A Inteligência Artificial (IA) deixou de ser tendência para se tornar parte essencial da estratégia de negócios em praticamente todos os setores. De bancos a hospitais, passando por varejo, indústria e serviços, líderes estão acelerando investimentos em IA como um caminho para aumentar eficiência, reduzir custos e buscar novas formas de se relacionar com clientes.
Isso porque a IA deixou de ser um experimento de vanguarda para se tornar peça central nas estratégias corporativas. Segundo um levantamento global feito neste ano pela consultoria estratégica McKinsey, mais de três quartos das empresas já utilizam IA em pelo menos uma função de negócio, e a tendência é que essa adoção se expanda rapidamente nos próximos anos.
Nesse cenário, as organizações que não embarcarem nessa transformação tecnológica tendem a perder espaço competitivo em velocidade recorde.
No entanto, se por um lado a adoção cresce de forma acelerada, por outro a governança e a segurança da IA ainda não acompanham o mesmo ritmo. Diversos líderes têm priorizado a implementação da tecnologia em áreas de front office (setores que lidam diretamente com o cliente), inovação e atendimento ao usuário, mas relegado a segundo plano a discussão sobre os riscos envolvidos.
Contudo, é justamente nesse hiato entre velocidade e segurança que surgem ameaças como o ‘data poisoning’ (ou ‘envenenamento de dados’, em tradução livre), termo que se refere a um ataque sofisticado e silencioso que pode comprometer profundamente a confiabilidade dos modelos de IA.
O estudo recém-publicado “Poisoning Attacks on LLMs Require a Near-Constant Number of Poison Samples” (ou ‘Ataques de Envenenamento em LLMs Requerem um Número Quase Constante de Amostras Maliciosas’, em português), conduzido por pesquisadores da Universidade de Oxford, Anthropic, UK AI Security Institute, Alan Turing Institute e outras instituições, revelou uma descoberta surpreendente e preocupante: é possível manipular grandes modelos de linguagem (LLMs) com apenas algumas centenas de documentos contaminados, independentemente do tamanho do modelo ou do volume de dados em que ele foi treinado.
Além disso, foi identificado que esses ‘data poisoning’ podem passar despercebidos, funcionando como “atalhos escondidos”, pois, uma vez absorvidos pelo modelo, eles alteram o comportamento do sistema, podendo levá-lo a tomar decisões incorretas ou manipuladas.
Ao longo dessa pesquisa, foram testados modelos de diferentes portes, de 600 milhões até 13 bilhões de parâmetros. Em outras palavras, desde sistemas relativamente pequenos até alguns dos mais poderosos da atualidade.
A conclusão é que cerca de 250 documentos já são suficientes para inserir falhas ou comportamentos indesejados em um modelo. Antes, acreditava-se que seria necessário comprometer uma fração significativa do dataset, algo impraticável em escala real.
Desse modo, o estudo mostra uma vulnerabilidade e riscos bem maiores do que se imaginava, já que injetar falhas ou atalhos escondidos em sistemas de IA pode ser mais fácil e barato. Para os executivos, no entanto, esse tipo de ataque pode parecer distante, mas ele tem implicações práticas bastante claras. Se traduzirmos para o dia a dia corporativo, podemos trazer diversos exemplos bem tangíveis, como os destacados abaixo:
- Imagine um chatbot de atendimento ao cliente que, por ter sido treinado com documentos manipulados, começa a autorizar reembolsos indevidos em larga escala. Com essa aplicação, o impacto financeiro é direto, mas também reputacional, pois rapidamente os clientes podem identificar a falha e explorá-la.
- Pense em um sistema de análise de mercado que, a partir de dados contaminados, passa a recomendar investimentos incorretos ou enviesados, levando executivos a decisões estratégicas equivocadas. O prejuízo pode ir de uma alocação ruim de recursos até a perda de competitividade em setores inteiros.
- Ou ainda, considere um modelo adquirido de um fornecedor externo que responde de forma maliciosa sempre que um termo específico é usado. Isso pode significar desde a exposição de informações sensíveis até respostas incorretas em situações críticas, afetando clientes, reguladores e parceiros.
- Podemos imaginar até um sistema de RH baseado em IA sendo envenenado para favorecer perfis específicos de candidatos. As consequências vão além de prejuízos financeiros, pois incluem riscos legais, processos trabalhistas e danos de imagem ligados a discriminação e falta de transparência.
Esses exemplos fictícios ilustram como ataques invisíveis podem se traduzir em perdas financeiras, danos à reputação e até problemas regulatórios. E o mais preocupante é que basta um pequeno conjunto de dados maliciosos infiltrados para comprometer sistemas.
Vale destacar que os dados da McKinsey, citados logo no início do texto, mostram que as empresas que já aplicam IA em escala relatam ganhos expressivos de produtividade e receita, mas também são as que mais sentem os desafios de governança e risco. Isso reforça a urgência de tratar a segurança como parte indissociável da estratégia de Inteligência Artificial, e não como um detalhe técnico a ser resolvido no futuro.
Nesse sentido, o alerta sobre riscos como o ‘data poisoning’ não é isolado. Globalmente, governos e organismos reguladores vêm discutindo com intensidade o futuro da IA responsável. Na União Europeia, por exemplo, foi aprovado recentemente o AI Act, que estabelece regras específicas para segurança, transparência e uso ético de sistemas de IA. Já nos Estados Unidos, órgãos regulatórios publicam guias e recomendações.
No Brasil, tramita o Projeto de Lei 2.338/2023, que busca regulamentar o uso da Inteligência Artificial no país, classificando sistemas conforme níveis de risco e definindo responsabilidades jurídicas.
Esse movimento regulatório aponta para uma direção clara: assim como já acontece com temas como compliance, auditoria financeira e proteção de dados (LGPD), a governança de IA será pauta obrigatória em conselhos de administração e comitês executivos. Desse modo, a responsabilidade por falhas ou riscos em sistemas mal estruturados deixará de ser apenas uma questão técnica e será uma exigência direta para CEOs, CFOs e conselhos deliberativos.
Portanto, a pergunta que se impõe aos líderes não é apenas “como adotar IA”, mas “como adotar IA de modo seguro, transparente e alinhado à estratégia de longo prazo da empresa”.
Com isso, essa adoção é, sem dúvida, um caminho sem volta para empresas que desejam se manter competitivas, uma vez que os ganhos em produtividade, personalização e inovação são evidentes.
Porém, essa corrida não pode ser baseada apenas na estética ou em soluções mirabolantes que prometem resultados rápidos sem clareza do que ocorre nos bastidores. Confiar em fornecedores que dominam o tema de ponta a ponta, com práticas sólidas de governança e segurança é essencial para proteger a organização.
Para conselheiros e C-Levels, a mensagem é clara: as lideranças precisam olhar para a IA da mesma forma que enxergam outros pilares importantes do negócio, como algo que precisa de estratégia, monitoramento constante e gestão de riscos. Assim como ninguém contrataria uma auditoria financeira sem credibilidade, não faz sentido embarcar em projetos de IA que não ofereçam garantias mínimas de robustez e governança.
Em outras palavras, a IA abre portas extraordinárias, mas apenas para quem souber trilhar com segurança por esse caminho.





