Conteúdo exclusivo Singularity University

Recomeço em casa, no trabalho e na cidade

Já é possível saber muito do que muda depois da pandemia nos ambientes doméstico, profissional e urbano. Graças à tecnologia, algumas novidades chegam mais rápido
É cientista político com especialização em economia, gestão e programação. Especialista em mobilidade urbana, cidades inteligentes e parcerias público-privadas. Integra o time da Singularity University no Brasil.

Compartilhar:

Os planos mudam. Mas, em 2020, mudaram para valer. A pandemia do novo coronavírus é um evento black swan, o cisne negro de Nassim Taleb, que de tempos em tempos surge para desorganizar e reorganizar tudo.

Por todo o planeta, as pessoas foram forçadas a alterar suas rotinas. O espaço entre acordar e produzir demorava demais e gerava um enorme estresse logo no início da manhã. Com o home office, a realidade é outra. O café passa a ser com a família e, para chegar ao trabalho, basta se conectar à internet.

Surgiram novos hábitos. Tanto as empresas quanto os funcionários descobriram que, apesar do enorme desafio de adaptação, a produtividade não caiu, as reuniões continuaram acontecendo, projetos foram desenvolvidos com sucesso e até ofertas públicas de ações, ou IPOs, na sigla em inglês, ocorreram durante a quarentena.
Nos três primeiros trimestres de 2020, o volume captado em ofertas de ações é 20,5% maior que no ano passado. De acordo com a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), R$ 60 bilhões foram captados até setembro, sendo quase R$ 14 bilhões em IPOs. A B3 ganhou 900 mil novos investidores durante a pandemia.

## Repactuando acordos
Os bons resultados fizeram as organizações repensarem o que deve ou não ser mantido. A Peugeot, por exemplo, comunicou que todos os colaboradores que não fazem parte da produção devem ficar em trabalho remoto permanentemente.
Microsoft, Twitter, Bradesco e tantas outras tomaram a mesma decisão.
Segundo a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), 15,9% das negociações coletivas deste ano incluem o tema trabalho remoto. No ano passado, essa questão aparecia em apenas 2,4%. Há pelo menos seis projetos de lei em tramitação no Congresso para regulamentar o teletrabalho, que já é previsto pela CLT desde 2017.

Para as organizações, a medida traz benefícios como redução de custos com escritórios amplos, preocupação com estacionamento, acesso de transporte público, refeições (restaurantes e refeitórios), entre outros. Para os colaboradores, também há vantagens, como eliminar o deslocamento, mais qualidade de vida, menor custo com transportes, mais tempo para atividades físicas, estudos, possibilidade de estar com a família, e ter uma alimentação mais saudável.

É importante destacar que o trabalho remoto não é para todo mundo, nem para qualquer função. Algumas atividades exigem a presença do profissional. Há também quem gosta de encontrar pessoas e não tem estrutura em casa para se adequar às necessidades. Isso vai desde um ambiente apropriado, com privacidade, até wifi e equipamentos. A Tim, por exemplo, fechou acordo em setembro que fornecerá mobiliário, computador, além de ajuda de custo de 80 reais para energia e internet. O auxílio-refeição é mantido, mas o vale-transporte não.

A legislação trabalhista é justa, mas foi lavrada para um mundo analógico. O que se configura a partir de agora é uma situação completamente diferente, que traz diversas inconsistências que precisam ser sanadas. Por exemplo: o que diferencia um profissional que trabalha remotamente de um terceirizado? Quais são os direitos e os deveres de cada um? A repactuação deve criar um ambiente virtual seguro, estabelecer divisões entre trabalho e vida privada e garantir a infraestrutura mínima para a realização das atividades.

Quais serão os critérios para avaliação profissional? As horas dedicadas ao trabalho são secundárias diante da importância da entrega e do cumprimento de prazos. Mais do que nunca, performance individual, autonomia e proatividade são colocadas à prova. Nessa ressignificação de valores, o sentimento de dono e a confiança entre empresa e colaborador ficam mais fortes.

## Mudança nas cidades
Os impactos das novas formas de trabalho vão além das organizações e dos profissionais. Se as pessoas mudam suas rotinas, as cidades sentem as consequências. Bairros empresariais vivem do movimento gerado pelos escritórios. Sobram vagas em estacionamentos; restaurantes que ficavam com filas nas portas têm menos rotatividade de mesas no horário do almoço; bares perdem o
happy hour; escolas de idiomas têm menos alunos; academias de ginástica express perdem clientes.

