A forma de contratar pessoas com deficiência nas empresas ainda é uma barreira para a Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI). A forma como fazemos isso até hoje, definitivamente não deu certo. É preciso observar de que forma as portas da empresa estão sendo abertas já no início da jornada de inclusão: na seleção de pessoas. A desatenção com essa etapa pode significar a exclusão de talentos com deficiência. Já vi muito desperdício de pessoas candidatas com perfil e habilidade para ocupar as vagas disponíveis. Processo de seleção que exclui depõe contra a real intenção de investir em DEI e faz, na largada, a marca empregadora se enfraquecer.
De acordo com o estudo “Radar da Inclusão: mapeando a empregabilidade de Pessoas com Deficiência”, realizado com 1.230 pessoas com deficiência ou neurodivergência, 82% das pessoas entrevistadas, avaliam que a maioria das empresas ainda não está preparada para recebê-las adequadamente. Mais alarmante ainda é que 67% afirmam que o ambiente de trabalho atual não atende às suas necessidades. Esses dados refletem não apenas a ausência de acessibilidade física ou tecnológica, mas a falta de preparo humano e institucional para incluir de verdade.
A inclusão vai além da contratação e começa no primeiro clique da inscrição para a vaga, passa pela entrevista e segue pela preparação do ambiente de trabalho. Empresas que não se atentam a isso estão perdendo capital humano qualificado e comprometido.
Tornar mais justos os processos seletivos é garantir um investimento eficaz e verdadeiramente acessível. Não dá mais para continuar fazendo contratação de pessoa com deficiência nos mesmos processos de pessoas sem deficiência. A história mostra que dessa forma não é inclusivo. É preciso promover equidade na avaliação das competências e na valorização das pessoas candidatas com deficiência. Criar uma ação afirmativa de seleção começa pela busca correta das pessoas com deficiência. Anunciar vagas em canais e comunidades acessadas pelas pessoas com deficiência é a forma mais justa e correta de conseguir o match perfeito. Já pensou em recorrer a criadores de conteúdo com deficiência para divulgar suas oportunidades e fortalecer sua marca empregadora?
Outra ação afirmativa, que precisa ser intencional, para não corrermos riscos de ‘esquecer’, é divulgar de forma acessível. O texto da divulgação da vaga precisa estar em uma linguagem simples, direta e que todas as pessoas consigam ler e entender, independente da sua deficiência. E para aumentar o alcance, divulgar a posição por mais de uma forma, pode ser uma ótima alternativa. Por exemplo, um vídeo com uma pessoa surda comunicando as informações em libras, pode aumentar significativamente a candidatura de pessoas surdas no seu processo.
Novamente, o estudo “Radar da Inclusão”, mostrou que 64% das pessoas com deficiência entrevistadas ocupam vagas que foram anunciadas como exclusivas ou preferenciais para pessoas com deficiência e/ou neurodivergentes. Por essa indicação, entendo que as pessoas preferem se candidatar para vagas afirmativas ou que estão dizendo (por meio da exclusividade ou valorização do público) que estão mais preparadas para nós. Sendo assim, uma boa ação afirmativa para ter mais sucesso no processo de atração é divulgar a exclusividade ou preferência pelo público.
A comunicação do anúncio precisa ser cuidada para não parecer que o objetivo é cumprir cota. Indico deixar claro que a vaga é afirmativa: “Oportunidade exclusiva para pessoas com deficiência”. E completar: “Aqui, acreditamos no potencial de todas as pessoas. Venha crescer junto com a gente.”
Investir em inclusão sem intenção e convicção, é um processo oneroso e pouco efetivo. As empresas perdem talentos e desperdiçam investimentos por não criarem condições para uma seleção inclusiva.
Para tornar o processo seletivo realmente inclusivo, é essencial realizar um mapeamento da acessibilidade, avaliando cada etapa da seleção, da inscrição à entrevista. Isso ajuda a identificar barreiras e corrigi-las antes que elas excluam, de forma silenciosa, pessoas com deficiência.
Além disso, é preciso revisar os critérios de avaliação, tornando as dinâmicas, entrevistas e testes acessíveis à todas as pessoas candidatas. Se necessário, faça ajustes que podem ampliar a diversidade de pessoas com perfis diferentes, e fortalecer a etapa de seleção.
A pessoa que seleciona deve estar desenvolvida para não impor barreiras atitudinais e cometer capacitismo, mesmo sem intenção. Durante a seleção, é importante oferecer suporte individualizado e uma comunicação objetiva.
Na hora da entrevista, a prioridade é focar nas competências e experiências, e não na deficiência da pessoa candidata. Perguntar sobre eventuais necessidades de adaptação para o desempenho da função, de forma direta e acolhedora, é mais eficaz do que supor.
A linguagem usada deve ser inclusiva, evitando termos ultrapassados ou capacitistas. Também é fundamental garantir condições adequadas para a entrevista, como intérpretes, espaços acessíveis e apoio tecnológico, demonstrando preparo e intenção verdadeira de inclusão.
Por fim, é indispensável desconstruir o capacitismo enraizado em todas as etapas da seleção, sem subestimar nem superestimar a pessoa candidata. Avalie, entreviste e selecione com objetividade, como faria com qualquer outra pessoa. Após a entrevista, é fundamental dar um feedback respeitoso e acessível. Essa atitude mostra a intencionalidade da empresa com uma cultura mais diversa e justa.
Não se resolve a inclusão de pessoas com deficiência fazendo apenas contratação. Ela exige intenção, investimento, disposição, preparo e, acima de tudo, ação intencional. Ignorar a importância de um processo seletivo acessível é perpetuar desigualdades. É fechar a porta na cara da inclusão. Porém, quando uma empresa decide agir com responsabilidade e respeito à diversidade, ela deixa de apenas cumprir cotas e passa a buscar e contratar pessoas por suas habilidades e com suas características. Aí sim ela começa a construir uma reputação legítima de empresa essencialmente justa para todas as pessoas.