Cultura organizacional, ESG, Gestão de pessoas, Liderança, Marketing
6 minutos min de leitura

Reputação sólida, ética líquida: o desafio da integridade no mundo corporativo

No mundo corporativo, reputação se constrói com narrativas, mas se sustenta com integridade real - e é justamente aí que muitas empresas tropeçam. É o momento de encarar os dilemas éticos que atravessam culturas organizacionais, revelando os riscos de valores líquidos e o custo invisível da incoerência entre discurso e prática.
Cristiano Zanetta é empresário, palestrante TED e referência nacional em humanização. Autor de "A Ciência do Batman", atua há mais de duas décadas em projetos sociais voltados à saúde, reconhecidos por instituições como a Warner Bros., Exército de SC e Federação Brasileira de Hospitais. Sua trajetória inspiradora será retratada no filme "O Homem por Trás da Máscara". Também é professor na USF, onde leciona a disciplina de Cuidado Humano.

Compartilhar:

Vivemos em uma era em que marcas constroem reputações com base em narrativas cuidadosamente planejadas – mas nem sempre sustentadas por práticas compatíveis. A ética, embora frequentemente apresentada como um valor inegociável, tem se mostrado, na prática, moldável às circunstâncias: volátil, adaptável e, justamente por isso, vulnerável.

Nesse cenário, o discurso corporativo sobre integridade ganha visibilidade: códigos de conduta são criados, programas de compliance implementados e declarações sobre valores éticos ocupam lugar de destaque em conferências e relatórios anuais. Contudo, quando esses compromissos não se traduzem em comportamentos concretos e consistentes, instala-se um descompasso entre o que se diz e o que se faz.

Esse desalinhamento fragiliza a confiança nas organizações e abre espaço para uma crise silenciosa – e profundamente corrosiva – de integridade. Afinal, a reputação pode até ser construída por boas narrativas, mas é sustentada, de fato, pela coerência entre discurso e prática.

A forma como as lideranças enfrentam dilemas éticos, por exemplo, é o principal termômetro da solidez cultural de uma organização. Uma pesquisa divulgada em maio de 2024, conduzida pelo Talenses Group em parceria com o Insper e a consultoria Think Eva, revelou que a decisão de encaminhar denúncias de assédio sexual ao setor responsável ainda depende da percepção de gravidade por parte dos gestores.

O estudo, que ouviu 283 líderes de diferentes setores, evidencia um padrão preocupante: a atuação ética das lideranças varia conforme a leitura subjetiva do caso e o ambiente cultural da empresa. 

Ou seja, quando a ética não é um princípio enraizado, ela se torna instável e, com frequência, relativizada.

A fragilidade da ética de fachada

Quando não é vivida no cotidiano, mas apenas exibida como peça de comunicação, essa ética facilmente se dobra à conveniência. Torna-se um artefato de marketing: visualmente atraente, mas vazio de substância. Esse fenômeno conecta-se diretamente ao conceito de modernidade líquida, cunhado por Zygmunt Bauman, que descreve uma sociedade em que valores, relações e estruturas se tornam instáveis e maleáveis. 

No ambiente corporativo, essa liquidez ética se traduz em códigos de conduta decorativos, discursos performáticos e respostas evasivas diante de dilemas reais. 

Essa ética falha quando lideranças optam pelo silêncio diante de questões morais. Falha quando metas agressivas atropelam o respeito às pessoas. E falha, sobretudo, quando uma crise escancara incoerências e a reação da organização é negar, ocultar ou maquiar os fatos – em vez de reconhecê-los com responsabilidade e coragem.

O caso Smart Fit e a ausência de empatia

Na era da hiperconexão, a reputação de uma empresa depende menos do que ela afirma ser – e mais do que o público percebe. O caso envolvendo a Smart Fit, em junho de 2025, escancarou os riscos de uma integridade que não se manifesta com clareza nos momentos críticos.

A morte de Reina Sabas, de 39 anos, durante um exercício em uma unidade na Cidade do México, causou comoção não apenas pela tragédia em si, mas pela maneira como a empresa respondeu ao ocorrido. Imagens divulgadas mostram profissionais tentando remover o corpo da vítima – em vez de preservar o local para a perícia. 

Mesmo com a investigação ainda em andamento, a narrativa pública se consolidou rapidamente: a de uma empresa mais preocupada com a própria imagem do que com seus princípios. A ruptura entre expectativa e conduta escancarou a fragilidade de uma reputação baseada apenas no discurso.

Os bastidores do Hospital das Clínicas de Teresópolis (RJ)

Imagens de um encontro íntimo entre servidores do Hospital das Clínicas de Teresópolis (RJ), registradas durante um plantão noturno, vieram a público e causaram ampla indignação. O episódio, que rapidamente ganhou repercussão nas redes sociais e recebeu apelidos polêmicos, escancarou uma preocupante desconexão entre a missão institucional do hospital e a conduta de parte de sua equipe durante o expediente.

Em contextos de alta vulnerabilidade social, qualquer desvio ético – ainda que pontual – compromete não só a imagem externa da instituição, mas corrói a confiança interna, abala o comprometimento das equipes e enfraquece o senso de propósito coletivo. A integridade, nesse cenário, deixa de ser apenas um valor simbólico e passa a ser o eixo central da legitimidade institucional.

