Carreira

Que venha o smart work

Como reequilibrar o mundo do trabalho? Segundo o sociólogo italiano Domenico De Masi, precisamos de um novo modelo
Augusto é Diretor de Relações Institucionais do Instituto Four, Coordenador da Lifeshape Brasil, Professor convidado da Fundação Dom Cabral, criador da certificação Designer de Carreira e produtor do Documentário Propósito Davi Lago é coordenador de pesquisa no Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da PUC-SP, professor de pós-graduação na FAAP e autor best-seller de obras como “Um Dia Sem Reclamar” (Citadel) e “Formigas” (MC). Apresentador do programa Futuro Imediato na Univesp/TV Cultura

Compartilhar:

Em um longo artigo do italiano Domenico De Masi publicado em junho no jornal Folha de S.Paulo, o sociólogo afirma: “A partir de agora, será necessário recompor profissão e vida, valorizando com o ‘smart working’ a desestruturação espaço-temporal do trabalho; encorajando a irrupção da emoção, da fantasia e da afetividade na esfera produtiva; garantindo uma igualdade de gênero concreta, um respeito seguro às diversidades, um crescimento cultural dos indivíduos e de toda a comunidade para cuja administração o município, a escola e as empresas contribuem”.
Curiosos sobre esse conceito de smart working, entrevistamos De Masi para a nossa coluna “Perspectivas de carreira” e os principais insights dessa conversa você encontra a seguir.

## Smart working: conceito e aplicação
Para De Masi, smart working é uma nova filosofia de trabalho, que leva em conta a flexibilidade, a autonomia e os períodos de atividade laboral para além do home office. Além de escolher o local (anywhere office) e o tempo de trabalho, o profissional passa interagir não apenas com os parceiros imediatos do trabalho, mas com a sociedade como um todo. “Repito, é uma nova filosofia de trabalho, que não se reduz a trabalhar em casa. É uma cessão de poder da parte dos chefes para os trabalhadores, e uma cessão de importância do escritório para a casa. É reequilibrar e mudar a distribuição de poder. É mudar a distribuição de trabalho”, afirma.

## O papel da liderança
Na lógica do smart working, os líderes precisam ser mais mentores do que chefes. “Do líder é esperado que ele tenha capacidade de pontuar objetivos ou microobjetivos. Por exemplo, o líder solicita um artigo. O microobjetivo é a entrega do artigo em determinada data. A partir daí, o liderado deve ter autonomia para produzir o trabalho do modo mais equilibrado, conforme sua própria realidade. O líder não interfere exageradamente no processo. Não importa o local ou o modo como o artigo será escrito – em casa, na praia, no campo etc. O foco está nos objetivos a serem alcançados com a atividade profissional e cabe ao líder organizá-los”, disse De Masi.

## A jornada e a precarização
A precarização do trabalho, discutida a partir de exemplos concretos como no caso dos motoristas e motofretistas de aplicativos, é um problema amplo do nosso século. Diante dessa questão, De Masi destaca alguns aspectos. “O aumento da demografia reflete no número de trabalhadores disponíves para o trabalho. Porém, os postos não aumentam na mesma proporção, o que traz uma taxa de desemprego cada vez maior. Desempregadas, as pessoas ficam mais dispostas a aceitar condições piores. Uma possível solução é a redução das jornadas de trabalho”, analisou o sociólogo. Isto é, em vez de turnos de 8 horas por dia, seria necessário adotar períodos laborais de 4 ou 5 horas. “Mas a lógica capitalista não permite reduzir o período de trabalho, e é por isso que observamos o aumento contínuo da precarização”, afirmou.

