Gestão de Pessoas, Estratégia e Execução, Liderança, Times e Cultura, Saúde Mental
5 min de leitura

Sua empresa pratica o carewashing?

*Carine Roos é pesquisadora de ética em inteligência artificial, direitos humanos, saúde emocional e gênero. A especialista possui mestrado em Gênero pela London School of Economics (LSE) e pós-graduação em Cultivando Equilíbrio Emocional pelo Santa Barbara Institute for Consciousness Studies. Fundadora e CEO da Newa, consultoria de impacto social especializada na criação de ambientes corporativos humanizados, éticos e psicologicamente seguros, tem como missão preparar e capacitar líderes de grandes empresas. Autora da newsletter The Hidden Politics of AI, que analisa o impacto das big techs na governança digital e nos direitos fundamentais, também é palestrante em eventos de inovação, LinkedIn Top Voice, e colunista em veículos como Você RH e HSM.

Compartilhar:

Uma empresa contrata uma palestra de gerenciamento de tempo para melhorar o bem-estar das pessoas. Durante o workshop, os participantes recebem um e-mail da liderança pedindo uma tarefa “urgente” para o dia seguinte. A organização tem uma meta clara de contratar mulheres e deixa claro nos anúncios de vagas, mas não são transparentes em relação ao plano de carreira e praticam a discriminação salarial baseada em gênero. Há denúncia de caso de assédio sexual e a liderança banaliza o ocorrido, oferece um suporte superficial para a vítima e até incentiva a lei do silêncio para não prejudicar a carreira dos envolvidos.

Essas três situações, que, infelizmente, ainda são comuns nas empresas, são exemplos de “carewashing”, um termo que se refere à prática de empresas que proclamam um compromisso com o bem-estar dos colaboradores, mas não oferecem um ambiente de trabalho saudável e de apoio de fato. Similar ao conceito de greenwashing, onde empresas exageram suas práticas ambientais para ganhar reputação, o carewashing é a propaganda enganosa sobre o cuidado com o time. Um tipo comum é o relato seletivo, em que as organizações divulgam apenas os aspectos positivos de seu impacto social, ignorando ou minimizando quaisquer comportamentos negativos.

O carewashing tem consequências prejudiciais tanto para a empresa quanto para os colaboradores. A desconexão entre a retórica e a realidade pode levar à desconfiança, desengajamento e aumento da rotatividade. Colaboradores que percebem a falta de genuinidade nos esforços da empresa tendem a se sentir desvalorizados, o que pode resultar em absenteísmo, presenteísmo e um clima de desmotivação e infelicidade.

As empresas podem recorrer ao carewashing por diversos motivos. A pressão competitiva é um fator relevante, pois, para permanecerem relevantes no mercado, as organizações sentem a necessidade de demonstrar um compromisso social, mesmo que superficial. Além disso, a pressão regulatória e a gestão da reputação também impulsionam essa prática. Muitas empresas usam o carewashing para aparentar conformidade com os requisitos de impacto social e ambiental, evitando mudanças substanciais.

Em um momento em que o bem-estar tem sido inequivocamente vinculado ao desempenho organizacional, os líderes devem fazer tudo o que estiver ao seu alcance para fornecer locais de trabalho saudáveis ​​e motivadores.

É essencial destacar o papel central das emoções como parte fundamental das políticas de cuidado com as pessoas em uma organização. As emoções moldam atitudes, comportamentos, normas e práticas no ambiente profissional. Embora já tenhamos feito algum progresso, ainda há um grande potencial a ser construído por líderes e equipes para desenvolver uma cultura de segurança psicológica saudável e produtiva.

Para se ter uma noção do efeito que uma cultura insegura psicologicamente tem para os colaboradores: a terceira edição do estudo Inteligência Emocional e Saúde Mental no Ambiente de Trabalho, realizado pela The School of Life, em parceria com a Robert Half, mapeou que para mais de 42% dos 387 colaboradores entrevistados, o ambiente tóxico é o principal fator que os faria pedir demissão. Outras razões citadas foram a falta de reconhecimento  (percepção de 13% dos respondentes), imposição do modelo 100% presencial (13%), falta de plano de carreira (8%) e de protagonismo (3%).

