Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho, Estratégia, Inovação & estratégia, Tecnologia e inovação
8 minutos min de leitura

Transformando complexidade em terreno navegável com o framework AIMS

Em tempos de alta complexidade, líderes precisam de mais do que planos lineares - precisam de mapas adaptativos. Conheça o framework AIMS, ferramenta prática para navegar ambientes incertos e promover mudanças sustentáveis sem sufocar a emergência dos sistemas humanos.
É Chief Scientific Officer na The Cynefin Co. Brazil e possui uma trajetória de pioneirismo com agilidade e complexidade. Teve trabalhos de grande destaque envolvendo a disciplina Agile Coaching, como a publicação do livro The Agile Coaching DNA, e introduzindo o conceito de plasticidade organizacional para comunidades e organizações. Na Austrália, esteve envolvido em iniciativas de transformação nas áreas financeira e de segurança civil, onde utilizou complexidade aplicada como base do seu trabalho. Mais recentemente foi Diretor de Business Agility para Americas da consultoria alemã GFT.

Compartilhar:

No ambiente contemporâneo de gestão, marcado por volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade, líderes precisam de abordagens práticas que lhes permitam agir sem destruir a possibilidade de emergência. Isto é, intervir de forma a possibilitar respostas adaptativas e sustentáveis quando causas e efeitos não são lineares nem previsíveis. O framework AIMS (Actants, Interactions, Monitors, Scaffolding), desenvolvido por Dave Snowden com base na ciência da complexidade e proposto como parte do ecossistema de práticas associadas ao Cynefin, tem sido utilizado em escala global exatamente com esse propósito, ou seja, ele facilita a identificação daquilo que é gerenciável em um contexto complexo e oferece um mapa de intervenção que respeite a natureza emergente dos sistemas humanos e sociotécnicos.

O que é o AIMS?

O AIMS é um framework utilizado para apoiar organizações na identificação e ativação de alavancas de mudança de alto impacto em contextos complexos. Sua função central é permitir que líderes compreendam rapidamente quais elementos, tangíveis e intangíveis, influenciam o comportamento organizacional e como intervir de forma prática para gerar resultados mensuráveis sem depender de longos ciclos de transformação. Ao focar em quatro dimensões, o AIMS oferece um método estruturado para mapear recursos e atores relevantes, otimizar fluxos de colaboração, criar mecanismos de monitoramento adaptativos e sustentar mudanças por meio de estruturas de apoio já legitimadas nas organizações. Na prática, ele serve como um guia para navegar desafios como falta de alinhamento estratégico, redundâncias operacionais, ineficiências de comunicação e baixa agilidade na entrega de novos produtos ou serviços.

O framework AIMS é composto por quatro dimensões. São elas:

Actants (Actantes) – São os componentes heterogêneos que têm capacidade de agir ou de mediar ação em um sistema social. No âmbito de uma jornada de transformação, actantes podem ser atores internos e externos, papéis, combinação de papéis, áreas, departamentos, fornecedores, clientes, competidores, mecanismos regulatórios, rotinas de trabalho e, mesmo objetos físicos (um equipamento, uma determinada tecnologia, um símbolo, um documento). Identificar actants é o primeiro passo porque eles representam as alavancas possíveis de intervenção. Isso reforça o fato de que não é possível controlar o sistema como um todo, mas é possível intervir nos actants que compõem o tecido relacional do sistema.

Interactions (Interações) – Em sistemas complexos a transformação frequentemente vem de mudanças nas interações entre os actantes e, não de ações diretas sobre crenças, valores e comportamentos dos indivíduos. Interações, dentre várias coisas, incluem tipicamente fluxos de informação, processos de coordenação, padrões de comunicação, incentivos transacionais e rotinas organizacionais. O esforço prático recomendado pelo AIMS é projetar e testar alterações nas interações, ao invés de buscar mudar indivíduos. Por exemplo, alterar quem informa quem, introduzir rituais de sincronização interdepartamental, mudar canais de distribuição de dados.

Monitors (Monitores) – Em contextos complexos, a detecção precoce de sinais fracos é essencial para permitir amplificação de iniciativas promissoras ou contenção de efeitos indesejados. Monitores podem ser indicadores operacionais, redes humanas-sensoriais, pesquisas rápidas de opinião, ou ferramentas de coleta narrativa em larga escala (por exemplo, o processo sense-making descrito no ecossistema do Cynefin). A função do monitor é oferecer visibilidade sobre efeitos emergentes, reconhecer trajetórias de mudança e permitir intervenções adaptativas.

Scaffolding (Estruturas de sustentação) – Scaffolding refere-se às estruturas, regras e artefatos institucionais que formam o “esqueleto” em torno do qual a auto-organização acontece. Dessa forma, elementos como guias, políticas, contratos, layouts físicos, hierarquias, estrutura de times, papéis, práticas e incentivos são típicas estruturas de apoio nas jornadas de mudança. O propósito no uso de scaffolding é identificar quais estruturas podem ser moduladas, não necessariamente removidas, para criar espaço para as interações desejadas. Scaffolding eficaz equilibra direção e autonomia pois fornece limites e recursos sem sufocar a emergência dos sistemas sociais. Essas estruturas de apoio também podem ser temporárias em alguns processos de transformação. Isso faz com que muitos os scaffolds sejam gradualmente removidos na medida que as mudanças começam ser melhor absorvidas pelas organizações.