## Geração Nem-nem e a redistribuição
Cerca de 11 milhões de jovens brasileiros nem estudam, nem trabalham. Segundo o sociólogo, para enfrentar esse problema, é preciso fazer uma redistribuição lógica e abrangente de seis elementos: 1. do trabalho; 2. da riqueza; 3. do poder; 4. do saber; 5. das oportunidades; 6. dos direitos. “É importante estarmos atentos a esses seis elementos. Todos são importantes na equalização do trabalho. Há casas em que os pais trabalham dez horas e os filhos, em idade profissional, estão desempregados. Isso é resultado de uma péssima distribuição do trabalho”. Por exemplo, na Itália, um italiano trabalha anualmente uma média de 1,8 mil horas. Em contrapartida, um alemão, em média, trabalha 1,4 mil horas por ano. O resultado é simples: a taxa de desocupados e desempregados na Itália é de 10%, enquanto na Alemanha é de apenas 4%. Para ele, o Brasil precisa de uma urgente redistribuição do trabalho. “Em meu livro O futuro chegou (Casa da Palavra), dedico um capítulo ao Brasil e ali aprofundo essas questões”, analisa De Masi, que se interessa muito por nosso País e inclusive é cidadão honorário do Rio de Janeiro desde 2010.

## Pós-pandemia
Sobre o mundo pós-Covid-19, De Masi faz uma análise fria do nosso contexto geopolítico e não parece estar muito otimista com esse cenário. “A macroestrutura já está clara desde antes da pandemia. O mundo é emoldurado pelas grandes potências – Estados Unidos, Rússia e China. A Europa poderia ser a quarta potência, por sua grande força histórica, seus 700 milhões de habitantes, enfim, é muito rica, muito culta, mas carece da união necessária para ter mais protagonismo. Portanto, penso que o mundo permanecerá igual após a pandemia. Não haverá uma reconfiguração ampla.

Já na perspectiva do trabalho, De Masi afirma que seria muito bom se algo pudesse mudar. “O coronavírus é uma terrível calamidade; inútil dizer que teria sido infinitamente melhor se jamais tivesse aparecido. Porém, visto que está causando danos, é melhor tirar proveito deles para mudar algo em direção ao significado e à organização do trabalho”, escreveu em seu artigo publicado pela Folha, e complementou: “No entanto, os que conduziam as danças, quando entramos no túnel, são os mesmos que as conduzirão quando sairmos dele. Isso torna improvável qualquer renascimento.”

Então, em vez de esperarmos por uma mudança estrutural e universal do mundo do trabalho, o que nos cabe é iniciar essas transformações em nossas vidas e empresas, de dentro para fora.

Insights para a sua carreira

Assim como fazemos na coluna “Perspectivas de carreira”, que mantemos no site da HSM Management, deixamos aqui algumas ideias para você colocar em prática.

1. Reequilibre eficiência profissional e vida pessoal: é preciso resgatar o conceito de vida integral, principalmente nesses tempos de pandemia, com todos em casa. Cuide da sua rotina para ter um tempo de qualidade para si e, dessa forma, conseguir um melhor equilíbrio entre seus vários papéis.

2. Estabeleça Contrapartidas inteligentes: a autonomia que você recebe da organização deve ser retribuída com responsabilidade. Não desperdice essa oportunidade.

3. Ajuste o jeito de liderar: a liderança, ainda mais nesse contexto pandêmico, deve usar a confiança como base de sua influência. Alinhe o significado maior do trabalho dando direção para onde as pessoas devem caminhar.

4.Atualize estratégias administrativas obsoletas da era industrial: você não será relevante no mundo corporativo atual simplesmente replicando os valores da era industrial. É preciso alinhar seus valores a esse novo contexto. Os diferenciais competitivos hoje são habilidades humanas como colaboração, estética, subjetividade, emotividade e flexibilidade. Pesquisas revelam que esses atributos refletem a escalada da influência da energia feminina no mundo do trabalho.

Compartilhar:

Augusto é Diretor de Relações Institucionais do Instituto Four, Coordenador da Lifeshape Brasil, Professor convidado da Fundação Dom Cabral, criador da certificação Designer de Carreira e produtor do Documentário Propósito Davi Lago é coordenador de pesquisa no Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da PUC-SP, professor de pós-graduação na FAAP e autor best-seller de obras como “Um Dia Sem Reclamar” (Citadel) e “Formigas” (MC). Apresentador do programa Futuro Imediato na Univesp/TV Cultura

Artigos relacionados

Inovação
3 de setembro de 2025
Em entrevista com Rodrigo Magnago, Fernando Gama nos conta como a Docol tem despontado unindo a cultura do design na organização

Rodrigo Magnago

4 min de leitura
ESG, Inovação & estratégia, Tecnologia & inteligencia artificial
3 de setembro de 2025
O plástico nasceu como símbolo do progresso - hoje, desafia o futuro do planeta. Entenda como uma invenção de 1907 moldou a sociedade moderna e se tornou um dos maiores dilemas ambientais da nossa era.

