiar só em categorias genéricas – como “Geração Z”. Por isso, vale refletir sobre como o fetiche geracional pode distorcer decisões estratégicas – e por que entender contextos reais é o que realmente gera valor.

Processo seletivo é a porta de entrada da inclusão

Ainda estamos contratando pessoas com deficiência da mesma forma que há décadas – e isso precisa mudar. Inclusão começa no processo seletivo, e ignorar essa etapa é excluir talentos. Ações afirmativas e comunicação acessível podem transformar sua empresa em um espaço realmente inclusivo.

Você tem repertório para liderar?

Liderar hoje exige mais do que estratégia – exige repertório. É preciso parar e refletir sobre o novo papel das lideranças em um mundo diverso, veloz e hiperconectado. O que você tem feito para acompanhar essa transformação?

Inovação
Cinco etapas, passo a passo, ajudam você a conseguir o capital para levar seu sonho adiante

Eline Casasola

4 min de leitura
Transformação Digital, Inteligência artificial e gestão
Foco no resultado na era da IA: agilidade como alavanca para a estratégia do negócio acelerada pelo uso da inteligência artificial.

Rafael Ferrari

12 min de leitura
Negociação
Em tempos de transformação acelerada, onde cenários mudam mais rápido do que as estratégias conseguem acompanhar, a negociação se tornou muito mais do que uma habilidade tática. Negociar, hoje, é um ato de consciência.

Angelina Bejgrowicz

6 min de leitura
Inclusão
Imagine estar ao lado de fora de uma casa com dezenas de portas, mas todas trancadas. Você tem as chaves certas — seu talento, sua formação, sua vontade de crescer — mas do outro lado, ninguém gira a maçaneta. É assim que muitas pessoas com deficiência se sentem ao tentar acessar o mercado de trabalho.

Carolina Ignarra

4 min de leitura
Saúde Mental
Desenvolver lideranças e ter ferramentas de suporte são dois dos melhores para caminhos para as empresas lidarem com o desafio que, agora, é também uma obrigação legal

Natalia Ubilla

4 min min de leitura
Carreira, Cultura organizacional, Gestão de pessoas
Cris Sabbag, COO da Talento Sênior, e Marcos Inocêncio, então vice-presidente da epharma, discutem o modelo de contratação “talent as a service”, que permite às empresas aproveitar as habilidades de gestores experientes

Coluna Talento Sênior

4 min de leitura
Uncategorized, Inteligência Artificial

Coluna GEP

5 min de leitura
Cobertura de evento
Cobertura HSM Management do “evento de eventos” mostra como o tempo de conexão pode ser mais bem investido para alavancar o aprendizado

Redação HSM Management

2 min de leitura
Empreendedorismo
Embora talvez estejamos longe de ver essa habilidade presente nos currículos formais, é ela que faz líderes conscientes e empreendedores inquietos

Lilian Cruz

3 min de leitura
Marketing Business Driven
Leia esta crônica e se conscientize do espaço cada vez maior que as big techs ocupam em nossas vidas

Rafael Mayrink

3 min de leitura