Artigo

Um framework para solucionar as crises das cadeias de fornecimento

O framework da “teoria das restrições” ajuda a identificar os gargalos, elos mais fracos, fatores quaisquer que limitam a busca de um objetivo, e gerenciá-los para que deixem de ser limitantes, e, somado a tecnologia e dados, pode endereçar o atual desafio de supply chain
Rami Goldratt é CEO do Grupo Goldratt e principal divulgador da teoria das restrições (TOC), desenvolvida por seu pai, Eli Goldratt, e apresentada no livro *A Meta*, que já vendeu mais de 12 milhões de exemplares no mundo. A consultoria traz métodos que identificam e removem as restrições de uma empresa de um modo sistematizado, na busca por um crescimento sustentável. Tem mais de 250 consultores em diversos países, sendo 30 no Brasil.

Compartilhar:

Sustentabilidade, digitalização e indústria 4.0 têm sido as chaves preferenciais para enfrentar todos os problemas que surgem nestes tempos turbulentos. Mas, apesar de atrativas, essas abordagens por vezes trazem só uma ilusão de progresso. Isso porque não necessariamente focam na solução do problema correto. É relativamente fácil que deixem de ser chaves e se tornem meros chavões da gestão empresarial.

Um framework para gerenciar recursos tem atingido resultados notáveis para os problemas que vêm da turbulência, como as atuais crises da cadeia de fornecimento: a teoria das restrições (TOC). Desenvolvida pelo físico israelense Eliyahu Goldratt, autor do best-seller internacional *A Meta* (e meu pai), a TOC provê, com abordagem científica, um processo para analisar sistemas complexos e desenvolver soluções com foco e visão sistêmica.

A TOC constitui uma mudança de paradigma na maneira de gerenciar recursos. Tradicionalmente, os sistemas são subdivididos, e cada parte é gerenciada de maneira isolada, em busca de máxima eficiência. Só que, apesar de promover um maior controle, essa divisão cria efeitos colaterais indesejáveis – como falta de sincronização, metas locais desalinhadas com o objetivo global e a inevitável mentalidade de silos.

Já a TOC se baseia na premissa de que qualquer sistema, por mais complexo que pareça, é governado por poucos elementos cruciais, que são as chamadas “restrições”. Ao identificarmos e gerenciarmos tais restrições, conseguimos não só obter resultados mais rapidamente, como também promovemos harmonia no sistema. As aplicações da TOC, ao alinharem um sistema como um todo, nos dão um mecanismo para focar, mantendo um uso pleno das restrições, o que contribui para um salto significativo no desempenho.

No Brasil, empresas de grande porte como Grupo Soma, Seara, Ambev, Basf, Itambé e Riachuelo têm usado o framework TOC, por exemplo, para treinar executivos, analisar e melhorar o desempenho de suas operações. Globalmente, a TOC é aplicada em diversas áreas, como operações, gestão de projetos, distribuição, varejo, serviços, engenharia, vendas e marketing, controladoria, gestão de pessoas, estratégia, inovação, manutenção, reparo e operações (MRO) etc.

Isso compreendido, vamos ao ponto: e os problemas com as cadeias de fornecimento? Eis o tema deste artigo.

## A tecnologia não resolveu
Os atuais problemas de fornecimento em agricultura, química, manufatura, metais, óleo e gás, têm afetado empresas de todos os tipos, de automotivas a aeroespaciais, passando pelas de construção civil, eletrônica e bens de consumo, e, claro, o varejo. Um exemplo bem fácil de identificar vem do setor têxtil: segundo a ONG Global Fashion, 90 milhões de toneladas de resíduos têxteis são descartados todos os anos no mundo.

Isso acontece faz tempo, porém o mais intrigante é o fato de continuar acontecendo apesar do investimento mundial em tecnologias e big data, instrumentos que visam aprimorar a qualidade do planejamento de demanda. Por quê? É que não basta apenas introduzir melhorias locais como ocorre com muitas iniciativas de tecnologia sem focar o que realmente pode impactar o desempenho do sistema como um todo.

E as crises só fizeram exacerbar esses desafios. Mesmo sistemas relativamente estáveis estão mais expostos a essas incertezas dos fornecedores.