Os informais são fortemente afetados. Eles geram grande impacto na economia, porque representam 40% dos trabalhadores ocupados no País – cerca de 38 milhões de brasileiros, segundo o IBGE. O mercado imobiliário também sofre. Torres imensas que hoje são sedes de empresas talvez não façam mais sentido.

Com parte das pessoas trabalhando de casa, o trânsito diminui, há redução no estresse da rua e o impacto é sentido no transporte público. Eventualmente, linhas de ônibus podem ser remanejadas segundo a nova demanda e a digitalização permite controle de disponibilidade e ocupação em tempo real. A sensação de segurança também muda, com menos gente pelas calçadas.

É hora, então, de tornar a vida mais prática. Imagine uma cidade onde se possa viver de forma local, com tudo ao alcance a pé ou numa breve viagem de bicicleta. O conceito “15 minutes city” surgiu com a ideia de que se a pessoa trabalha onde vive, todas as demais atividades devem estar a no máximo 15 minutos de distância. Para isso, os bairros se tornam mistos, com restaurantes, padarias, escolas, áreas de lazer, parques etc. Uma forma eficiente de adequar o ritmo das cidades aos novos tempos.

Prefeituras como as de Barcelona, Melbourne e de alguns municípios dos países nórdicos perceberam, durante a pandemia, a necessidade urgente de repaginação da geografia urbana. Isso não significa construir uma cidade nova, e sim readequar, reorganizar. Mudar o tecido urbano. A prefeita da capital francesa, Anne Hidalgo, criou o projeto “Paris Respira”, que transformou ruas em pistas pop-up para bicicletas.

A estratégia de placemaking propõe o urbanismo tático, revigorando o bairro por meio de nudges, com pequenas intervenções que preservam as características originais. São soluções leves, rápidas e baratas que transformam o ambiente.
Em todo o mundo surgiram exemplos de como fazer adaptações sem investimentos tão altos. Milão anunciou 35 quilômetros de vias para bicicletas e pedestres.

Bruxelas criou 40 quilômetros para bicicletas. Montreal, 320 quilômetros de vias para pedestres e bicicletas. Berlim readequou áreas residenciais e inovou com os lugares e as ruas felizes – ruas que ficam fechadas em alguns dias e horários para programações culturais.

## A vez do meio ambiente
Amsterdã elaborou o conceito de city donut, mirando a redução de poluentes. Nessa mesma direção, quatro cidades brasileiras se comprometeram a zerar as emissões de carbono até 2050. Curitiba, Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador integram o C40 (que defende os objetivos de desenvolvimento sustentáveis propostos pela ONU) e precisam criar políticas públicas para atingir essa meta.

O incentivo coletivo e global fortalece a causa. No entanto, a pandemia exige sensibilidade com reações hiperlocalizadas. Isso significa que as soluções enlatadas não funcionam. É necessário preservar as características do bairro, da cidade, da realidade de cada região.

Diante da pressão da sociedade por questões ambientais e da disposição para experimentar novos hábitos, esta é uma grande oportunidade para um recomeço. É preciso buscar o equilíbrio, encontrar uma vivência mais doce. Está nas mãos de quem desenvolve políticas públicas criar um legado. Governantes e sociedade civil precisam repaginar o ambiente urbano, e este é o momento.

## Tecnologia, presente!
A tecnologia já existe. A maturidade legal, técnica e financeira das PPPs – Parcerias Público-Privadas – permite que os investimentos aconteçam onde é benéfico para a sociedade. Os estímulos econômicos podem ser criados para favorecer a baixa emissão de carbono, assim como bônus ambientais com subsídios para compra de veículos elétricos.

Nessa reformulação, veículos autônomos, conectados, elétricos e compartilhados – ACES, na sigla em inglês – continuam sendo uma opção interessante para as cidades. A pandemia traz mudanças de comportamento e consumo – acesso versus aquisição. Questões sanitárias, segurança, tempo e confiabilidade pesam nas decisões dos usuários, tanto que pessoas trocam ônibus e metrô por micromobilidade e carro.

O futuro da mobilidade é digital. Os setores público e privado vão se aproximar cada vez mais na aplicação de tecnologias exponenciais visando democratização, demonetização e dematerialização do acesso a produtos e serviços.