Quais as motivações para adotar AIMS para transformações organizacionais

Em primeiro lugar, o AIMS desloca o foco do intento de “mudar mindsets”, que é demorado, eticamente problemático e frequentemente ineficaz em larga escala, para a identificação de alavancas tangíveis que podem ser redesenhadas (actants e interações) e observadas (monitores). Transformações que visam “mudar mentalidades” apresentam problemas de eficácia e de legitimidade, enquanto o manejo intencional e gerenciado de actants e interações oferece caminhos mais práticos e naturais.

Em segundo lugar, o framework AIMS fornece um arcabouço prático para executar intervenções de curto e médio prazo sem perder de vista a capacidade adaptativa do sistema, isto é, combinar experimentação controlada com coleta de sinais para aprender rapidamente.

Além disso, o AIMS está integrado ao conjunto de práticas do ecossistema Cynefin que já demonstraram valor em áreas como formulação de estratégias, inovação, tomada de decisão, gestão de crises e, design de programas de transformação, o que confere legitimidade para líderes que buscam ferramentas testadas em ambientes públicos e privados.

Um exemplo prático de aplicação

Uma instituição financeira enfrentava um cenário de crescente pressão competitiva e insatisfação interna, motivado por problemas estruturais e de governança que comprometiam sua capacidade de inovar. Havia clara falta de colaboração entre áreas, sobreposição de atividades e estruturas redundantes, desalinhamento persistente de objetivos estratégicos e operacionais, além de um tempo excessivamente longo para lançar novos produtos digitais. Esses fatores não apenas atrasavam a resposta ao mercado, mas também geravam custos elevados e desgaste nas equipes. Diante disso, a liderança do processo de transformação optou por adotar o framework AIMS como uma abordagem pragmática para identificar alavancas de ação imediata e reconfigurar dinâmicas organizacionais sem recorrer a um programa de transformação massivo e demorado.

O mapeamento de actants revelou que, embora a organização possuísse recursos tecnológicos relevantes e equipes qualificadas, a arquitetura de decisão e os sistemas de integração entre áreas estavam fragmentados. Ficou claro que substituir sistemas centrais não era viável no curto prazo, mas que a criação de APIs e protocolos compartilhados poderia reduzir a redundância e acelerar fluxos críticos de trabalho. A análise de interações expôs gargalos nos pontos de passagem de informação e ambiguidades na definição de responsabilidades, o que levou à criação de um núcleo multidisciplinar de coordenação contínua e à implementação de rotinas conjuntas entre áreas de produto, tecnologia e compliance, eliminando etapas duplicadas. A introdução de monitores, combinando indicadores quantitativos e feedback qualitativo das equipes, permitiu detectar rapidamente atrasos ou falhas de alinhamento, gerando ajustes quase imediatos na evolução das iniciativas. Por fim, a abordagem de scaffolding  foi desenhada aproveitando estruturas já legitimadas pela governança corporativa, utilizando canais e fóruns existentes para garantir adesão sem gerar resistência excessiva.

Os resultados foram marcantes nessa instituição pois houve redução drástica nas redundâncias processuais, melhoria perceptível na colaboração interdepartamental, alinhamento mais consistente entre objetivos estratégicos e operacionais e encurtamento significativo do ciclo de lançamento de produtos digitais. Entre os aprendizados mais relevantes destacaram-se a importância de agir sobre as interações antes de tentar mudar estruturas formais, o valor de combinar métricas e percepções para corrigir rotas em tempo quase real e a eficácia de aproveitar suportes institucionais já existentes para dar tração às mudanças.

Como implementar AIMS em cinco passos práticos para líderes e agentes de transformação

O AIMS é um framework versátil que pode ser usado em uma grande variedade de cenários. Tipicamente, os passos para sua utilização são os descritos abaixo:

  1. Mapear o ecossistema de actants – Faça um levantamento plural no contexto organizacional. Identifique elementos humanos,  sociais, tecnológicos, ambientais, políticos e infraestruturais que possuem poder de ação e influência no sistema organizacional. Use workshops interdisciplinares para capturar actants visíveis e actants escondidos (aqueles cujos efeitos são fortes, mas pouco percebidos).
  2. Diagnosticar interações críticas – Identifique onde as trocas de informação, poder e recurso fomentam ou bloqueiam resultados desejados. Como recomendação geral, priorize interações de maior efeito multiplicador.
  3. Projetar intervenções experimentais – Selecione pequenos pontos de alavanca (mudanças nas interações, substituição/adição de actants) e desenhe experimentos com hipóteses claras e limites de segurança.
  4. Habilite monitores e redes de sensoriamento – Combine métricas operacionais, coleta narrativa e redes humanas de observadores para captar sinais fracos e anomalias. Métodos como sense-making são exemplos de aplicações para coleta e análise em larga escala no ecossistema Cynefin.
  5. Rever e modular o scaffolding  – Ajuste políticas, incentivos e estruturas de governança para permitir que as interações emergentes floresçam dentro de limites desejáveis. Monitore, documente e institucionalize aprendizados que mereçam escala através do próprio uso de scaffolds na organização.


