Tecnologias exponenciais
5 min de leitura

DeepSeek e IA global: Uma corrida por supremacia, não por ética

A ascensão da DeepSeek desafia a supremacia dos modelos ocidentais de inteligência artificial, mas seu avanço não representa um triunfo da democratização tecnológica. Embora promova acessibilidade, a IA chinesa segue alinhada aos interesses estratégicos do governo de Pequim, ampliando o debate sobre viés e controle da informação. No cenário global, a disputa entre gigantes como OpenAI, Google e agora a DeepSeek não se trata de ética ou inclusão, mas sim de hegemonia tecnológica. Sem uma governança global eficaz, a IA continuará sendo um instrumento de poder nas mãos de poucos.
*Carine Roos é pesquisadora de ética em inteligência artificial, direitos humanos, saúde emocional e gênero. A especialista possui mestrado em Gênero pela London School of Economics (LSE) e pós-graduação em Cultivando Equilíbrio Emocional pelo Santa Barbara Institute for Consciousness Studies. Fundadora e CEO da Newa, consultoria de impacto social especializada na criação de ambientes corporativos humanizados, éticos e psicologicamente seguros, tem como missão preparar e capacitar líderes de grandes empresas. Autora da newsletter The Hidden Politics of AI, que analisa o impacto das big techs na governança digital e nos direitos fundamentais, também é palestrante em eventos de inovação, LinkedIn Top Voice, e colunista em veículos como Você RH e HSM.

Compartilhar:

Tecnologia

Enquanto o Vale do Silício entra em pânico e monta uma ‘sala de crise’ para entender como a startup chinesa DeepSeek conseguiu superar modelos de inteligência artificial consagrados como ChatGPT,  Llama e Gemini, a ascensão dessa tecnologia não representa um avanço democrático ou ético. Embora a IA chinesa prometa acessibilidade e código aberto, a realidade geopolítica e os interesses estratégicos por trás desse desenvolvimento mostram que a disputa segue sendo travada entre gigantes como OpenAI, Google, Meta, Microsoft, Anthropic e agora a DeepSeek: todos competindo por hegemonia tecnológica sem uma preocupação genuína com os impactos políticos e sociais dessa tecnologia.

Fundada em 2023 por Liang Wenfeng e impulsionada por Luo Fuli, jovem pesquisadora prodígio de IA, a DeepSeek conseguiu em menos de dois anos o que levou a OpenAI quase cinco anos para alcançar. Seu modelo mais recente, o DeepSeek R1, superou o ChatGPT em downloads benchmarks, sendo mais eficiente na resolução de problemas matemáticos, programação e raciocínio lógico. A grande vantagem? Custo operacional até 95% menor que os principais concorrentes.

Com um treinamento que custou US$6 milhões – uma fração dos US$100 milhões estimados para o ChatGPT-4 – e utilizando chips menos avançados, a DeepSeek desafia a narrativa de que apenas os EUA detêm a tecnologia mais sofisticada de IA. Esse fato tem levado analistas a comparar sua ascensão ao “momento Sputnik” – uma referência ao impacto do lançamento do primeiro satélite soviético, que redefiniu a corrida espacial e acendeu um alerta vermelho nos Estados Unidos.

Acessível, mas controlada: os limites da IA ‘aberta

A DeepSeek defende uma abordagem de código aberto, o que supostamente permitiria um maior acesso a modelos avançados de IA, sem as barreiras de licenciamento impostas por empresas ocidentais. No entanto, essa “democratização” não significa ausência de viés ou transparência. O modelo segue as diretrizes ideológicas do Partido Comunista Chinês, censurando temas sensíveis como o Massacre da Praça da Paz Celestial (1989), a independência de Taiwan e a autonomia de Hong Kong. O DeepSeek também reproduz a posição oficial de Pequim em temas como a Guerra da Ucrânia e a situação em Gaza, alinhando-se à diplomacia chinesa.

Enquanto OpenAI e Google adotam abordagens ambíguas sobre temas políticos, evitando se comprometer diretamente, a IA da DeepSeek age como um porta-voz estatal, reproduzindo discursos alinhados ao governo de Xi Jinping. Isso mostra que, embora a China tenha conseguido driblar as sanções dos EUA e desenvolver um modelo competitivo, sua IA não é um espaço neutro de informação. O Grande Firewall digital agora se estende ao mundo, travestido de inovação tecnológica.

O avanço da DeepSeek não está acontecendo no vácuo. Ele se insere em um cenário geopolítico de disputa entre EUA e China pela liderança em IA, onde os dois lados competem para garantir sua hegemonia tecnológica e econômica. Os Estados Unidos restringiram a exportação de chips avançados para a China desde 2023, apostando que isso limitaria o desenvolvimento chinês. Mas a DeepSeek provou que é possível construir modelos avançados mesmo com hardware limitado, lançando dúvidas sobre a eficácia das sanções.

No entanto, o problema central dessa corrida não está apenas na competição entre empresas ou na luta por domínio geopolítico, mas sim na falta de um debate sério sobre regulação, impactos sociais e governança da IA. Quem controla essa tecnologia? Como evitar que sistemas de IA sejam usados para reforçar desigualdades, vigilância e desinformação? Como garantir que o desenvolvimento da IA não esteja apenas concentrado nas mãos de poucos atores poderosos?

Atualmente, a IA é desenvolvida e controlada por um pequeno grupo de corporações e Estados, que priorizam seus próprios interesses em detrimento de uma regulação global robusta. O caso da DeepSeek expõe essa realidade: enquanto seu código aberto pode ser visto como um avanço na acessibilidade da IA, sua censura ideológica e alinhamento com os interesses do Partido Comunista Chinês mostram que o verdadeiro controle dessa tecnologia continua concentrado nas mãos dos mais poderosos.