## Objetivos (in)conciliáveis
Vamos nos colocar no lugar de varejistas e distribuidores, cujo objetivo é aumentar o giro de estoques. Eles desejam garantir a disponibilidade de produtos para lidar com as incertezas da demanda, mas também proteger o fluxo de caixa, mantendo o mínimo de estoque possível.

Para atingir esses objetivos, os varejistas esperam que os fornecedores trabalhem com lotes pequenos, prazos de entrega curtos, um horizonte de planejamento breve e alta flexibilidade para acomodar alterações de última hora nos pedidos.

Como o framework impacta o supply chain

Afinal, os problemas de fornecimento seguem aumentando pós-pandemia
A eficácia das previsões de fornecimento continua a ser comprometida, principalmente por três tendências:

1) Aumento da personalização dos produtos. Esse fenômeno, alimentado pelas demandas e gostos dos consumidores, obriga as empresas a trabalharem com uma variedade maior de produtos, o que realimenta a tendência de demanda por produtos cada vez mais específicos.
2) Diminuição da tolerância à espera. Isso ocorre tanto no B2C quanto no B2B, o que leva as empresas a manterem mais estoques para atender à demanda. Essa maior disponibilidade acaba por reforçar a tendência de expectativas de entregas cada vez mais rápidas.
3) Diminuição do ciclo de vida dos produtos. O lançamento de novos produtos está se acelerando. Esse fenômeno também contribui para a redução ainda maior do ciclo de vida dos produtos atuais, alimentando outro ciclo vicioso.

É fácil entender por que a velocidade de melhoria na previsão não acompanha a dinâmica do mercado, não importa quanta tecnologia se aplique a isso. O que a TOC faz é descolar o planejamento da execução, introduzindo um modo de operação mais reativo à realidade de mercado, por meio de ferramentas como o Onebeat, que promove uma maior adaptabilidade dos sistemas frente às variações de demanda. Focada nas restrições, a TOC aumenta a reatividade do sistema aos imprevistos e, assim, acaba contribuindo para que empresas se mantenham lucrativas e sustentáveis. (RG)

Agora, consideremos a perspectiva dos fornecedores, que se concentram na produtividade, mantendo baixos os custos operacionais. Para isso, essas empresas industriais desejam que seus clientes aceitem lotes mínimos de produção, prazos de entrega razoáveis para permitir um planejamento eficaz, um horizonte de planejamento mais longo e ordens de compra firmes para não perturbar o sequenciamento da produção.

À primeira vista, os dois lados – varejo e fornecedores – têm objetivos que parecem inconciliáveis, certo? Porém, a TOC propõe um modo de operação que sincroniza a gestão de filas e prioridades de maneira sistêmica. Isso permite atingir alta produtividade na operação (para os fornecedores) e alto giro de estoques na distribuição (para varejistas e distribuidores). Essas soluções simplificam os processos, em vez de complicá-los.

Até por não sabermos se a operação será totalmente controlada por inteligência artificial em um futuro próximo, é essencial que os gestores entendam a lógica por trás dos processos de decisão. Ao facilitar essa compreensão, a TOC garante que eles estejam capacitados para gerir eficientemente a cadeia de fornecimento. Aliás, nossa experiência mostra que soluções do tipo “caixa preta” nunca produzem o resultado esperado.

Provações de tempos de crise, e também na época de bonança, exigem respostas rápidas e estratégicas para a sobrevivência corporativa. Diante dos atuais desafios das cadeias de fornecimento, nem todas as organizações conseguirão se adaptar, mas as que aprenderem prosperarão.

Ao permitir que os gestores entendam a lógica de causa e efeito que governa seus sistemas e pensem de modo sistêmico e global, o framework TOC possibilita esse aprendizado – e a prosperidade. A TOC tem casos de sucesso em várias áreas há muito tempo, mas, neste momento de mudança acelerada e instabilidade no supply chain, sua aplicação é mais valiosa que nunca.

Artigo publicado na HSM Management nº 158.

Compartilhar:

Artigos relacionados

A aposta calculada que levou o Boticário a ser premiado no iF Awards

Enquanto concorrentes correm para lançar coleções sazonais inspiradas em tendências efêmeras, o Boticário demonstra que compreende um princípio fundamental: o verdadeiro valor do design não está na estética superficial, mas em sua capacidade de gerar impacto social e econômico simultaneamente. A linha Make B., vencedora do iF Design Award 2025, não é um produto de beleza – é um manifesto estratégico.

