Bem-estar & saúde
3 minutos min de leitura

O dia de trabalho infinito e o custo invisível da conexão constante

Fundadora e CEO da Vittude, referência no desenvolvimento e gestão estratégica de programas de saúde mental para empresas. Engenheira civil de formação, possui MBA Executivo pelo Insper e especialização em Empreendedorismo Social pelo Insead, escola francesa de negócios. Empreendedora, palestrante, TEDx Speaker e produtora de conteúdo sobre saúde mental e bem-estar, foi reconhecida em 2023 como LinkedIn Top Voice e, em 2024, como uma das 500 pessoas mais influentes da América Latina pela Bloomberg Linea.

Compartilhar:

Já faz tempo que deixamos de medir o trabalho pelas horas no escritório. O expediente migrou para o celular, o WhatsApp virou sala de reunião, e o e-mail é aquele hóspede que nunca vai embora. Vivemos o que a pesquisa Work Trend Index 2025, da Microsoft, chamou de “dia de trabalho infinito”, uma realidade em que a fronteira entre o profissional e o pessoal simplesmente se dissolve. 

Segundo o relatório, os profissionais hoje são interrompidos, em média, 275 vezes por dia entre mensagens, notificações e convites de reunião.  Além disso, o número de reuniões após as 20h cresceu 16% no último ano, e o envio de mensagens fora do horário comercial aumentou 15%. Em outras palavras, o trabalho invadiu todos os espaços, incluindo o tempo, a atenção e até o sono.

Não se trata mais apenas de longas jornadas, mas de uma mente que nunca desliga. Mesmo depois de encerrar o expediente, o corpo pode estar no sofá, mas o cérebro continua na reunião das 18h. A notificação acende, a resposta vem automática, e o descanso se torna um intervalo entre alertas.

A Gallup aponta que 80% dos trabalhadores afirmam não ter tempo ou energia suficientes para realizar suas atividades de forma eficiente. E a consequência disso não é apenas cansaço, é esgotamento cognitivo, dificuldade de foco e perda de criatividade. O preço da hiperconexão é a exaustão silenciosa que vem disfarçada de engajamento.

Há algo profundamente cultural nesse comportamento. Durante décadas, fomos ensinados a associar valor pessoal à entrega constante.  Responder rápido virou sinônimo de competência, e estar sempre disponível, sinal de comprometimento. E a pausa? Um risco para a imagem profissional.

Mas produtividade sem limite é ilusão. No longo prazo, ela gera presenteísmo, aquela presença física com mente ausente.  O Censo de Saúde Mental da Vittude mostra que 31% da capacidade produtiva das empresas brasileiras se perde por problemas de saúde, muitos deles relacionados à fadiga e à sobrecarga. Ou seja, quanto mais tempo tentamos produzir, menos entregamos de fato.


Tecnologia é aliada, mas exige maturidade

A inteligência artificial promete reduzir tarefas repetitivas e devolver às pessoas tempo para pensar, criar e decidir. Mas se não houver mudança cultural, ela só ampliará o ritmo de produção e o problema continuará. Não precisamos de mais ferramentas para trabalhar mais, e sim de mais consciência sobre quando parar.

Desconectar é parte da higiene mental. Assim como o corpo precisa dormir, a mente precisa se desligar. A falta de pausa cria um ambiente onde ninguém se recarrega, e isso mina a inovação, o engajamento e até a segurança psicológica.

Organizações maduras estão começando a tratar a desconexão como uma questão de saúde e sustentabilidade. Algumas ações simples, mas poderosas, podem transformar o cenário:

  • Definir horários claros de comunicação e evitar e-mails ou mensagens fora do expediente, exceto em situações críticas;
  • Incentivar pausas reais, incluindo o direito ao descanso digital;
  • Treinar lideranças para dar o exemplo: se o líder envia mensagens à meia-noite, reforça o modelo de jornada infinita;
  • Mapear riscos psicossociais, como excesso de conexão e falta de pausas, em linha com a NR-1.


Cuidar da saúde mental é também reorganizar o tempo de trabalho. Porque ninguém cria, decide ou lidera bem quando está exausto. No mundo da hiperconexão, encerrar o expediente virou um ato de coragem. Desligar o computador é resistir à lógica de que só é produtivo quem está sempre disponível.  Mas é justamente no espaço entre um dia e outro que mora a criatividade, a clareza e a recuperação.

