Assunto pessoal

Por que ando com medo das imagens

Nosso consumo de fotografias pode ser tão importante quanto o de alimentos. Em nome da sua saúde, conscientize-se disso

Compartilhar:

Eu nunca pensei que teria medo de imagens. Mas tenho. Quer um exemplo? Um presidente da República aparece repetidamente durante uma pandemia sem usar máscara ou usando-a de maneira errada. A narrativa que os cidadãos vão absorvendo é de que a pandemia não é real e o questionamento subsequente é “Então por que eu devo usar máscara?”.

Tome outro exemplo, também vindo da política: um candidato a presidente promete em sua campanha construir um muro para separar seu país da nação vizinha e impedir a entrada de imigrantes. Um muro, um artefato simples usado para dividir, foi a imagem que ele gravou na mente dos eleitores, dividindo as coisas em dois lados, remetendo a uma linha de pensamento mais simples, binária. E influenciando o resultado de uma eleição.

Imagens nunca existem por acaso. São narrativas, transmitidas na forma de estereótipos e expressões populares – e, por ora, mostram-se maiores do que outras formas de narrativa, incluindo a política tradicional.

Imagens não são apenas estéticas; são também éticas. Como disse o filósofo Ludwig Wittgenstein (1889-1951), “ética e estética são uma coisa só”, porque ambas têm a ver com valores. Imagens simbolizam, portanto, ética, valores e narrativas. E, à medida que encapsulam essas três coisas, influenciam e podem mudar a maneira como pensamos, certo?

Isso não vale somente para imagens de escala pública, ou notícias, como as que mencionei. Eu admito que começo meus dias absorvendo as histórias que me contam as imagens do aplicativo Instagram no smartphone. Pouco depois de acordar, fico olhando para as atualizações em busca de novidades visuais.
Experimente dar uma espiada no Instagram de seus amigos e refletir: qual é a história que estão contando? Qual é sua ética? Seus valores? A repetição de imagens reforça a história.

Uma amiga, professora de ioga, costuma postar imagens ao ar livre, com muita luz, pedras, plantas. Sua narrativa é a de conectar-se com a natureza; seus valores são ter uma mente leve e sentir-se em paz. Outro amigo, executivo, posta imagens sobre viagens de negócios, festas e drinks em bares. Ou carinhas sorridentes usando óculos de sol. Sua narrativa diz respeito a um estilo de vida específico. Seu valor é: “Trabalhe muito e divirta-se intensamente”. Você acha que esses valores e essa narrativa poderiam ser expressos de modo tão claro sem ser por imagens?

## Tudo bem, mas existe um porém
Quando uma história inteira é condensada em uma imagem, há edição. Escolhe-se focar um objeto em detrimento de outro, escolhe-se determinado ângulo. Você pode até usar o Photoshop, adicionar filtros, deletar parte das informações. E não se trata necessariamente de querer enganar os outros. Como explicaram Yuval Harari e Bill Gates num podcast, as histórias de ficção não são verdadeiras, mas também não são mentiras no sentido em que as pessoas acreditam nelas. Imagens são parecidas: são narrativas, em boa parte ficcionais, nas quais as pessoas creem como se fosse verdade.

Nossos cérebros ainda não estão treinados para identificar o que é ou não é ficção. E é aí que estou ficando com medo de imagens. Como a tecnologia e as conexões alavancam a repetição, as fotografias são cada vez mais poderosas. Adorei a explicação de Milan Kundera: “A realidade era mais forte que a ideologia. E é justamente nesse sentido que a imagologia a superou: a imagologia é mais forte que a realidade”. Imagologia, como ensina Joep Leerssen, é a construção cultural e a representação literária dos personagens nacionais. Hoje em dia estamos construindo essas identidades e personalidades no cidadão comum. Vivemos a era da imagologia.

Precisamos treinar nossos cérebros. Está na hora de aprendermos a consumir imagens como consumimos alimentos, entendendo o que é uma imagem nutritiva e o que é uma pobre em nutrientes. Imagens com valores nutritivos baixos ou nocivos podem nos levar a vieses cognitivos e, pior, a uma falsa percepção de como o mundo é. Ou a uma falsa percepção de como você deveria se sentir sobre si mesmo. Para você manter a saúde, sua ingestão de imagens pode ser tão importante quanto a sua ingestão de alimentos.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Homo confusus no trabalho: Liderança, negociação e comunicação em tempos de incerteza

Em um mundo sem mapas claros, o profissional do século 21 não precisa ter todas as respostas – mas sim coragem para sustentar as perguntas certas.
Neste artigo, exploramos o surgimento do homo confusus, o novo ser humano do trabalho, e como habilidades como liderança, negociação e comunicação intercultural se tornam condições de sobrevivência em tempos de ambiguidade, sobrecarga informacional e transformações profundas nas relações profissionais.