Conclusão sobre o impacto transformacional do AIMS

A experiência prática mostra que o AIMS oferece aos líderes um paradigma efetivo de ação.  Em vez de lutar para impor mudança total ou depender apenas de planos rígidos, o AIMS permite identificar onde intervir, como observar efeitos iniciais e como sustentar aprendizados por meio de estruturas inteligentes. Em contextos nos quais causas e efeitos são distribuídas e emergentes, AIMS transforma incerteza em terreno administrável, sem sacrificar a adaptabilidade do sistema. Para líderes que precisam agir hoje e aprender rápido amanhã, o AIMS é uma adição operacional ao repertório de governança complexa, não um substituto das responsabilidades gerenciais e estratégicas de líderes, mas um guia prático para agir com precisão e prudência em ambientes onde o resultado mais provável decorre de interações orgânicas nos tecidos sociais das empresas.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Transformando complexidade em terreno navegável com o framework AIMS

Em tempos de alta complexidade, líderes precisam de mais do que planos lineares – precisam de mapas adaptativos. Conheça o framework AIMS, ferramenta prática para navegar ambientes incertos e promover mudanças sustentáveis sem sufocar a emergência dos sistemas humanos.

O que move as mulheres da Geração Z a empreender?

A Geração Z está redefinindo o que significa trabalhar e empreender. Por isso é importante refletir sobre como propósito, impacto social e autonomia estão moldando novas trajetórias profissionais – e por que entender esse movimento é essencial para quem quer acompanhar o futuro do trabalho.

O fim dos chatbots? O próximo passo no futuro conversacional 

O futuro chegou – e está sendo conversado. Como a conversa, uma das tecnologias mais antigas da humanidade, está se reinventando como interface inteligente, inclusiva e estratégica. Enquanto algumas marcas ainda decidem se vão aderir, os consumidores já estão falando. Literalmente.

Como o fetiche geracional domina a agenda dos relatórios de tendência

Relatórios de tendências ajudam, mas não explicam tudo. Por exemplo, quando o assunto é comportamento jovem, não dá pra confiar só em categorias genéricas – como “Geração Z”. Por isso, vale refletir sobre como o fetiche geracional pode distorcer decisões estratégicas – e por que entender contextos reais é o que realmente gera valor.

Tecnologias exponenciais
Se seu atendimento não é 24/7, personalizado e instantâneo, você já está perdendo cliente para quem investiu em automação. O tempo de resposta agora é o novo preço da fidelização

Edson Alves

4 min de leitura
Inovação
Enquanto você lê mais um relatório de tendências, seus concorrentes estão errando rápido, abolindo burocracias e contratando por habilidades. Não é só questão de currículos. Essa é a nova guerra pela inovação.

Alexandre Waclawovsky

8 min de leitura
Tecnologias exponenciais
A aplicação da inteligência artificial e um novo posicionamento da liderança tornam-se primordiais para uma gestão lean de portfólio

Renata Moreno

4 min de leitura
Finanças
Taxas de juros altas, inovação subfinanciada: o mapa para captar recursos em melhorias que já fazem parte do seu DNA operacional, mas nunca foram formalizadas como inovação.

Eline Casasola

5 min de leitura
Empreendedorismo
Contratar um Chief of Staff pode ser a solução que sua empresa precisa para ganhar agilidade e melhorar a governança

Carolina Santos Laboissiere

7 min de leitura
ESG
Quando 84% dos profissionais com deficiência relatam saúde mental afetada no trabalho, a nova NR-1 chega para transformar obrigação legal em oportunidade estratégica. Inclusão real nunca foi tão urgente

Carolina Ignarra

4 min de leitura
ESG
Brasil é o 2º no ranking mundial de burnout e 472 mil licenças em 2024 revelam a epidemia silenciosa que também atinge gestores.
5 min de leitura
Inovação
7 anos depois da reforma trabalhista, empresas ainda não entenderam: flexibilidade legal não basta quando a gestão continua presa ao relógio do século XIX. O resultado? Quiet quitting, burnout e talentos 45+ migrando para o modelo Talent as a Service

Juliana Ramalho

4 min de leitura
ESG
Brasil é o 4º país com mais crises de saúde mental no mundo e 500 mil afastamentos em 2023. As empresas que ignoram esse tsunami pagarão o preço em produtividade e talentos.

Nayara Teixeira

5 min de leitura
Tecnologias exponenciais
Empresas que integram IA preditiva e machine learning ao SAP reduzem custos operacionais em até 30% e antecipam crises em 80% dos casos.

Marcelo Korn

7 min de leitura