Para enfrentar os sentimentos negativos no ambiente de trabalho, os líderes devem abordar corajosamente uma cultura de cuidado, em vez de permitir, tolerar, recompensar ou modelar comportamentos tóxicos que contribuem para esses sentimentos. Comprometer-se com o bem-estar genuíno das pessoas requer humildade, autoconsciência, autenticidade e integridade em todos os níveis de interação.

Algumas medidas que podem ser adotadas incluem:

1) Programas de conscientização e treinamento: Implementar programas de conscientização sobre saúde mental e oferecer treinamento para identificação de sinais de estresse e saúde mental em lideranças e colaboradores.

2) Apoio para o florescimento emocional: Fornecer recursos para o desenvolvimento de lideranças humanizadas e disponibilizar serviços de apoio psicológico e ferramentas de autoconhecimento.

3) Cultura organizacional: Promover um ambiente psicologicamente saudável onde as pessoas possam compartilhar suas expectativas, dores e vulnerabilidades, e incentivar a comunicação aberta com uma escuta ativa, empática e compassiva.

4) Flexibilidade no trabalho: Oferecer opções de trabalho flexíveis a fim de equilibrar as demandas profissionais e pessoais respeitando as necessidades de cada um, e incentivar a gestão de tempo eficaz e evitar sobrecarga de tarefas que podem, lá na frente, ser a causa de burnout.

5) Políticas de licença e descanso: Garantir que as pessoas tenham acesso a licenças e períodos de descanso adequados para recuperação física e mental, além de estabelecer políticas que incentivem o uso efetivo desses benefícios.

6) Ambiente de trabalho saudável: Criar um ambiente de trabalho que promova o bem-estar com espaços dedicados para relaxamento e pausas, e incentivar práticas como pausas curtas, exercícios físicos e intervalos regulares.

7) Definir expectativas realistas: Estabelecer expectativas realistas em relação às responsabilidades, prazos e metas, e encorajar a delegação eficiente de tarefas e a construção de equipes de alta performance abandonando o modelo comando/controle.

8) Monitoramento e feedback constante: Implementar sistemas de monitoramento para identificar sinais precoces de estresse ou esgotamento, e oferecer feedback construtivo e uma política de calling in e calling out.

9) Incentivar o equilíbrio entre vida profissional e pessoal: Promover uma abordagem equilibrada entre a vida profissional e pessoal, e incentivar as pessoas a reservar tempo para atividades fora do trabalho que promovam relaxamento e diversão.

10) Avaliação regular das práticas: Realizar avaliações regulares das práticas e políticas relacionadas à saúde mental, e adaptar as estratégias com base nos feedbacks e nas demandas do ambiente de trabalho.

A construção de um ambiente de trabalho autêntico e saudável vai muito além de slogans e iniciativas superficiais. É um compromisso contínuo que exige ações concretas e alinhadas com os valores da organização. Somente quando as empresas priorizarem verdadeiramente o bem-estar de seus colaboradores e integrarem esse compromisso em sua cultura organizacional, poderão alcançar resultados sustentáveis e duradouros. O desafio para os líderes é transformar palavras em práticas efetivas, criando um legado de confiança, respeito e cuidado genuíno que inspire e motive todos os que fazem parte da jornada.

Compartilhar:

Artigos relacionados

A aposta calculada que levou o Boticário a ser premiado no iF Awards

Enquanto concorrentes correm para lançar coleções sazonais inspiradas em tendências efêmeras, o Boticário demonstra que compreende um princípio fundamental: o verdadeiro valor do design não está na estética superficial, mas em sua capacidade de gerar impacto social e econômico simultaneamente. A linha Make B., vencedora do iF Design Award 2025, não é um produto de beleza – é um manifesto estratégico.

