Preparar RH e gestores para a inclusão é importante, mas não suficiente. Se as equipes que convivem com pessoas com deficiência não são orientadas, o capacitismo se torna parte da rotina. Não por acaso, 62% das situações de preconceito partem de colegas diretos e 54% sinalizam que isso acontece por meio de profissionais de outras áreas, segundo a pesquisa “Radar da Inclusão: mapeando a empregabilidade da pessoa com deficiência”*. O que isso mostra? Que sem letramento coletivo e contínuo não existe ambiente seguro nem inclusão real, pois ela só acontece quando o investimento chega a todos os níveis da organização.
Além disso, 9 em cada 10 profissionais com deficiência que estão no mercado de trabalho afirmam ter sofrido capacitismo no ambiente de trabalho. Se a sua empresa não mede esse indicador, não acompanha a jornada de carreira das pessoas com deficiência, não promove um ambiente seguro para denunciar o capacitismo e não investe em letramento para explicar o que ele é, provavelmente esses dados também estão se repetindo aí dentro. Esse letramento deve alcançar a maioria das pessoas das empresas e não apenas as pessoas que já são aliadas do tema e que são, geralmente, as que participam das palestras propostas.
Na prática, o que percebo é que muitas empresas seguem à risca um verdadeiro manual de como excluir pessoas com deficiência, mesmo acreditando que estão fazendo inclusão. E é aqui que entram os erros mais comuns – atitudes que não são detalhes, mas barreiras que comprometem carreira, saúde mental e a imagem da própria empresa. São elas:
1. Contratar só para cumprir a Lei de Cotas.
Transformar a contratação em checklist legal e parar por aí é excluir. Sem desenvolvimento, sem inclusão de verdade, a empresa apenas ocupa uma vaga — não oportuniza chances de crescimento.
Dica: defina metas de evolução de carreira para PcD e acompanhe indicadores de movimentação, não só de contratação.
2. Confinar PcDs em cargos operacionais.
Abrir a porta de entrada e trancar o elevador de carreira é dizer: “aqui você pode estar, mas não pode crescer”. Isso não é oportunidade, é exclusão disfarçada.
Dica: crie programas de aceleração de talentos com deficiência e inclua PcD no pipeline de liderança.
3. Ignorar a jornada de carreira
Não medir promoções, movimentações e aumentos de salário é ignorar práticas de desigualdade. Quem não acompanha indicadores reproduz os piores números do mercado — e mantém a exclusão funcionando em silêncio.
Dica: monitore KPIs de promoção, turnover e remuneração de profissionais com deficiência e compare com os demais grupos da empresa.
4. Silenciar sobre capacitismo
Não falar sobre o tema em treinamentos, rodas de conversa e integração é naturalizar o preconceito. O silêncio institucional é a forma mais eficaz de perpetuar o problema.
Dica: insira o tema “capacitismo” em todas as iniciativas de DE&I e garanta letramento contínuo para líderes, profissionais com deficiência e equipes.
5. Tolerar “piadinhas” e microagressões
Tratar ofensas como brincadeira ou fingir que não ouviu permite reforço de estereótipos. Quando não há responsabilização, o capacitismo vira parte da cultura da empresa.
Dica: estabeleça políticas claras contra capacitismo, com responsabilização de líderes e colaboradores, e comunique as consequências.
6. Negar segurança psicológica
Sem canais de denúncia acessíveis e confiança de resposta, a vítima de capacitismo se cala — e a empresa se torna cúmplice. Falta de segurança não é omissão, é exclusão ativa.
Dica: crie canais acessíveis e anônimos para denúncia, garanta retorno ágil e acolhimento e dê visibilidade às ações tomadas.
7. Reduzir inclusão a ações pontuais
Fazer campanha em datas simbólicas e desaparecer no resto do ano é marketing. Inclusão real é estratégia contínua: legal, humana e de negócio.
Dica: construa um plano estratégico anual de inclusão com metas, cronograma e budget, e avalie o impacto de cada ação.
Incluir é garantir acesso, oportunidade de carreira e ambiente seguro para que pessoas com deficiência possam trabalhar com dignidade e desenvolver seu potencial. Inclusão é estratégia de negócio, obrigação legal e, acima de tudo, uma atitude humana – porque é o certo a se fazer.
A inclusão precisa ser o que direciona os indicadores da sua empresa – e não o capacitismo. São as metas, os relatórios e os resultados que vão mostrar se a prática é real ou apenas discurso.
E essa responsabilidade tem endereço certo: começa no board e na alta gestão, que decidem prioridades e investimentos, e se concretiza na atuação de cada gestor que lidera profissionais com deficiência. Ambos têm a mesma escolha: deixar que a exclusão continue ditando as regras ou assumir a liderança da mudança.
*Pesquisa “Radar da Inclusão: mapeando a empregabilidade de Pessoas com Deficiência” realizada em parceria da Talento Incluir, Instituto Locomotiva, Pacto Global e a iO Diversidade, realizada em nível nacional, com 1.230 pessoascom 18 anos ou mais, que se declararam com deficiência ou neurodivergência.