Anna Luísa Beserra - CEO da SDW

0 min de leitura
Inovação & estratégia, Empreendedorismo, Tecnologia & inteligencia artificial
2 de setembro de 2025
Como transformar ciência em inovação? O Brasil produz muito conhecimento, mas ainda engatinha na conversão em soluções de mercado. Deep techs podem ser a ponte - e o caminho já começou.

Eline Casasola - CEO da Atitude Inovação

5 minutos min de leitura
Liderança, Empreendedorismo, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho, Inovação & estratégia
1 de setembro de 2025
Imersão de mais de 10 horas em São Paulo oferece conteúdo de alto nível, mentorias com especialistas, oportunidades de networking qualificado e ferramentas práticas para aplicação imediata para mulheres, acelerando oportunidades para um novo paradigma econômico

Redação HSM Management

0 min de leitura
Inovação & estratégia, Marketing & growth
1 de setembro de 2025
Na era da creator economy, influência não é mais sobre alcance - é sobre confiança. Você já se deu conta como os influenciadores se tornaram ativos estratégicos no marketing contemporâneo? Eles conectam dados, propósito e performance. Em um cenário cada vez mais automatizado, é a autenticidade que converte.

Salomão Araújo - VP Comercial da Rakuten Advertising no Brasil

3 minutos min de leitura
Inovação & estratégia, Liderança
29 de agosto de 2025
Estamos entrando na temporada dos planos estratégicos - mas será que o que chamamos de “estratégia” não é só mais uma embalagem bonita para táticas antigas? Entenda o risco do "strategy washing" e por que repensar a forma como construímos estratégia é essencial para navegar futuros possíveis com mais consciência e adaptabilidade.

Lilian Cruz, Cofundadora da Ambidestra

4 minutos min de leitura
Empreendedorismo, Inovação & estratégia
28 de agosto de 2025
Startups lideradas por mulheres estão mostrando que inovação não precisa ser complexa - precisa ser relevante. Já se perguntou: por que escutar as necessidades reais do mercado é o primeiro passo para empreender com impacto?

Ana Fontes - Empreendedora social, fundadora da Rede Mulher Empreendedora (RME) e do Instituto RME

3 minutos min de leitura
Inovação & estratégia, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho, Tecnologia & inteligencia artificial
26 de agosto de 2025
Em um universo do trabalho regido pela tecnologia de ponta, gestores e colaboradores vão obrigatoriamente colocar na dianteira das avaliações as habilidades humanas, uma vez que as tarefas técnicas estarão cada vez mais automatizadas; portanto, comunicação, criatividade, pensamento crítico, persuasão, escuta ativa e curiosidade são exemplos desse rol de conceitos considerados essenciais nesse início de século.

Ivan Cruz, cofundador da Mereo, HR Tech

4 minutos min de leitura
Inovação
25 de agosto de 2025
A importância de entender como o design estratégico, apoiado por políticas públicas e gestão moderna, impulsiona o valor real das empresas e a competitividade de nações como China e Brasil.

Rodrigo Magnago

9 min de leitura
Cultura organizacional, ESG, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
25 de agosto de 2025
Assédio é sintoma. Cultura é causa. Como ambientes de trabalho ainda normalizam comportamentos abusivos - e por que RHs, líderes e áreas jurídicas precisam deixar a neutralidade de lado e assumir o papel de agentes de transformação. Respeito não pode ser negociável!

Viviane Gago, Facilitadora em desenvolvimento humano

5 minutos min de leitura

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #169

TECNOLOGIAS MADE IN BRASIL

Não perdemos todos os bondes; saiba onde, como e por que temos grandes oportunidades de sucesso (se soubermos gerenciar)

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #169

TECNOLOGIAS MADE IN BRASIL

Não perdemos todos os bondes; saiba onde, como e por que temos grandes oportunidades de sucesso (se soubermos gerenciar)