Quando o colaborador é o problema

Ambientes tóxicos nem sempre vêm da cultura – às vezes, vêm de uma única pessoa. Entenda como identificar e conter comportamentos silenciosos que desestabilizam equipes e ameaçam a saúde organizacional.

Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho, Estratégia, Inovação & estratégia, Tecnologia e inovação
22 de agosto de 2025
Em tempos de alta complexidade, líderes precisam de mais do que planos lineares - precisam de mapas adaptativos. Conheça o framework AIMS, ferramenta prática para navegar ambientes incertos e promover mudanças sustentáveis sem sufocar a emergência dos sistemas humanos.

Manoel Pimentel - Chief Scientific Officer na The Cynefin Co. Brazil

8 minutos min de leitura
Inovação & estratégia, Finanças, Marketing & growth
21 de agosto de 2025
Em tempos de tarifas, volta de impostos e tensão global, marcas que traduzem o cenário com clareza e reforçam sua presença local saem na frente na disputa pela confiança do consumidor.

Carolina Fernandes, CEO do hub Cubo Comunicação e host do podcast A Tecla SAP do Marketês

4 minutos min de leitura
Uncategorized, Empreendedorismo, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
20 de agosto de 2025
A Geração Z está redefinindo o que significa trabalhar e empreender. Por isso é importante refletir sobre como propósito, impacto social e autonomia estão moldando novas trajetórias profissionais - e por que entender esse movimento é essencial para quem quer acompanhar o futuro do trabalho.

Ana Fontes

4 minutos min de leitura
Inteligência artificial e gestão, Transformação Digital, Cultura organizacional, Inovação & estratégia
18 de agosto de 2025
O futuro chegou - e está sendo conversado. Como a conversa, uma das tecnologias mais antigas da humanidade, está se reinventando como interface inteligente, inclusiva e estratégica. Enquanto algumas marcas ainda decidem se vão aderir, os consumidores já estão falando. Literalmente.

Bruno Pedra, Gerente de estratégia de marca na Blip

3 minutos min de leitura
Cultura organizacional, Estratégia, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
15 de agosto de 2025
Relatórios de tendências ajudam, mas não explicam tudo. Por exemplo, quando o assunto é comportamento jovem, não dá pra confiar só em categorias genéricas - como “Geração Z”. Por isso, vale refletir sobre como o fetiche geracional pode distorcer decisões estratégicas - e por que entender contextos reais é o que realmente gera valor.

Carol Zatorre, sócia e CO-CEO da Kyvo. Antropóloga e coordenadora regional do Epic Latin America

4 minutos min de leitura
Liderança, Bem-estar & saúde, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
14 de agosto de 2025
Como a prática da meditação transformou minha forma de viver e liderar

Por José Augusto Moura, CEO da brsa

5 minutos min de leitura
Cultura organizacional, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
14 de agosto de 2025
Ainda estamos contratando pessoas com deficiência da mesma forma que há décadas - e isso precisa mudar. Inclusão começa no processo seletivo, e ignorar essa etapa é excluir talentos. Ações afirmativas e comunicação acessível podem transformar sua empresa em um espaço realmente inclusivo.

Por Carolina Ignarra, CEO da Talento Incluir e Larissa Alves, Coordenadora de Empregabilidade da Talento Incluir

5 minutos min de leitura
Saúde mental, Gestão de pessoas, Estratégia
13 de agosto de 2025
Lideranças que ainda tratam o tema como secundário estão perdendo talentos, produtividade e reputação.

Tatiana Pimenta, CEO da Vittude

2 minutos min de leitura
Gestão de Pessoas, Carreira, Desenvolvimento pessoal, Estratégia
12 de agosto de 2025
O novo desenho do trabalho para organizações que buscam sustentabilidade, agilidade e inclusão geracional

Cris Sabbag - Sócia, COO e Principal Research da Talento Sênior

5 minutos min de leitura
Liderança, Gestão de Pessoas, Lifelong learning
11 de agosto de 2025
Liderar hoje exige mais do que estratégia - exige repertório. É preciso parar e refletir sobre o novo papel das lideranças em um mundo diverso, veloz e hiperconectado. O que você tem feito para acompanhar essa transformação?

Bruno Padredi

3 minutos min de leitura