O trabalho precisa acabar para que possa recomeçar. E o líder do futuro será aquele que entende que pausa é estratégia, e não fraqueza. Porque ninguém sustenta uma jornada infinita, nem mesmo o mais comprometido dos profissionais.

Compartilhar:

Artigos relacionados

ESG, Empreendedorismo
29 de setembro de 2025
No Dia Internacional de Conscientização sobre Perdas e Desperdício de Alimentos, conheça negócios de impacto que estão transformando excedentes em soluções reais - gerando valor econômico, social e ambiental.

Priscila Socoloski CEO da Connecting Food e Lucas Infante, CEO da Food To Save

2 minutos min de leitura
Cultura organizacional
25 de setembro de 2025
Transformar uma organização exige mais do que mudar processos - é preciso decifrar os símbolos, narrativas e relações que sustentam sua cultura.

Manoel Pimentel

10 minutos min de leitura
Uncategorized
25 de setembro de 2025
Feedback não é um discurso final - é uma construção contínua que exige escuta, contexto e vínculo para gerar evolução real.

Jacqueline Resch e Vivian Cristina Rio Stella

4 minutos min de leitura
Tecnologia & inteligencia artificial
24 de setembro de 2025
A IA na educação já é realidade - e seu verdadeiro valor surge quando é usada com intencionalidade para transformar práticas pedagógicas e ampliar o potencial de aprendizagem.

Rafael Ferreira Mello - Pesquisador Sênior no CESAR

5 minutos min de leitura
Inovação
23 de setembro de 2025
Em um mercado onde donos centralizam decisões de P&D sem métricas críveis e diretores ignoram o design como ferramenta estratégica, Leme revela o paradoxo que trava nosso potencial: executivos querem inovar, mas faltam-lhes os frameworks mínimos para transformar criatividade em riqueza. Sua fala é um alerta para quem acredita que prêmios de design são conquistas isoladas – na verdade, eles são sintomas de ecossistemas maduros de inovação, nos quais o Brasil ainda patina.

Rodrigo Magnago

5 min de leitura
Inovação & estratégia, Liderança
22 de setembro de 2025
Engajar grandes líderes começa pela experiência: não é sobre o que sua marca oferece, mas sobre como ela faz cada cliente se sentir - com propósito, valor e conexão real.

Bruno Padredi - CEP da B2B Match

3 minutos min de leitura
Cultura organizacional, Liderança
19 de setembro de 2025
Descubra como uma gestão menos hierárquica e mais humanizada pode transformar a cultura organizacional.

Cristiano Zanetta - Empresário, palestrante TED e filantropo

0 min de leitura
Tecnologia & inteligencia artificial, Inovação & estratégia
19 de setembro de 2025
Sem engajamento real, a IA vira promessa não cumprida. A adoção eficaz começa quando as pessoas entendem, usam e confiam na tecnologia.

Leandro Mattos - Expert em neurociência da Singularity Brazil

3 minutos min de leitura
Cultura organizacional, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
17 de setembro de 2025
Ignorar o talento sênior não é só um erro cultural - é uma falha estratégica que pode custar caro em inovação, reputação e resultados.

João Roncati - Diretor da People + Strategy

3 minutos min de leitura
Inovação
16 de setembro de 2025
Enquanto concorrentes correm para lançar coleções sazonais inspiradas em tendências efêmeras, o Boticário demonstra que compreende um princípio fundamental: o verdadeiro valor do design não está na estética superficial, mas em sua capacidade de gerar impacto social e econômico simultaneamente. A linha Make B., vencedora do iF Design Award 2025, não é um produto de beleza – é um manifesto estratégico.

Magnago

4 minutos min de leitura

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #169

TECNOLOGIAS MADE IN BRASIL

Não perdemos todos os bondes; saiba onde, como e por que temos grandes oportunidades de sucesso (se soubermos gerenciar)

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #169

TECNOLOGIAS MADE IN BRASIL

Não perdemos todos os bondes; saiba onde, como e por que temos grandes oportunidades de sucesso (se soubermos gerenciar)