Cultura organizacional, ESG, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
25 de agosto de 2025
Assédio é sintoma. Cultura é causa. Como ambientes de trabalho ainda normalizam comportamentos abusivos - e por que RHs, líderes e áreas jurídicas precisam deixar a neutralidade de lado e assumir o papel de agentes de transformação. Respeito não pode ser negociável!

Viviane Gago, Facilitadora em desenvolvimento humano

5 minutos min de leitura
Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho, Estratégia, Inovação & estratégia, Tecnologia e inovação
22 de agosto de 2025
Em tempos de alta complexidade, líderes precisam de mais do que planos lineares - precisam de mapas adaptativos. Conheça o framework AIMS, ferramenta prática para navegar ambientes incertos e promover mudanças sustentáveis sem sufocar a emergência dos sistemas humanos.

Manoel Pimentel - Chief Scientific Officer na The Cynefin Co. Brazil

8 minutos min de leitura
Inovação & estratégia, Finanças, Marketing & growth
21 de agosto de 2025
Em tempos de tarifas, volta de impostos e tensão global, marcas que traduzem o cenário com clareza e reforçam sua presença local saem na frente na disputa pela confiança do consumidor.

Carolina Fernandes, CEO do hub Cubo Comunicação e host do podcast A Tecla SAP do Marketês

4 minutos min de leitura
Uncategorized, Empreendedorismo, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
20 de agosto de 2025
A Geração Z está redefinindo o que significa trabalhar e empreender. Por isso é importante refletir sobre como propósito, impacto social e autonomia estão moldando novas trajetórias profissionais - e por que entender esse movimento é essencial para quem quer acompanhar o futuro do trabalho.

Ana Fontes

4 minutos min de leitura
Inteligência artificial e gestão, Transformação Digital, Cultura organizacional, Inovação & estratégia
18 de agosto de 2025
O futuro chegou - e está sendo conversado. Como a conversa, uma das tecnologias mais antigas da humanidade, está se reinventando como interface inteligente, inclusiva e estratégica. Enquanto algumas marcas ainda decidem se vão aderir, os consumidores já estão falando. Literalmente.

Bruno Pedra, Gerente de estratégia de marca na Blip

3 minutos min de leitura
Cultura organizacional, Estratégia, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
15 de agosto de 2025
Relatórios de tendências ajudam, mas não explicam tudo. Por exemplo, quando o assunto é comportamento jovem, não dá pra confiar só em categorias genéricas - como “Geração Z”. Por isso, vale refletir sobre como o fetiche geracional pode distorcer decisões estratégicas - e por que entender contextos reais é o que realmente gera valor.

Carol Zatorre, sócia e CO-CEO da Kyvo. Antropóloga e coordenadora regional do Epic Latin America

4 minutos min de leitura
Liderança, Bem-estar & saúde, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
14 de agosto de 2025
Como a prática da meditação transformou minha forma de viver e liderar

Por José Augusto Moura, CEO da brsa

5 minutos min de leitura
Cultura organizacional, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
14 de agosto de 2025
Ainda estamos contratando pessoas com deficiência da mesma forma que há décadas - e isso precisa mudar. Inclusão começa no processo seletivo, e ignorar essa etapa é excluir talentos. Ações afirmativas e comunicação acessível podem transformar sua empresa em um espaço realmente inclusivo.

Por Carolina Ignarra, CEO da Talento Incluir e Larissa Alves, Coordenadora de Empregabilidade da Talento Incluir

5 minutos min de leitura
Saúde mental, Gestão de pessoas, Estratégia
13 de agosto de 2025
Lideranças que ainda tratam o tema como secundário estão perdendo talentos, produtividade e reputação.

Tatiana Pimenta, CEO da Vittude

2 minutos min de leitura
Gestão de Pessoas, Carreira, Desenvolvimento pessoal, Estratégia
12 de agosto de 2025
O novo desenho do trabalho para organizações que buscam sustentabilidade, agilidade e inclusão geracional

Cris Sabbag - Sócia, COO e Principal Research da Talento Sênior

5 minutos min de leitura