Ética como estrutura, não ornamento

A superficialidade ética não gera apenas danos reputacionais – ela compromete o dia a dia das relações internas e corrói, silenciosamente, a cultura organizacional. A 4ª edição do estudo Perfil do Hotline no Brasil 2024, da KPMG, revela um cenário preocupante: 45% das empresas registraram um aumento de 28% nas denúncias feitas por seus canais internos.

O assédio moral lidera entre os casos com indícios de veracidade, representando 40% das denúncias parcialmente procedentes. Além disso, 26% das ocorrências confirmaram o descumprimento total de políticas internas. Ou seja, mesmo com códigos, discursos e programas de compliance em vigor, a ética corporativa segue falhando – não por ausência de formalização, mas por falta de enraizamento prático.

É urgente que as organizações deixem de tratar a ética como um acessório, ligado à imagem, e passem a entendê-la como alicerce da cultura institucional. Ética não deve ser uma cláusula de manual – mas um projeto de engenharia cultural: contínuo, profundo e estrutural, onde os valores são cultivados, sistematizados e aplicados de forma coerente no cotidiano.

Esse compromisso exige método, constância, vigilância e, sobretudo, liderança pelo exemplo. Significa transformar códigos de conduta em ferramentas vivas, acessíveis e aplicáveis. Significa criar ambientes onde dilemas possam ser discutidos com maturidade, e onde haja espaço seguro para denúncias – com escuta, proteção e resposta efetiva.

Iniciativas bem-sucedidas já apontam caminhos possíveis. Empresas como Patagonia e Natura têm investido em comitês de integridade, canais de escuta ativa com retorno público e treinamentos baseados em dilemas reais – onde o foco está menos na punição e mais na qualidade da decisão ética.

O futuro pertence às organizações que compreendem que a ética não é um freio, mas o motor da legitimidade. Empresas que colocam a integridade no centro das escolhas constroem vínculos duradouros – com seus públicos, com a sociedade e com seu próprio propósito. Porque, no fim, ética corporativa não se resume a parecer correta. Trata-se de ser. Visivelmente. Diariamente. Incontestavelmente.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Uncategorized
22 de outubro de 2025
No setor de telecom, crescer sozinho tem limite - o futuro está nas parcerias que respeitam o legado e ampliam o potencial dos empreendedores locais.

Ana Flavia Martins - Diretora executiva de franquias da Algar

4 minutos min de leitura
Marketing & growth
21 de outubro de 2025
O maior risco do seu negócio pode estar no preço que você mesmo definiu. E copiar o preço do concorrente pode ser o atalho mais rápido para o prejuízo.

Alexandre Costa - Fundador do grupo Attitude Pricing (Comunidade Brasileira de Profissionais de Pricing)

5 minutos min de leitura
Bem-estar & saúde
20 de outubro de 2025
Nenhuma equipe se torna de alta performance sem segurança psicológica. Por isso, estabelecer segurança psicológica não significa evitar conflitos ou suavizar conversas difíceis, mas sim criar uma cultura em que o debate seja aberto e respeitoso.

Marília Tosetto - Diretora de Talent Management na Blip

4 minutos min de leitura
Inovação & estratégia, Marketing & growth
17 de outubro de 2025
No Brasil, quem não regionaliza a inovação está falando com o país certo na língua errada - e perdendo mercado para quem entende o jogo das parcerias.

Rafael Silva - Head de Parcerias e Alianças na Lecom

3 minutos min de leitura
Bem-estar & saúde, Tecnologia & inteligencia artificial
16 de outubro de 2025
A saúde corporativa está em colapso silencioso - e quem não usar dados para antecipar vai continuar apagando incêndios.

Murilo Wadt - Cofundador e diretor geral da HealthBit

3 minutos min de leitura
Bem-estar & saúde
15 de outubro de 2025
Cuidar da saúde mental virou pauta urgente - nas empresas, nas escolas, nas nossas casas. Em um mundo acelerado e hiperexposto, desacelerar virou ato de coragem.

Viviane Mansi - Conselheira de empresas, mentora e professora

3 minutos min de leitura
Marketing & growth
14 de outubro de 2025
Se 90% da decisão de compra acontece antes do primeiro contato, por que seu time ainda espera o cliente bater na porta?

Mari Genovez - CEO da Matchez

3 minutos min de leitura
ESG
13 de outubro de 2025
ESG não é tendência nem filantropia - é estratégia de negócios. E quando o impacto social é parte da cultura, empresas crescem junto com a sociedade.

Ana Fontes - Empreendeedora social, fundadora da Rede Mulher Empreendedora (RME) e do Instituto RME

3 minutos min de leitura
Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho, Estratégia
10 de outubro de 2025
Com mais de um século de história, a Drogaria Araujo mostra que longevidade empresarial se constrói com visão estratégica, cultura forte e design como motor de inovação.

Rodrigo Magnago

6 minutos min de leitura
Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho, Liderança
9 de outubro de 2025
Em tempos de alta performance e tecnologia, o verdadeiro diferencial está na empatia: um ativo invisível que transforma vínculos em resultados.

Laís Macedo, Presidente do Future is Now

3 minutos min de leitura

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #169

TECNOLOGIAS MADE IN BRASIL

Não perdemos todos os bondes; saiba onde, como e por que temos grandes oportunidades de sucesso (se soubermos gerenciar)

Baixe agora mesmo a nossa nova edição!

Dossiê #169

TECNOLOGIAS MADE IN BRASIL

Não perdemos todos os bondes; saiba onde, como e por que temos grandes oportunidades de sucesso (se soubermos gerenciar)