A concentração humana em cidades é irreversível. As oportunidades de trabalho, a mobilidade social e a construção de riqueza estão em ambientes urbanos. Os processos de migração tendem a aumentar. De acordo com a ONU, 70% da população mundial vai morar em cidades até 2050. Por isso, este é o “século urbano”. Nos próximos dez anos, surgirão seis megacidades (com mais de 10 milhões de habitantes) – Bogotá, Chennai, Luanda, Chicago, Dar es Salaam e Bagdá.

As cidades do futuro devem ser planejadas de forma sustentável, para que se tornem verdes e não cinza. Historicamente edificadas e estruturadas com os veículos motorizados no centro das decisões, surge a oportunidade de torná-las mais amigáveis, justas, ambientalmente corretas, saudáveis, e tendo a convivência como foco. A verdadeira cidade inteligente é aquela que se apropria da tecnologia para beneficiar a vida humana.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Cultura organizacional, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
23 de outubro de 2025
Alta performance não nasce do excesso - nasce do equilíbrio entre metas desafiadoras e respeito à saúde de quem entrega os resultados.

Rennan Vilar - Diretor de Pessoas e Cultura do Grupo TODOS Internacional.

4 minutos min de leitura
Uncategorized
22 de outubro de 2025
No setor de telecom, crescer sozinho tem limite - o futuro está nas parcerias que respeitam o legado e ampliam o potencial dos empreendedores locais.

Ana Flavia Martins - Diretora executiva de franquias da Algar

4 minutos min de leitura
Marketing & growth
21 de outubro de 2025
O maior risco do seu negócio pode estar no preço que você mesmo definiu. E copiar o preço do concorrente pode ser o atalho mais rápido para o prejuízo.

Alexandre Costa - Fundador do grupo Attitude Pricing (Comunidade Brasileira de Profissionais de Pricing)

5 minutos min de leitura
Bem-estar & saúde
20 de outubro de 2025
Nenhuma equipe se torna de alta performance sem segurança psicológica. Por isso, estabelecer segurança psicológica não significa evitar conflitos ou suavizar conversas difíceis, mas sim criar uma cultura em que o debate seja aberto e respeitoso.

Marília Tosetto - Diretora de Talent Management na Blip

4 minutos min de leitura
Inovação & estratégia, Marketing & growth
17 de outubro de 2025
No Brasil, quem não regionaliza a inovação está falando com o país certo na língua errada - e perdendo mercado para quem entende o jogo das parcerias.

Rafael Silva - Head de Parcerias e Alianças na Lecom

3 minutos min de leitura
Bem-estar & saúde, Tecnologia & inteligencia artificial
16 de outubro de 2025
A saúde corporativa está em colapso silencioso - e quem não usar dados para antecipar vai continuar apagando incêndios.

Murilo Wadt - Cofundador e diretor geral da HealthBit

3 minutos min de leitura
Bem-estar & saúde
15 de outubro de 2025
Cuidar da saúde mental virou pauta urgente - nas empresas, nas escolas, nas nossas casas. Em um mundo acelerado e hiperexposto, desacelerar virou ato de coragem.

Viviane Mansi - Conselheira de empresas, mentora e professora

3 minutos min de leitura
Marketing & growth
14 de outubro de 2025
Se 90% da decisão de compra acontece antes do primeiro contato, por que seu time ainda espera o cliente bater na porta?

Mari Genovez - CEO da Matchez

3 minutos min de leitura
ESG
13 de outubro de 2025
ESG não é tendência nem filantropia - é estratégia de negócios. E quando o impacto social é parte da cultura, empresas crescem junto com a sociedade.

Ana Fontes - Empreendeedora social, fundadora da Rede Mulher Empreendedora (RME) e do Instituto RME

3 minutos min de leitura
Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho, Estratégia
10 de outubro de 2025
Com mais de um século de história, a Drogaria Araujo mostra que longevidade empresarial se constrói com visão estratégica, cultura forte e design como motor de inovação.

Rodrigo Magnago

6 minutos min de leitura

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #169

TECNOLOGIAS MADE IN BRASIL

Não perdemos todos os bondes; saiba onde, como e por que temos grandes oportunidades de sucesso (se soubermos gerenciar)

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #169

TECNOLOGIAS MADE IN BRASIL

Não perdemos todos os bondes; saiba onde, como e por que temos grandes oportunidades de sucesso (se soubermos gerenciar)