O discurso de que a IA pode ser um agente democratizador da informação se desmancha quando olhamos para o contexto global. A briga não é pela criação de uma IA mais ética e inclusiva, mas sim pelo controle de quem define as regras do jogo.

No fim, estamos testemunhando uma batalha entre leões, onde o impacto da IA nas sociedades é secundário. Enquanto governos e corporações disputam a hegemonia tecnológica, o mundo ainda carece de uma regulamentação eficiente, centrada na transparência, no respeito aos direitos humanos e na mitigação dos danos que essa tecnologia pode causar.

Se há algo a aprender com o avanço da DeepSeek, não é apenas sua capacidade de inovação ou a velocidade com que abalou o Vale do Silício. É o fato de que, sem um debate global e políticas sólidas de governança, a IA continuará sendo um instrumento de poder nas mãos de poucos e, inevitavelmente, utilizada para reforçar os interesses dos mais fortes.

Compartilhar:

Artigos relacionados

Quando o colaborador é o problema

Ambientes tóxicos nem sempre vêm da cultura – às vezes, vêm de uma única pessoa. Entenda como identificar e conter comportamentos silenciosos que desestabilizam equipes e ameaçam a saúde organizacional.

Liderança, Empreendedorismo, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho, Inovação & estratégia
1 de setembro de 2025
Imersão de mais de 10 horas em São Paulo oferece conteúdo de alto nível, mentorias com especialistas, oportunidades de networking qualificado e ferramentas práticas para aplicação imediata para mulheres, acelerando oportunidades para um novo paradigma econômico

Redação HSM Management

0 min de leitura
Inovação & estratégia, Marketing & growth
1 de setembro de 2025
Na era da creator economy, influência não é mais sobre alcance - é sobre confiança. Você já se deu conta como os influenciadores se tornaram ativos estratégicos no marketing contemporâneo? Eles conectam dados, propósito e performance. Em um cenário cada vez mais automatizado, é a autenticidade que converte.

Salomão Araújo - VP Comercial da Rakuten Advertising no Brasil

3 minutos min de leitura
Inovação & estratégia, Liderança
29 de agosto de 2025
Estamos entrando na temporada dos planos estratégicos - mas será que o que chamamos de “estratégia” não é só mais uma embalagem bonita para táticas antigas? Entenda o risco do "strategy washing" e por que repensar a forma como construímos estratégia é essencial para navegar futuros possíveis com mais consciência e adaptabilidade.

Lilian Cruz, Cofundadora da Ambidestra

4 minutos min de leitura
Empreendedorismo, Inovação & estratégia
28 de agosto de 2025
Startups lideradas por mulheres estão mostrando que inovação não precisa ser complexa - precisa ser relevante. Já se perguntou: por que escutar as necessidades reais do mercado é o primeiro passo para empreender com impacto?

Ana Fontes - Empreendedora social, fundadora da Rede Mulher Empreendedora (RME) e do Instituto RME

3 minutos min de leitura
Inovação & estratégia, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho, Tecnologia & inteligencia artificial
26 de agosto de 2025
Em um universo do trabalho regido pela tecnologia de ponta, gestores e colaboradores vão obrigatoriamente colocar na dianteira das avaliações as habilidades humanas, uma vez que as tarefas técnicas estarão cada vez mais automatizadas; portanto, comunicação, criatividade, pensamento crítico, persuasão, escuta ativa e curiosidade são exemplos desse rol de conceitos considerados essenciais nesse início de século.

Ivan Cruz, cofundador da Mereo, HR Tech

4 minutos min de leitura
Inovação
25 de agosto de 2025
A importância de entender como o design estratégico, apoiado por políticas públicas e gestão moderna, impulsiona o valor real das empresas e a competitividade de nações como China e Brasil.

Rodrigo Magnago

9 min de leitura
Cultura organizacional, ESG, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
25 de agosto de 2025
Assédio é sintoma. Cultura é causa. Como ambientes de trabalho ainda normalizam comportamentos abusivos - e por que RHs, líderes e áreas jurídicas precisam deixar a neutralidade de lado e assumir o papel de agentes de transformação. Respeito não pode ser negociável!

Viviane Gago, Facilitadora em desenvolvimento humano

5 minutos min de leitura
Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho, Estratégia, Inovação & estratégia, Tecnologia e inovação
22 de agosto de 2025
Em tempos de alta complexidade, líderes precisam de mais do que planos lineares - precisam de mapas adaptativos. Conheça o framework AIMS, ferramenta prática para navegar ambientes incertos e promover mudanças sustentáveis sem sufocar a emergência dos sistemas humanos.

Manoel Pimentel - Chief Scientific Officer na The Cynefin Co. Brazil

8 minutos min de leitura
Inovação & estratégia, Finanças, Marketing & growth
21 de agosto de 2025
Em tempos de tarifas, volta de impostos e tensão global, marcas que traduzem o cenário com clareza e reforçam sua presença local saem na frente na disputa pela confiança do consumidor.

Carolina Fernandes, CEO do hub Cubo Comunicação e host do podcast A Tecla SAP do Marketês

4 minutos min de leitura
Uncategorized, Empreendedorismo, Gestão de pessoas & arquitetura de trabalho
20 de agosto de 2025
A Geração Z está redefinindo o que significa trabalhar e empreender. Por isso é importante refletir sobre como propósito, impacto social e autonomia estão moldando novas trajetórias profissionais - e por que entender esse movimento é essencial para quem quer acompanhar o futuro do trabalho.

Ana Fontes

4 minutos min de leitura