Liderança, Bem-estar & saúde, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
14 de agosto de 2025
Como a prática da meditação transformou minha forma de viver e liderar

Por José Augusto Moura, CEO da brsa

5 minutos min de leitura
Cultura organizacional, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
14 de agosto de 2025
Ainda estamos contratando pessoas com deficiência da mesma forma que há décadas - e isso precisa mudar. Inclusão começa no processo seletivo, e ignorar essa etapa é excluir talentos. Ações afirmativas e comunicação acessível podem transformar sua empresa em um espaço realmente inclusivo.

Por Carolina Ignarra, CEO da Talento Incluir e Larissa Alves, Coordenadora de Empregabilidade da Talento Incluir

5 minutos min de leitura
Saúde mental, Gestão de pessoas, Estratégia
13 de agosto de 2025
Lideranças que ainda tratam o tema como secundário estão perdendo talentos, produtividade e reputação.

Tatiana Pimenta, CEO da Vittude

2 minutos min de leitura
Gestão de Pessoas, Carreira, Desenvolvimento pessoal, Estratégia
12 de agosto de 2025
O novo desenho do trabalho para organizações que buscam sustentabilidade, agilidade e inclusão geracional

Cris Sabbag - Sócia, COO e Principal Research da Talento Sênior

5 minutos min de leitura
Liderança, Gestão de Pessoas, Lifelong learning
11 de agosto de 2025
Liderar hoje exige mais do que estratégia - exige repertório. É preciso parar e refletir sobre o novo papel das lideranças em um mundo diverso, veloz e hiperconectado. O que você tem feito para acompanhar essa transformação?

Bruno Padredi

3 minutos min de leitura
Diversidade, Estratégia, Gestão de Pessoas
8 de agosto de 2025
Já parou pra pensar se a diversidade na sua empresa é prática ou só discurso? Ser uma empresa plural é mais do que levantar a bandeira da representatividade - é estratégia para inovar, crescer e transformar.

Natalia Ubilla

5 minutos min de leitura
ESG, Cultura organizacional, Inovação
6 de agosto de 2025
Inovar exige enxergar além do óbvio - e é aí que a diversidade se torna protagonista. A B&Partners.co transformou esse conceito em estratégia, conectando inclusão, cultura organizacional e metas globais e impactou 17 empresas da network!

Dilma Campos, Gisele Rosa e Gustavo Alonso Pereira

9 minutos min de leitura
Cultura organizacional, ESG, Gestão de pessoas, Liderança, Marketing
5 de agosto de 2025
No mundo corporativo, reputação se constrói com narrativas, mas se sustenta com integridade real - e é justamente aí que muitas empresas tropeçam. É o momento de encarar os dilemas éticos que atravessam culturas organizacionais, revelando os riscos de valores líquidos e o custo invisível da incoerência entre discurso e prática.

Cristiano Zanetta

6 minutos min de leitura
Inteligência artificial e gestão, Estratégia e Execução, Transformação Digital, Gestão de pessoas
29 de julho de 2025
Adotar IA deixou de ser uma aposta e se tornou urgência competitiva - mas transformar intenção em prática exige bem mais do que ambição.

Vitor Maciel

3 minutos min de leitura
Carreira, Aprendizado, Desenvolvimento pessoal, Lifelong learning, Pessoas, Sociedade
27 de julho de 2025
"Tudo parecia perfeito… até que deixou de ser."

Lilian Cruz

5 minutos min de leitura

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #169

TECNOLOGIAS MADE IN BRASIL

Não perdemos todos os bondes; saiba onde, como e por que temos grandes oportunidades de sucesso (se soubermos gerenciar)

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #169

TECNOLOGIAS MADE IN BRASIL

Não perdemos todos os bondes; saiba onde, como e por que temos grandes oportunidades de sucesso (se soubermos gerenciar)